sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Os Sete Samurais
A influência do cinema ocidental em Kurosawa foi enorme, assim como é enorme a influência de Kurosawa no cinema ocidental. Dizer, porém, com veneno nos lábios, que “Kurosawa é o mais ocidental dos diretores japoneses” é ignorar a freqüência com que ele retratou os costumes e tradições do Japão, além de seus problemas, histórias, e afins. Kurosawa de maneira alguma deixou suas raízes pra trás, mas simplesmente reuniu uma gama maior de influências, juntando Shakespeare, Dostoievski e os westerns à sua bagagem cultural nipônica.
Em Os Sete Samurais, provavelmente seu filme mais famoso, Kurosawa reuniu elementos que vez ou outra ecoam influências ocidentais, mas no geral o filme é uma grande obra puramente japonesa, e nada mais, que retrata costumes, valores e dilemas da sociedade japonesa do final do século 16, mais especificamente de suas figuras mais emblemáticas: os samurais.
O enredo do filme é bem simples: um vilarejo de lavradores miseráveis é constantemente atacado e pilhado por bandidos. Desesperados, os camponeses vão até à cidade em busca de samurais que possam defendê-los em troca de comida. Acabam encontrando um velho ronin, e com sua ajuda reúnem um grupo de seis samurais e um suspeito. Depois, segue-se a preparação da defesa, a convivência com os habitantes do vilarejo e por fim a última batalha. Tudo isso filmado com uma fotografia espetacular, cheio de imagens belíssimas e cenas de batalha primorosas.
O épico tem três horas e vinte e possui um ritmo um pouco lento. Mas isso não o torna chato, de maneira alguma, e para alguns o filme passa até rápido demais. De qualquer maneira, o ritmo é essencial para que Kurosawa possa apresentar com calma e desenvoltura as motivações de cada personagem e as relações entre eles. Afinal, só os protagonistas samurais são sete, e adicionando mais três ou quatro camponeses essenciais para a história, fica fácil entender porque o filme é tão grande, mesmo tendo uma história que, numa obra mais comercial, seria contada em até menos de duas horas.
Obviamente, mesmo entre esses protagonistas, há aqueles que recebem mais atenção. O principal é Kikuchiyo, um samurai beberrão, engraçado e expansivo que na verdade é filho de camponeses, interpretado pelo gênio Toshiro Mifune. Além dele, temos Kambei, o velho ronin que representa a idéia principal da história, e Katsushiro, seu aprendiz, o único a viver uma história de amor no longa.
Os questionamentos do filme, como em qualquer obra-prima, se multiplicam. Em princípio, temos os cavaleiros andantes, os “pistoleiros” solitários do Japão feudal, os samurais sem senhor, ronins, que saem de suas vidas auto-suficientes para proteger a coletividade, o grupo interdependente de uma aldeia de lavradores de um ataque de bandidos. No aspecto sócio-econômico, o filme é um pouco pessimista, conquanto simplesmente retrate com perfeição o Japão da época: embora uns ataquem, outros entrem em desespero e outros lutem honradamente, todos são miseráveis: lavradores, samurais e bandidos, que fazem o que fazem, cada um deles, simplesmente para sobreviver.
A partir dessa premissa, contudo, Kurosawa desenvolve as personalidades e motivações dos personagens para além do instinto de sobrevivência. Não é só por comida que eles lutam. Eles lutam pelo dever, pela honra, por compaixão. Eles lutam por companheirismo, que por sinal é outro mote importante do filme. É a amizade e a admiração que motiva, de modo geral, a união dos sete guerreiros.
O último aspecto importante, talvez o mais importante, seja aquele com que o filme encerra: dos sete samurais, quatro morrem, e Katsushiro, o mais novo, perde (não pela morte) a pessoa por quem estava apaixonado. Kambei dissera, logo no começo do filme, que já estivera em muitas batalhas, mas nunca do lado vencedor. E na última cena, conversando com seu amigo Shichiroji, um dos samurais, em frente aos túmulos dos mortos, diz novamente que aquela foi mais uma batalha perdida. Mesmo que os bandidos tenham sido todos mortos, e a aldeia salva, quem ganhou a batalha foram os lavradores. Os samurais, os guerreiros solitários, companheiros e honrados mais uma vez perderam. Pois a História não é justa, e mesmo quem vive honradamente acaba ficando para trás.
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Em Os Sete Samurais, provavelmente seu filme mais famoso, Kurosawa reuniu elementos que vez ou outra ecoam influências ocidentais, mas no geral o filme é uma grande obra puramente japonesa, e nada mais, que retrata costumes, valores e dilemas da sociedade japonesa do final do século 16, mais especificamente de suas figuras mais emblemáticas: os samurais.
O enredo do filme é bem simples: um vilarejo de lavradores miseráveis é constantemente atacado e pilhado por bandidos. Desesperados, os camponeses vão até à cidade em busca de samurais que possam defendê-los em troca de comida. Acabam encontrando um velho ronin, e com sua ajuda reúnem um grupo de seis samurais e um suspeito. Depois, segue-se a preparação da defesa, a convivência com os habitantes do vilarejo e por fim a última batalha. Tudo isso filmado com uma fotografia espetacular, cheio de imagens belíssimas e cenas de batalha primorosas.
O épico tem três horas e vinte e possui um ritmo um pouco lento. Mas isso não o torna chato, de maneira alguma, e para alguns o filme passa até rápido demais. De qualquer maneira, o ritmo é essencial para que Kurosawa possa apresentar com calma e desenvoltura as motivações de cada personagem e as relações entre eles. Afinal, só os protagonistas samurais são sete, e adicionando mais três ou quatro camponeses essenciais para a história, fica fácil entender porque o filme é tão grande, mesmo tendo uma história que, numa obra mais comercial, seria contada em até menos de duas horas.
Obviamente, mesmo entre esses protagonistas, há aqueles que recebem mais atenção. O principal é Kikuchiyo, um samurai beberrão, engraçado e expansivo que na verdade é filho de camponeses, interpretado pelo gênio Toshiro Mifune. Além dele, temos Kambei, o velho ronin que representa a idéia principal da história, e Katsushiro, seu aprendiz, o único a viver uma história de amor no longa.
Os questionamentos do filme, como em qualquer obra-prima, se multiplicam. Em princípio, temos os cavaleiros andantes, os “pistoleiros” solitários do Japão feudal, os samurais sem senhor, ronins, que saem de suas vidas auto-suficientes para proteger a coletividade, o grupo interdependente de uma aldeia de lavradores de um ataque de bandidos. No aspecto sócio-econômico, o filme é um pouco pessimista, conquanto simplesmente retrate com perfeição o Japão da época: embora uns ataquem, outros entrem em desespero e outros lutem honradamente, todos são miseráveis: lavradores, samurais e bandidos, que fazem o que fazem, cada um deles, simplesmente para sobreviver.
A partir dessa premissa, contudo, Kurosawa desenvolve as personalidades e motivações dos personagens para além do instinto de sobrevivência. Não é só por comida que eles lutam. Eles lutam pelo dever, pela honra, por compaixão. Eles lutam por companheirismo, que por sinal é outro mote importante do filme. É a amizade e a admiração que motiva, de modo geral, a união dos sete guerreiros.
O último aspecto importante, talvez o mais importante, seja aquele com que o filme encerra: dos sete samurais, quatro morrem, e Katsushiro, o mais novo, perde (não pela morte) a pessoa por quem estava apaixonado. Kambei dissera, logo no começo do filme, que já estivera em muitas batalhas, mas nunca do lado vencedor. E na última cena, conversando com seu amigo Shichiroji, um dos samurais, em frente aos túmulos dos mortos, diz novamente que aquela foi mais uma batalha perdida. Mesmo que os bandidos tenham sido todos mortos, e a aldeia salva, quem ganhou a batalha foram os lavradores. Os samurais, os guerreiros solitários, companheiros e honrados mais uma vez perderam. Pois a História não é justa, e mesmo quem vive honradamente acaba ficando para trás.
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Marcadores:
Akira Kurosawa,
Cinema,
Clássicos da Sétima Arte,
Crítica
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Acaba o ano, começam as férias (não necessariamente nessa ordem)
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Primeira coisa: Queria agradecer de novo a todos os citados do post de aniversário do blog, especialmente os que comentaram. Já disse e reforço: é graças a vocês que isso aqui vai pra frente.
Segunda coisa: Nas próximas duas semanas, não haverá postagem aqui no Amortescimento. Amanhã vai ao ar a crítica de Os Sete Samurais, sexta tem a citação de praxe, e depois mais nada até o ano que vem. Dia 5 de janeiro o blog volta, com algumas mudanças para o ano que vem (esperem e verão).
Terceira coisa: Feliz Natal e Feliz Ano Novo pra todo mundo. Aproveitem as festas, sejam bonzinhos e não bebam demais. Ano que vem estamos de volta, e bola pra frente!
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Primeira coisa: Queria agradecer de novo a todos os citados do post de aniversário do blog, especialmente os que comentaram. Já disse e reforço: é graças a vocês que isso aqui vai pra frente.
Segunda coisa: Nas próximas duas semanas, não haverá postagem aqui no Amortescimento. Amanhã vai ao ar a crítica de Os Sete Samurais, sexta tem a citação de praxe, e depois mais nada até o ano que vem. Dia 5 de janeiro o blog volta, com algumas mudanças para o ano que vem (esperem e verão).
Terceira coisa: Feliz Natal e Feliz Ano Novo pra todo mundo. Aproveitem as festas, sejam bonzinhos e não bebam demais. Ano que vem estamos de volta, e bola pra frente!
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terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Ran
Akira Kurosawa, um dos deuses do cinema, foi um artista completo. Seus filmes eram compostos de maneira extremamente cuidadosa e detalhista, com influências de diversas outras artes. Pintura, teatro, literatura, música: todas se uniam, e eram postas em movimentos, para formar cada uma das obras-primas do mestre.
Em Ran, uma de suas maiores realizações, não foi diferente. Adaptação de uma das grandes peças de William Shakespeare, Rei Lear, para o Japão feudal, Ran é um tour de force composto por todas as influências do universo Shakespeareano. Os atores atuam de forma teatral, declamando longas frases de beleza e significado imensos, as cores se multiplicam e saltam aos olhos, compondo imagens perfeitamente engendradas, e a música conduz e acompanha, ao mesmo tempo, o filme em todos os seus momentos.
O filme acompanha, de modo geral, o fim da trajetória de Hidetora Ichimonji, um senhor da guerra que, já velho, abdica do comando de suas tropas e castelos em favor dos filhos. Os dois filhos mais velhos o bajulam e agradecem, mas o mais novo objeta, dizendo que, ao receberem cada um uma parcela do poder, os três começarão a lutar entre si para conquistar a hegemonia, assim como o próprio Hidetora havia lutado durante décadas para conquistar a região.
Furioso, o pai deserda o filho, tirando-lhe todos os direitos, e deixa somente os outros dois com o poder. Logo, porém, ele descobre que não é bem vindo na casa deles, e que o caçula estava mesmo certo, pois seus filhos começam uma sangrenta disputa pelo poder, atacando inclusive o próprio pai. Enlouquecido pela traição, Hidetora começa a vagar por suas terras, com proteção somente de seu lacaio e bobo-da-corte e de um soldado que se manteve leal.
A partir daí, o enredo se intricará cada vez mais, com reviravoltas, tragédias e personagens dignos de Shakespeare (e são, mesmo), e explorará alguns temas em especial, sobretudo a guerra e a violência e suas variáveis, conseqüências e origens, tais como a traição, o niilismo, o caos e a vingança.
O título do filme, pois, significa “Caos; revolta” em Japonês. E o que temos em Ran é justamente isso: crimes cometidos pelos filhos contra os pais, entre irmãos, entre marido e mulher. A visão de Ran é a da nossa perdição: as pessoas inocentes são brutalmente assassinadas, as cruéis morrem inutilmente e aqueles que desejam a paz encontram somente a loucura. E os deuses, ao verem isso, incapazes de nos salvarem de nós mesmos, choram, ao presenciar o que a humanidade faz de sua vida.
Último grande filme de Kurosawa e clássico indispensável em qualquer cinemateca, Ran é um filme que dura, que reflete, que expõe: obra de gênio, sem dúvida.
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Em Ran, uma de suas maiores realizações, não foi diferente. Adaptação de uma das grandes peças de William Shakespeare, Rei Lear, para o Japão feudal, Ran é um tour de force composto por todas as influências do universo Shakespeareano. Os atores atuam de forma teatral, declamando longas frases de beleza e significado imensos, as cores se multiplicam e saltam aos olhos, compondo imagens perfeitamente engendradas, e a música conduz e acompanha, ao mesmo tempo, o filme em todos os seus momentos.
O filme acompanha, de modo geral, o fim da trajetória de Hidetora Ichimonji, um senhor da guerra que, já velho, abdica do comando de suas tropas e castelos em favor dos filhos. Os dois filhos mais velhos o bajulam e agradecem, mas o mais novo objeta, dizendo que, ao receberem cada um uma parcela do poder, os três começarão a lutar entre si para conquistar a hegemonia, assim como o próprio Hidetora havia lutado durante décadas para conquistar a região.
Furioso, o pai deserda o filho, tirando-lhe todos os direitos, e deixa somente os outros dois com o poder. Logo, porém, ele descobre que não é bem vindo na casa deles, e que o caçula estava mesmo certo, pois seus filhos começam uma sangrenta disputa pelo poder, atacando inclusive o próprio pai. Enlouquecido pela traição, Hidetora começa a vagar por suas terras, com proteção somente de seu lacaio e bobo-da-corte e de um soldado que se manteve leal.
A partir daí, o enredo se intricará cada vez mais, com reviravoltas, tragédias e personagens dignos de Shakespeare (e são, mesmo), e explorará alguns temas em especial, sobretudo a guerra e a violência e suas variáveis, conseqüências e origens, tais como a traição, o niilismo, o caos e a vingança.
O título do filme, pois, significa “Caos; revolta” em Japonês. E o que temos em Ran é justamente isso: crimes cometidos pelos filhos contra os pais, entre irmãos, entre marido e mulher. A visão de Ran é a da nossa perdição: as pessoas inocentes são brutalmente assassinadas, as cruéis morrem inutilmente e aqueles que desejam a paz encontram somente a loucura. E os deuses, ao verem isso, incapazes de nos salvarem de nós mesmos, choram, ao presenciar o que a humanidade faz de sua vida.
Último grande filme de Kurosawa e clássico indispensável em qualquer cinemateca, Ran é um filme que dura, que reflete, que expõe: obra de gênio, sem dúvida.
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Akira Kurosawa,
Cinema,
Clássicos da Sétima Arte,
Crítica
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Top Tops
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Posto hoje a última lista do ano. Aproveitando o clima de retrospectiva, o Top de hoje é o das listas que eu mais gostei de fazer e achei mais completas, mais interessantes. Esse ano eu deixei de fazê-las por um tempo, por falta de idéias, mas ano que vem pretendo regularizar a postagem de listas e Tops. Fiquem então com as cinco "melhores" listas aqui do blog em 2008.
1. Grandes Inícios de Livros
2. Meus 10 romances preferidos
3. Os 10 melhores discos de Rock Progressivo
4. 5 grandes compositores de trilhas sonoras
5. Top 10 filmes vistos por esse blog
Lembrando que algumas dessas listas ainda vão ter uma atualização. A última e a segunda estão constantemente sujeitas a alterações, e a primeira terá um "Volume 2" ano que vem. Aguarrrdem.
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Posto hoje a última lista do ano. Aproveitando o clima de retrospectiva, o Top de hoje é o das listas que eu mais gostei de fazer e achei mais completas, mais interessantes. Esse ano eu deixei de fazê-las por um tempo, por falta de idéias, mas ano que vem pretendo regularizar a postagem de listas e Tops. Fiquem então com as cinco "melhores" listas aqui do blog em 2008.
1. Grandes Inícios de Livros
2. Meus 10 romances preferidos
3. Os 10 melhores discos de Rock Progressivo
4. 5 grandes compositores de trilhas sonoras
5. Top 10 filmes vistos por esse blog
Lembrando que algumas dessas listas ainda vão ter uma atualização. A última e a segunda estão constantemente sujeitas a alterações, e a primeira terá um "Volume 2" ano que vem. Aguarrrdem.
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domingo, 14 de dezembro de 2008
Um Ano de Amortescimento (ou Nunca Um Post Desse Blog Teve Tantos Links)
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Um ano atrás, no dia 13 de Dezembro de 2008, terminava um ano letivo. Pela última vez na vida, eu havia estado como aluno em uma escola na qual estudara por nove anos. Para aproveitar as férias que começavam, o impulso natural de escrever e a ocasião-chave de mudança, criei um blog.
Antes dele, havia tido dois lugares parecidos onde publicava o que escrevia. O primeiro, um blog do MSN Spaces, teve vida curta: dois ou três posts, um nome complicado, e então o esquecimento. O segundo, um fotolog, bem, do Fotolog, era mais um blog do que outra coisa, na verdade, mas acabou morrendo, também, devido à insistência dos meus leitores em não comentarem o que eu escrevia.
Nesse cenário, portanto, surgia mais uma tentativa minha de ter um espaço na rede para divulgar meus escritos. Pensei durante algum tempo, e resolvi nomeá-lo com o mesmo título que criara para um proto-romance que estava (ainda estou) escrevendo, um amálgama de Amor, Morte e (Re)nascimento: Amortescimento.
O resto, perdoem-me a expressão, é história. Como bom iniciante, fui aprendendo aos poucos. No começo, ainda achava muito importante os comentários diretos das pessoas nos posts, e a falta deles (em grande parte) acabou arrefecendo a obstinação com que eu escrevia para o blog.
Depois, porém, compreendi que nem sempre as pessoas têm o que comentar, e que somente a visita, a leitura, aquele momento de intimidade entre o leitor e o escritor, já valia todo o esforço. Por isso, comecei a tratar o blog de forma mais natural, como uma obra que eu vou compondo aos poucos e os visitantes vão, por sua vez, apreciando ao seu modo.
Ainda assim, houve momentos em que as coisas desaceleraram, e muito. As férias acabaram, as idéias minguaram, o blog se tornou uma presença inconstante. O tempo, porém, tratou de resolver todos esses problemas.
Se, no início do blog, eu pretendia escrever sobre temas mais variados, Grandes e Pequenos temas da Humanidade (pomposo, não?), depois acabei notando que meus posts se direcionavam, na verdade, para a área em que se situam meus interesses e paixões. Desse modo, Cinema e Literatura, além de contos e novelas por mim produzidos, acabaram por dominar o território virtual do Amortescimento.
Com isso, só faltava uma coisa: constância. E em setembro, ela veio. Se antes os posts apareciam à medida que eu os escrevia, sem uma ordem clara identificável pelos leitores, a partir daquele mês os temas teriam dia certo para aparecer. Além disso, a partir do centésimo post, comecei a postar todos os dias úteis, sagradamente.
Devido a isso, creio, além da propaganda positiva feita por pessoas às quais tenho de agradecer (abaixo...), o volume de visitas aumentou consideravelmente. Hoje, o blog já tem mais de 15 mil page views, mais de 11 mil visitantes, e uma média diária de 120 a 130 leitores. Números razoáveis para um blog de pequeno porte, como este.
Hoje, um ano depois daquele fim de ano letivo, um ano depois daquele início de algo que é pra mim tão importante, só tenho que comemorar e agradecer. Falar sobre cinema e literatura? Pff, diversão. Escrever? Pff, diversão. Receber o carinho e o feedback dos leitores e comentaristas? Puro contentamento, satisfação, sentimento de dever cumprido.
Por isso, vou fugir um pouco agora do que é comum nesse blog. Nunca fiz desse espaço um diário ou espaço para falar sobre a minha vida. Preferia falar sobre a Arte, o Mundo, enfim, coisas mais interessantes. Agora, porém, sinto ser necessário falar um pouco de mim, o Tuma, o Thomaz Amâncio, mas para falar na verdade de outras pessoas, que foram muito importantes para esse blog se tornar o que é.
Permitam-me, então, um desvio mais pessoal.
Eu gostaria de agradecer:
A Deus, que concede, inspira, engloba e é todas essas coisas, o que está abaixo e o que está acima.
À minha família que, embora não seja freqüentadora desse blog, é a minha base e o meu sustento, a terra fértil e a água boa, e portanto também base, sustento, terra fértil e água boa do blog.
Ao Rafa, meu primo (e compadre, e irmão, e blogueiro), que tanto me influenciou, tanto me orientou, tanto me ajudou. O fato de ele ter feito os banners do blog é só um detalhe, perto de todo o resto, inclassificável, que envolve seus conselhos, seu caráter, sua presença.
À Tati, mestra e amiga (e também blogueira), por ter me instigado, me encorajado a seguir em frente, me inspirado a querer ser mais. E por ter feito propaganda do blog, que também não é algo de se jogar fora...
Aos blogueiros que são para mim uma referência, Alottoni e Azhagâl, Alexandre Inagaki, Alex Castro, Chico Fireman, Gravataí Merengue, Idelber Avelar, Nelson Moraes... a lista segue.
Aos grandes artistas, escritores e cineastas, que produziram a matéria prima a partir da qual esse blog foi construído, e ajudam a tornar a vida das pessoas sempre um pouco mais completa.
Aos leitores e comentaristas mais assíduos, Rodrigo Ciampi (que virou colunista intermitente, além de divulgador do blog), Lê, Pudim, Drica, Elienai Araújo... além dos que me incentivaram no começo, Ana, Fran, Tiago... vocês são o meu norte, a bússola que me orienta e diz para onde eu devo ir.
A todos vocês, leitores, anônimos mas queridos, por desperdiçarem alguns minutos de seus dias para vir aqui dar atenção às palavras de um cara que escreve por prazer e por não conseguir parar de fazer isso...
Agradeço a todos vocês, e a outros mais, que eu talvez tenha esquecido, e reforço aqui o que é óbvio: sem vocês, esse blog não seria nada. Vocês são tão parte dele quanto eu ou a linguagem de programação que o compõe.
Por fim, só resta cantar os parabéns e desejar ainda muitos anos de vida para esse lugarzinho virtual aqui. Mais uma vez, então, agradeço. Obrigado senhores, obrigado, gentis senhores, obrigado.
Obrigado.
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Um ano atrás, no dia 13 de Dezembro de 2008, terminava um ano letivo. Pela última vez na vida, eu havia estado como aluno em uma escola na qual estudara por nove anos. Para aproveitar as férias que começavam, o impulso natural de escrever e a ocasião-chave de mudança, criei um blog.
Antes dele, havia tido dois lugares parecidos onde publicava o que escrevia. O primeiro, um blog do MSN Spaces, teve vida curta: dois ou três posts, um nome complicado, e então o esquecimento. O segundo, um fotolog, bem, do Fotolog, era mais um blog do que outra coisa, na verdade, mas acabou morrendo, também, devido à insistência dos meus leitores em não comentarem o que eu escrevia.
Nesse cenário, portanto, surgia mais uma tentativa minha de ter um espaço na rede para divulgar meus escritos. Pensei durante algum tempo, e resolvi nomeá-lo com o mesmo título que criara para um proto-romance que estava (ainda estou) escrevendo, um amálgama de Amor, Morte e (Re)nascimento: Amortescimento.
O resto, perdoem-me a expressão, é história. Como bom iniciante, fui aprendendo aos poucos. No começo, ainda achava muito importante os comentários diretos das pessoas nos posts, e a falta deles (em grande parte) acabou arrefecendo a obstinação com que eu escrevia para o blog.
Depois, porém, compreendi que nem sempre as pessoas têm o que comentar, e que somente a visita, a leitura, aquele momento de intimidade entre o leitor e o escritor, já valia todo o esforço. Por isso, comecei a tratar o blog de forma mais natural, como uma obra que eu vou compondo aos poucos e os visitantes vão, por sua vez, apreciando ao seu modo.
Ainda assim, houve momentos em que as coisas desaceleraram, e muito. As férias acabaram, as idéias minguaram, o blog se tornou uma presença inconstante. O tempo, porém, tratou de resolver todos esses problemas.
Se, no início do blog, eu pretendia escrever sobre temas mais variados, Grandes e Pequenos temas da Humanidade (pomposo, não?), depois acabei notando que meus posts se direcionavam, na verdade, para a área em que se situam meus interesses e paixões. Desse modo, Cinema e Literatura, além de contos e novelas por mim produzidos, acabaram por dominar o território virtual do Amortescimento.
Com isso, só faltava uma coisa: constância. E em setembro, ela veio. Se antes os posts apareciam à medida que eu os escrevia, sem uma ordem clara identificável pelos leitores, a partir daquele mês os temas teriam dia certo para aparecer. Além disso, a partir do centésimo post, comecei a postar todos os dias úteis, sagradamente.
Devido a isso, creio, além da propaganda positiva feita por pessoas às quais tenho de agradecer (abaixo...), o volume de visitas aumentou consideravelmente. Hoje, o blog já tem mais de 15 mil page views, mais de 11 mil visitantes, e uma média diária de 120 a 130 leitores. Números razoáveis para um blog de pequeno porte, como este.
Hoje, um ano depois daquele fim de ano letivo, um ano depois daquele início de algo que é pra mim tão importante, só tenho que comemorar e agradecer. Falar sobre cinema e literatura? Pff, diversão. Escrever? Pff, diversão. Receber o carinho e o feedback dos leitores e comentaristas? Puro contentamento, satisfação, sentimento de dever cumprido.
Por isso, vou fugir um pouco agora do que é comum nesse blog. Nunca fiz desse espaço um diário ou espaço para falar sobre a minha vida. Preferia falar sobre a Arte, o Mundo, enfim, coisas mais interessantes. Agora, porém, sinto ser necessário falar um pouco de mim, o Tuma, o Thomaz Amâncio, mas para falar na verdade de outras pessoas, que foram muito importantes para esse blog se tornar o que é.
Permitam-me, então, um desvio mais pessoal.
Eu gostaria de agradecer:
A Deus, que concede, inspira, engloba e é todas essas coisas, o que está abaixo e o que está acima.
À minha família que, embora não seja freqüentadora desse blog, é a minha base e o meu sustento, a terra fértil e a água boa, e portanto também base, sustento, terra fértil e água boa do blog.
Ao Rafa, meu primo (e compadre, e irmão, e blogueiro), que tanto me influenciou, tanto me orientou, tanto me ajudou. O fato de ele ter feito os banners do blog é só um detalhe, perto de todo o resto, inclassificável, que envolve seus conselhos, seu caráter, sua presença.
À Tati, mestra e amiga (e também blogueira), por ter me instigado, me encorajado a seguir em frente, me inspirado a querer ser mais. E por ter feito propaganda do blog, que também não é algo de se jogar fora...
Aos blogueiros que são para mim uma referência, Alottoni e Azhagâl, Alexandre Inagaki, Alex Castro, Chico Fireman, Gravataí Merengue, Idelber Avelar, Nelson Moraes... a lista segue.
Aos grandes artistas, escritores e cineastas, que produziram a matéria prima a partir da qual esse blog foi construído, e ajudam a tornar a vida das pessoas sempre um pouco mais completa.
Aos leitores e comentaristas mais assíduos, Rodrigo Ciampi (que virou colunista intermitente, além de divulgador do blog), Lê, Pudim, Drica, Elienai Araújo... além dos que me incentivaram no começo, Ana, Fran, Tiago... vocês são o meu norte, a bússola que me orienta e diz para onde eu devo ir.
A todos vocês, leitores, anônimos mas queridos, por desperdiçarem alguns minutos de seus dias para vir aqui dar atenção às palavras de um cara que escreve por prazer e por não conseguir parar de fazer isso...
Agradeço a todos vocês, e a outros mais, que eu talvez tenha esquecido, e reforço aqui o que é óbvio: sem vocês, esse blog não seria nada. Vocês são tão parte dele quanto eu ou a linguagem de programação que o compõe.
Por fim, só resta cantar os parabéns e desejar ainda muitos anos de vida para esse lugarzinho virtual aqui. Mais uma vez, então, agradeço. Obrigado senhores, obrigado, gentis senhores, obrigado.
Obrigado.
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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Citação de Sexta: A vida é uma ópera...
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Pílulas Cinematográficas, Edição 10: Especial Charlie Chaplin
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Ao lado de Buster “Cara de Pedra” Keaton, Charlie Chaplin foi o grande ícone das comédias do cinema mudo. Chaplin, porém, tornou-se muito mais famoso e reconhecido que o colega. Talvez seja por causa de Carlitos, o vagabundo mais querido do planeta, figura reconhecida por virtualmente qualquer ser humano (do ocidente, ao menos), mas creio que o maior motivo seja justamente a grande marca registrada de Chaplin: a graça. Não a graça do riso, que Keaton também sabia provocar muito bem, mas a graça da leveza, a graça de ser ao mesmo tempo triste pra caramba e engraçadíssimo/feliz demais, uma mistura adorável e simplesmente irresistível. De fato, para Charlie, a única maneira de superar o “sistema”, qualquer que seja ele, não é substituí-lo por outro sistema, e sim enfrentá-lo com um riso no rosto e paz no espírito, algo que ele expressava divinamente em seus filmes. Humor e humanidade: marcas registradas desse gênio que escrevia, dirigia, atuava, compunha, e ainda jogava xadrez e dançava balé, um homem que não pode ser esquecido.
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Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925): Carlitos aparece mais uma vez em um filme bastante alegre e engraçado, com um final feliz e cheio de cenas clássicas. A dança dos pãezinhos, o banquete de sapato, a alucinação do frango... ao mesmo tempo em que são terrivelmente engraçadas, essas cenas evidenciam o tema principal do longa: a miséria de uns em contraste com a ganância de outros. Duas versões foram lançadas: a primeira, de 1925, muda. A segunda, de 1942, reeditada e com trilha sonora.
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O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940) : Contra a tirania e a favor da vida, Chaplin fez um filme visionário e ousado. Parodiando o nazismo e o fascismo numa época em que eles ainda não eram impopulares (havia simpatizantes mesmo em Hollywood), Charlie criou mais uma obra essencial e inesquecível. A cena em que o ditador dança com o globo terrestre é uma das mais tocantes que eu já vi no cinema, e o discurso final de Chaplin, nesse que foi o primeiro filme falado do diretor, simplesmente saltou da tela para a História, palavras antológicas e cada vez mais necessárias a medida que passa o tempo e muito do que ele acusou se torna cada vez mais presente.
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O Garoto (The Kid, 1921): O “filme com um sorriso, e talvez uma lágrima”, O Garoto sintetiza a carreira e o modo de fazer filmes de Chaplin: um grande tino para a comédia aliado a uma profunda sensibilidade para o ser humano. Entretanto, apesar das antológicas cenas engraçadas, esse é talvez o filme mais triste de Chaplin. O filho recém-nascido do gênio morreu no início das filmagens, e isso afetou o tom do filme, que acabou cheio de cenas de uma beleza que dói. Jackie Coogan, o garoto, tornou-se a primeira celebridade juvenil do mundo, embora não tenha feito uma grande carreira após esse filme. Como o próprio Chaplin disse, ao receber seu Oscar honorário (e ser ovacionado por vários minutos), palavras são fúteis para descrever, então vejam O Garoto, e entendam do que eu estou falando.
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Tempos Modernos (Modern Times, 1936): Filme de transição na carreira de Chaplin, meio mudo/meio falado, e também o último filme de Carlitos. Dez anos depois do advento do cinema falado, Chaplin ainda resistia, e faz um filme em que o som aparece somente em rádios, máquinas, efeitos sonoros e canções: Carlitos resiste bravamente, permanecendo mudo e enfrentando a modernidade com obstinação. A única vez em que ouvimos sua voz, vejam só, é quando ele canta uma música totalmente non-sense em um restaurante, situação em que o importa de fato, afinal, são seus gestos. Embora retrate uma luta de indivíduos contra uma espécie de sistema opressor, Chaplin insiste ainda assim em sua máxima, com a canção tema que se tornou clássica, Smile: “Smile though your heart is aching/ Smile even though its breaking”. Ouçamos seu conselho.
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Ao lado de Buster “Cara de Pedra” Keaton, Charlie Chaplin foi o grande ícone das comédias do cinema mudo. Chaplin, porém, tornou-se muito mais famoso e reconhecido que o colega. Talvez seja por causa de Carlitos, o vagabundo mais querido do planeta, figura reconhecida por virtualmente qualquer ser humano (do ocidente, ao menos), mas creio que o maior motivo seja justamente a grande marca registrada de Chaplin: a graça. Não a graça do riso, que Keaton também sabia provocar muito bem, mas a graça da leveza, a graça de ser ao mesmo tempo triste pra caramba e engraçadíssimo/feliz demais, uma mistura adorável e simplesmente irresistível. De fato, para Charlie, a única maneira de superar o “sistema”, qualquer que seja ele, não é substituí-lo por outro sistema, e sim enfrentá-lo com um riso no rosto e paz no espírito, algo que ele expressava divinamente em seus filmes. Humor e humanidade: marcas registradas desse gênio que escrevia, dirigia, atuava, compunha, e ainda jogava xadrez e dançava balé, um homem que não pode ser esquecido.
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Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925): Carlitos aparece mais uma vez em um filme bastante alegre e engraçado, com um final feliz e cheio de cenas clássicas. A dança dos pãezinhos, o banquete de sapato, a alucinação do frango... ao mesmo tempo em que são terrivelmente engraçadas, essas cenas evidenciam o tema principal do longa: a miséria de uns em contraste com a ganância de outros. Duas versões foram lançadas: a primeira, de 1925, muda. A segunda, de 1942, reeditada e com trilha sonora.
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O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940) : Contra a tirania e a favor da vida, Chaplin fez um filme visionário e ousado. Parodiando o nazismo e o fascismo numa época em que eles ainda não eram impopulares (havia simpatizantes mesmo em Hollywood), Charlie criou mais uma obra essencial e inesquecível. A cena em que o ditador dança com o globo terrestre é uma das mais tocantes que eu já vi no cinema, e o discurso final de Chaplin, nesse que foi o primeiro filme falado do diretor, simplesmente saltou da tela para a História, palavras antológicas e cada vez mais necessárias a medida que passa o tempo e muito do que ele acusou se torna cada vez mais presente.
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O Garoto (The Kid, 1921): O “filme com um sorriso, e talvez uma lágrima”, O Garoto sintetiza a carreira e o modo de fazer filmes de Chaplin: um grande tino para a comédia aliado a uma profunda sensibilidade para o ser humano. Entretanto, apesar das antológicas cenas engraçadas, esse é talvez o filme mais triste de Chaplin. O filho recém-nascido do gênio morreu no início das filmagens, e isso afetou o tom do filme, que acabou cheio de cenas de uma beleza que dói. Jackie Coogan, o garoto, tornou-se a primeira celebridade juvenil do mundo, embora não tenha feito uma grande carreira após esse filme. Como o próprio Chaplin disse, ao receber seu Oscar honorário (e ser ovacionado por vários minutos), palavras são fúteis para descrever, então vejam O Garoto, e entendam do que eu estou falando.
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Tempos Modernos (Modern Times, 1936): Filme de transição na carreira de Chaplin, meio mudo/meio falado, e também o último filme de Carlitos. Dez anos depois do advento do cinema falado, Chaplin ainda resistia, e faz um filme em que o som aparece somente em rádios, máquinas, efeitos sonoros e canções: Carlitos resiste bravamente, permanecendo mudo e enfrentando a modernidade com obstinação. A única vez em que ouvimos sua voz, vejam só, é quando ele canta uma música totalmente non-sense em um restaurante, situação em que o importa de fato, afinal, são seus gestos. Embora retrate uma luta de indivíduos contra uma espécie de sistema opressor, Chaplin insiste ainda assim em sua máxima, com a canção tema que se tornou clássica, Smile: “Smile though your heart is aching/ Smile even though its breaking”. Ouçamos seu conselho.
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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
A Roda #6 - Adeus Ano Velho
por Lobato Légio
Vão-se os anos: as lembranças ficam. Ao menos por enquanto. Hoje, nesse décimo dia de dezembro desse ano de doismileoito, escrevo pela última vez no diário-de-rede Amortescimento. Eu, o Lobato Légio de doismileoito, o Lobato Légio com essa contagem de anos, não voltará a escrever aqui. Só quem vocês poderão ouvir, a partir do decimoquarto dia de doismilenove, será o novo Lobato Légio, o Lobato Légio do anoquevem, um outro.
Esse de agora, porém, tem ainda algo que dizer. O doimileoito que se arrasta para o não-mais-ser foi um ano pleno de mudanças para os dedos que tanto anunciam: no princípio um kaos, então kalmaria, e por meios movimento (posto que não chegou ainda o Fim), como cabe aos mitos de todas as línguas.
O primeiro dos dias de Janus perdeu-me numa distensão em que o passado e o futuro, afrente e atrás, eram concomitantemente assimilados pela minha consciência. Por “assimilados” e “consciência”, porém, digo somente que tais coisas caíam sem aviso no mar-revolto que meus pensamentos se haviam tornado.
Por todos os primeiros meses, tal continuou acontecendo. Numa imagem que pode facilitar a apreensão do que eu sentia: sendo minha cabeça uma imensa biblioteca, era como se todas as prateleiras houvessem sido viradas e os livros assim idos ao chão, misturando-se em princípio, confundindo-se depois e ao cabo queimando como uma Alexandria assaz pessoal e singular.
Uma garoa fina, todavia, soprada talvez pelos deuses beneméritos, veio sobre mim aplacar as chamas e esfriar os destroços. Após o que resolvi abandonar todos os meus projetos e haveres e mudar-me para uma solitária cabana no campo. Ali pelos vários dos meses morei, até que um velho da aldeia indicou ao Tuma dono deste local virtual o caminho até minha cabana, e o moço solene veio até mim.
Da maneira que já tratei, o rapaz convidou-me para escrever em seu diário-de-rede, com donaires de grande intento, convite do qual declinei gentilmente. As Moiras, porém, nos enredam de maneiras que mal concebemos, e por motivos os quais não é de meu interesse comentar vim morar aqui em terra brasilis, Pindorama para os íntimos.
A isto, seguiu-se que achei por bem aceitar o convite de Tuma, e passei a escrever “aqui” no Amortescimento a cada duas semanas (constância que se manteve, salvo uma única exceção). Conquanto não tenha, é fato, tratado ainda diretamente de temas mais específicos, já vi publicadas aqui três descrições geoandrográficas das terras (em) que sou, e recebi com alegria os comentários feitos a respeito de meus escritos.
A hora, porém, é de melancolia. Estive com vocês, meus leitores, por durante seis longos séquitos letrados, mas doismileoito não lerá mais minhas palavras. O que vem agora, portanto, é despedida, um único “Adeus”, lacônico e franco, para os que com coragem me acompanharam.
Minha personalidade semovente, pois, há-de estar em um outro lugar que não o de-hoje aqui, quando Lobato Légio voltar a escrever. Ter(ei/emos/ão) dado mais um passo em direção ao Fim, conquanto não (me/nos/lhes) será dada a chance de chegar até o momento último, quando A Roda parar de girar a contagem dos anos voltar a zero e todos os atos lembranças palavras sentidos se desfizerem em brancura.
Assim, com imensa tristeza mas esperançoso de uma outravez nos encontrarmos, digo o que é preciso dizer:
Adeus.
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terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Sonhos
O cinema e o sonho, cedo ou tarde, acabam se encontrando. Os maiores cineastas de todos os tempos foram justamente aqueles que, longe de buscar um hiper-realismo, um naturalismo ou qualquer corrente do gênero (que têm seu valor, claro), souberam caminhar no terreno onírico sobre o qual o cinema se constrói. Buñuel, Fellini, Bergman, Tarkovsky... e Kurosawa, os cinco monstros sagrados do cinema, compartilham essa característica de explorar o misterioso, o insondável, de unir o sublime ao grotesco, o engraçado ao trágico, de fugir do gênero e abraçar a humanidade.
Neste Sonhos, um de seus últimos filmes, Kurosawa literalmente filma pequenas histórias de sonhos. São oito episódios, cada um representando um sonho que o cineasta “teve um dia.” Eles apresentam, porém, uma certa unidade, uma progressão que, pode-se dizer, vai do passado mítico do Japão até seu fim pós-apocalíptico. Essa continuidade de idéias, entretanto, acaba prejudicando um pouco o tom onírico do filme. Vejamos.
O primeiro episódio é também o melhor. Num dia de sol e chuva, um garoto de sai de casa e vai até a floresta, onde presencia o casamento de duas raposas, o que é algo proibido. Assim, sua mãe o impede de entrar em casa quando ele retorna, e ele é obrigado a ir além do arco-íris, onde esses seres moram, para pedir o perdão deles. O desfecho dessa história não é mostrado, reforçando o clima de sonho proposto por Kurosawa, visto que nossos sonhos frequentemente terminam de repente, sem que a “historinha” que neles acompanhamos tenha chegado ao fim.
O segundo episódio continua no Japão antigo: um garoto, ao perseguir uma menina que avistara, acaba chegando até o local onde os pessegueiros de sua família ficavam, antes de serem cortados por seu pai. O garoto, então, vê os espíritos das bonecas de sua irmã, que o repreendem por cortar os pessegueiros. Ao perceberem, contudo, o quanto o garoto amava as flores e as árvores, dão a ele uma última chance de contemplá-las por meio de uma bela dança. Já aqui, temos o prenúncio do tema principal do filme, a defesa da natureza, que será revisto mais a frente.
Os três episódios seguintes destoam um pouco da progressão do filme (antiguidade/natureza até futuro/desolação), mas se encaixam perfeitamente bem no tema geral. O primeiro deles, longo e silencioso, mostra um grupo de alpinistas tentando resistir a uma tempestade de neve e escapar de uma mulher (possivelmente um espírito do mal) que os tenta levar para a morte. O segundo, também climático e sombrio, acompanha um soldado que, voltando da guerra, encontra os fantasmas de um amigo e de outros soldados de seu batalhão. O amigo então, lamenta que não pôde voltar para casa, e o soldado tem de convencê-lo que ele está morto. O terceiro, finalmente, é uma viagem do alterego de Kurosawa (de camiseta, calça e chapeuzinho, que aparecerá em todos os sonhos a partir desse) pelos quadros de Vincent Van Gogh, com a participação especial de Martin Scorsese como o pintor.
Depois desses, voltamos à seqüência negativa do filme, com os dois últimos pesadelos (o primeiro fora o dos soldados). Ambos os pesadelos estão interligados, mas constituem dois sonhos diferentes. No primeiro, usinas nucleares em Tóquio explodem e começam a vazar, o que causa o pânico e o desespero, levando até mesmo um dos cientistas que trabalhavam lá ao suicídio. No segundo, o alterego de Kurosawa caminha por um mundo pós-apocalíptico, onde seres deformados são obrigados a comer a carne uns dos outros e urram de dor durante a noite devido a suas deformações.
Com isso, chegamos ao último episódio do filme. Mas antes, recapitulemos: nos dois primeiros, Kurosawa passeia pelo Japão Antigo e por suas lendas. Os protagonistas, não por acaso, são crianças, que um pouco por ingenuidade desafiam a natureza, mas recebem a chance de se redimir. No terceiro, mais uma vez, a natureza é desafiada, mas dessa vez vencida, pois os alpinistas (adultos) conseguem alcançar o acampamento. O quarto e o quinto, por sua vez, formam um dístico, em que o pior e o melhor do ser humano é mostrado, respectivamente a Guerra e a Arte. No sexto e no sétimo, a “natureza” ataca de volta, mas o que ataca na verdade é o que nós fizemos dela, ou seja: a energia nuclear e as mutações por ela causadas.
No oitavo, finalmente, há o discurso que unifica tudo isso, e justamente por esse motivo enfraquece a proposta do filme. Isso porque os sonhos não têm ideologia, não têm discurso. Eles são painéis de imagens que podem até passar uma idéia, mas nunca por meio do discurso. Nesse episódio, porém, encontramos o alterego de Kurosawa, no presente, chegando até uma aldeia onde se vive como antigamente. Lá, ele encontra um ancião, que fala longamente sobre como seu povo abandonou a tecnologia moderna e optou por uma vida mais simples e limpa, sobre como eles escolheram a saúde espiritual ao invés da conveniência. Pois é: quase vinte anos atrás, Kurosawa já defendia o meio-ambiente e lutava contra a alienação do mais conveniente.
Depois disso, o ancião toma parte no velório de uma mulher muito velha, antiga amante sua, que é na verdade uma festa, visto que ela teve uma vida muito boa, longa e completa. Assim, Kurosawa mostra também como a vida é valiosa, e deve ser festejada, tanto no começo como no fim.
De modo geral, pois, Sonhos é um bom filme. Tem esse pequeno desvio entre a proposta e a execução, mas também possui diversos momentos extremamente belos e poéticos, além de outros perturbadores e que dão um pouco de medo. Ora, sendo um gênio, Kurosawa não tinha nada menos a oferecer. Nos convidou a sonhar, e, agora que já acordamos, deixa ali bem fixo na nossa cabeça que o que foi dito nos sonhos pode ser muito valioso para os períodos de vigília.
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Neste Sonhos, um de seus últimos filmes, Kurosawa literalmente filma pequenas histórias de sonhos. São oito episódios, cada um representando um sonho que o cineasta “teve um dia.” Eles apresentam, porém, uma certa unidade, uma progressão que, pode-se dizer, vai do passado mítico do Japão até seu fim pós-apocalíptico. Essa continuidade de idéias, entretanto, acaba prejudicando um pouco o tom onírico do filme. Vejamos.
O primeiro episódio é também o melhor. Num dia de sol e chuva, um garoto de sai de casa e vai até a floresta, onde presencia o casamento de duas raposas, o que é algo proibido. Assim, sua mãe o impede de entrar em casa quando ele retorna, e ele é obrigado a ir além do arco-íris, onde esses seres moram, para pedir o perdão deles. O desfecho dessa história não é mostrado, reforçando o clima de sonho proposto por Kurosawa, visto que nossos sonhos frequentemente terminam de repente, sem que a “historinha” que neles acompanhamos tenha chegado ao fim.
O segundo episódio continua no Japão antigo: um garoto, ao perseguir uma menina que avistara, acaba chegando até o local onde os pessegueiros de sua família ficavam, antes de serem cortados por seu pai. O garoto, então, vê os espíritos das bonecas de sua irmã, que o repreendem por cortar os pessegueiros. Ao perceberem, contudo, o quanto o garoto amava as flores e as árvores, dão a ele uma última chance de contemplá-las por meio de uma bela dança. Já aqui, temos o prenúncio do tema principal do filme, a defesa da natureza, que será revisto mais a frente.
Os três episódios seguintes destoam um pouco da progressão do filme (antiguidade/natureza até futuro/desolação), mas se encaixam perfeitamente bem no tema geral. O primeiro deles, longo e silencioso, mostra um grupo de alpinistas tentando resistir a uma tempestade de neve e escapar de uma mulher (possivelmente um espírito do mal) que os tenta levar para a morte. O segundo, também climático e sombrio, acompanha um soldado que, voltando da guerra, encontra os fantasmas de um amigo e de outros soldados de seu batalhão. O amigo então, lamenta que não pôde voltar para casa, e o soldado tem de convencê-lo que ele está morto. O terceiro, finalmente, é uma viagem do alterego de Kurosawa (de camiseta, calça e chapeuzinho, que aparecerá em todos os sonhos a partir desse) pelos quadros de Vincent Van Gogh, com a participação especial de Martin Scorsese como o pintor.
Depois desses, voltamos à seqüência negativa do filme, com os dois últimos pesadelos (o primeiro fora o dos soldados). Ambos os pesadelos estão interligados, mas constituem dois sonhos diferentes. No primeiro, usinas nucleares em Tóquio explodem e começam a vazar, o que causa o pânico e o desespero, levando até mesmo um dos cientistas que trabalhavam lá ao suicídio. No segundo, o alterego de Kurosawa caminha por um mundo pós-apocalíptico, onde seres deformados são obrigados a comer a carne uns dos outros e urram de dor durante a noite devido a suas deformações.
Com isso, chegamos ao último episódio do filme. Mas antes, recapitulemos: nos dois primeiros, Kurosawa passeia pelo Japão Antigo e por suas lendas. Os protagonistas, não por acaso, são crianças, que um pouco por ingenuidade desafiam a natureza, mas recebem a chance de se redimir. No terceiro, mais uma vez, a natureza é desafiada, mas dessa vez vencida, pois os alpinistas (adultos) conseguem alcançar o acampamento. O quarto e o quinto, por sua vez, formam um dístico, em que o pior e o melhor do ser humano é mostrado, respectivamente a Guerra e a Arte. No sexto e no sétimo, a “natureza” ataca de volta, mas o que ataca na verdade é o que nós fizemos dela, ou seja: a energia nuclear e as mutações por ela causadas.
No oitavo, finalmente, há o discurso que unifica tudo isso, e justamente por esse motivo enfraquece a proposta do filme. Isso porque os sonhos não têm ideologia, não têm discurso. Eles são painéis de imagens que podem até passar uma idéia, mas nunca por meio do discurso. Nesse episódio, porém, encontramos o alterego de Kurosawa, no presente, chegando até uma aldeia onde se vive como antigamente. Lá, ele encontra um ancião, que fala longamente sobre como seu povo abandonou a tecnologia moderna e optou por uma vida mais simples e limpa, sobre como eles escolheram a saúde espiritual ao invés da conveniência. Pois é: quase vinte anos atrás, Kurosawa já defendia o meio-ambiente e lutava contra a alienação do mais conveniente.
Depois disso, o ancião toma parte no velório de uma mulher muito velha, antiga amante sua, que é na verdade uma festa, visto que ela teve uma vida muito boa, longa e completa. Assim, Kurosawa mostra também como a vida é valiosa, e deve ser festejada, tanto no começo como no fim.
De modo geral, pois, Sonhos é um bom filme. Tem esse pequeno desvio entre a proposta e a execução, mas também possui diversos momentos extremamente belos e poéticos, além de outros perturbadores e que dão um pouco de medo. Ora, sendo um gênio, Kurosawa não tinha nada menos a oferecer. Nos convidou a sonhar, e, agora que já acordamos, deixa ali bem fixo na nossa cabeça que o que foi dito nos sonhos pode ser muito valioso para os períodos de vigília.
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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 5 (de 5)
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Para terminar essa série com grandes inícios de livros (meus preferidos), um tesouro nacional. Aproveitando que comemoramos esse ano o centenário do grande Machado de Assis, que este está sendo constantemente lembrado e que amanhã, 9 de Dezembro, estréia a minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, baseada no ilustre Dom Casmurro, o último (ao menos por enquanto) grande início de livro é também o grande início da carreira de romancista genial de Machado.
Embora já tivesse escrito outros romances, eram todos românticos e, no contexto de sua obra, menores. Foi somente com Memórias Póstumas de Brás Cubas que Joaquim Maria alcançou o tom e o estilo que o consagrariam: realista, irônico, metalingüístico, digressivo. Desde o início, o romance já mostra a que veio: é um livro de memórias, mas contado do além-túmulo, e ainda se dá ao luxo de fazer comparações sobre "si próprio" num tom adoravelmente casual.
Para quem acha que o Brasil não foi a pátria de nenhum grande gênio, indispensável.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.”
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Para ver o resto do Top, clique aqui.
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Para terminar essa série com grandes inícios de livros (meus preferidos), um tesouro nacional. Aproveitando que comemoramos esse ano o centenário do grande Machado de Assis, que este está sendo constantemente lembrado e que amanhã, 9 de Dezembro, estréia a minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, baseada no ilustre Dom Casmurro, o último (ao menos por enquanto) grande início de livro é também o grande início da carreira de romancista genial de Machado.
Embora já tivesse escrito outros romances, eram todos românticos e, no contexto de sua obra, menores. Foi somente com Memórias Póstumas de Brás Cubas que Joaquim Maria alcançou o tom e o estilo que o consagrariam: realista, irônico, metalingüístico, digressivo. Desde o início, o romance já mostra a que veio: é um livro de memórias, mas contado do além-túmulo, e ainda se dá ao luxo de fazer comparações sobre "si próprio" num tom adoravelmente casual.
Para quem acha que o Brasil não foi a pátria de nenhum grande gênio, indispensável.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.”
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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Citação de Sexta: Amanhã, e amanhã e amanhã
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Pulp Fiction
A obra prima de um gênio pop. Assim eu defino este filme de Quentin Tarantino, segundo de uma série de longas explosivos que deixaram a marca do cineasta na história do cinema. Tarantino, como diretor e roteirista, introduziu no cinema um aspecto autoral bizarro, composto de uma colagem de referências culturais populares. Assim, tornou-se diferente tanto dos cineastas autorais, que carregam um sentimento de mundo próprio – pois o dele é composto por fragmentos dos filmes e séries a que assistia quando trabalhava como balconista de uma locadora – quanto dos de estúdio – pois sua visão é única e particular.
Em Pulp Fiction, Tarantino não chegara ainda à viagem estilística e referencial de Kill Bill, mas já botava as manguinhas de fora para contar uma história extremamente original e divertida. Pulp Fiction é composto de, basicamente, duas linhas narrativas. Uma envolve os capangas do gângster Marsellus Wallace, Jules Winnfield e Vincent Vega, brilhantemente interpretados por Samuel L. Jackson e John Travolta, respectivamente, em atuações que fizeram explodir a carreira do primeiro e renovaram a do segundo. A outra acompanha Butch Coolidge, vivido muito bem por Bruce Willis, um boxeador mediano que recebe de Wallace uma grana para perder uma luta (e assim dar muito dinheiro para quem apostasse na vitória do outro boxeador).
Essas histórias, porém, possuem diversas ramificações (especialmente a primeira), e são contadas de uma maneira absolutamente não-linear e fragmentada, indo e voltando no tempo sem ficar confuso nem tampouco didático. O filme trata-se de histórias acontecendo, pequenos acontecimentos fechados que, contudo, se interligam. O estilo narrativo foi inspirado, como diz o título, nas revistas pulp dos anos 20-50, impressas em papel barato (de “polpa”) e que continham histórias tão baratas quanto, contos de fantasia, ficção-científica, terror e policiais, entre outros, que acabaram revelando diversos autores famosos.
Essa inspiração fica clara no tom “neo-noir” da história, povoada sobretudo por mafiosos e as pessoas ao seu redor. Esses mafiosos, porém, são retratados de uma maneira originalíssima, o que nos leva a um dos principais destaques do filme: os diálogos. Magnificamente escritos por Tarantino, eles tratam quase sempre de coisas completamente alheias ao que está acontecendo na história. Entre um crime e outro, os gângsteres não conversam sobre os planos que irão seguir, ou sobre quando vão usar drogas, mas sim sobre a influência do sistema métrico na nomenclatura dos lanches do McDonald’s, massagens no pé e séries de TV canceladas. Desse modo, Tarantino os transforma em gente completamente comum, cujo único diferencial dos outros mortais é ter um emprego criminoso.
Assim, Pulp Fiction não revela nenhuma verdade metafísica ou algum aspecto sombrio da personalidade humana, nem tampouco algum lado alegre e admirável. Mas constrói histórias divertidíssimas e envolventes sobre seres humanos, num filme preciso e impecável, colorido e sangrento, violento e engraçado. Do jeito que Tarantino gosta.
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Em Pulp Fiction, Tarantino não chegara ainda à viagem estilística e referencial de Kill Bill, mas já botava as manguinhas de fora para contar uma história extremamente original e divertida. Pulp Fiction é composto de, basicamente, duas linhas narrativas. Uma envolve os capangas do gângster Marsellus Wallace, Jules Winnfield e Vincent Vega, brilhantemente interpretados por Samuel L. Jackson e John Travolta, respectivamente, em atuações que fizeram explodir a carreira do primeiro e renovaram a do segundo. A outra acompanha Butch Coolidge, vivido muito bem por Bruce Willis, um boxeador mediano que recebe de Wallace uma grana para perder uma luta (e assim dar muito dinheiro para quem apostasse na vitória do outro boxeador).
Essas histórias, porém, possuem diversas ramificações (especialmente a primeira), e são contadas de uma maneira absolutamente não-linear e fragmentada, indo e voltando no tempo sem ficar confuso nem tampouco didático. O filme trata-se de histórias acontecendo, pequenos acontecimentos fechados que, contudo, se interligam. O estilo narrativo foi inspirado, como diz o título, nas revistas pulp dos anos 20-50, impressas em papel barato (de “polpa”) e que continham histórias tão baratas quanto, contos de fantasia, ficção-científica, terror e policiais, entre outros, que acabaram revelando diversos autores famosos.
Essa inspiração fica clara no tom “neo-noir” da história, povoada sobretudo por mafiosos e as pessoas ao seu redor. Esses mafiosos, porém, são retratados de uma maneira originalíssima, o que nos leva a um dos principais destaques do filme: os diálogos. Magnificamente escritos por Tarantino, eles tratam quase sempre de coisas completamente alheias ao que está acontecendo na história. Entre um crime e outro, os gângsteres não conversam sobre os planos que irão seguir, ou sobre quando vão usar drogas, mas sim sobre a influência do sistema métrico na nomenclatura dos lanches do McDonald’s, massagens no pé e séries de TV canceladas. Desse modo, Tarantino os transforma em gente completamente comum, cujo único diferencial dos outros mortais é ter um emprego criminoso.
Assim, Pulp Fiction não revela nenhuma verdade metafísica ou algum aspecto sombrio da personalidade humana, nem tampouco algum lado alegre e admirável. Mas constrói histórias divertidíssimas e envolventes sobre seres humanos, num filme preciso e impecável, colorido e sangrento, violento e engraçado. Do jeito que Tarantino gosta.
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quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
Leituras: Novembro de 2008
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Um só vê absurdo e vazio na existência. O outro enxerga e acredita numa transcendência possível e no lado místico das coisas. Um escreve de forma direta, seca, um estilo que não dá margens para a dúvida: a vida é assim mesmo. O outro possui um estilo poético, enfeita, deixa as palavras fluírem. Ambos estão entre os grandes escritores do século XX. Albert Camus e João Guimarães Rosa, autores de O Estrangeiro e Primeiras Estórias, têm pontos de vista bastante diferentes sobre a realidade. Isso não significa, porém, que um deles esteja errado. Afinal, o contrário de uma Grande Verdade, já nos dizia Niehls Bohr, também é verdadeiro.
O Estrangeiro, de Albert Camus: Livro aberto a muitas interpretações, esse de Camus. O filósofo existencialista escreveu vários livros, que são geralmente tratados como alegorias para o estado das coisas naquele nosso século XX. Sou da opinião de que em livros do tipo do Estrangeiro as coisas parecem sempre muito piores e mais sombrias do que são, mas isso não tira o valor delas, nem tampouco impede que elas estejam exprimindo uma verdade válida. Encarei O Estrangeiro, em princípio, como o julgamento de um criminoso pelos motivos errados. Mersault matou um homem sem motivo nenhum, isso é fato. Mas acabou sendo julgado (pela sociedade, pelo sistema...) por não ser hipócrita, por ser pragmático, por não ter chorado no enterro da mãe simplesmente porque não via motivos para isso. Ele é culpado, sim, mas seus pares o acusam de crimes inexistentes. O retrato de Mersault é o de um homem sem-motivo, o de todo homem (ou mulher, ser humano enfim), que vive apoiado em valores alheios, para manter as aparências, mas a partir do momento em que todos fazem isso, é bem óbvio constatar que simplesmente não existem mais valores, de nenhum tipo, e todas essas pessoas estão apoiadas em um arcabouço ilusório chamado, ta-da!, civilização.
Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa: O maior escritor brasileiro do século XX (talvez de sempre), após alcançar um nível sublime com os contos longos em Sagarana, as novelas em Corpo de Baile e o romance em Grande Sertão: Veredas, resolveu aplicar sua arte nas estórias, os contos curtos que povoaram boa parte de sua obra posterior. O cenário, como sempre, é o sertão. Não necessariamente um sertão localizado no tempo e no espaço, embora às vezes aconteça, mas um sertão mítico, como aprazia à Rosa. Os gêneros de cada conto são diversos, mas eles estão de certa forma emoldurados. O livro é composto por 21 contos, e o 11º, ou seja, o do meio, chama-se O espelho. O primeiro e o último contos, As Margens da Alegria e Os Cimos, apresentam os mesmos personagens no mesmo espaço. Assim, é possível identificar recorrências de temas, e suas variações. Tanto em Famigerado quanto em Fatalidade, por exemplo, um homem típico do sertão vem até a casa de algum doutor, professor, alguém ilustre, “civilizado”, “da cidade”, para pedir ajuda. No primeiro caso, porém, é um bandido que tem sua sede de sangue por alguém que poderia tê-lo ofendido apaziguada , enquanto no segundo é um pobre diabo sem violência que vem pedir ajuda a um homem da lei contra um valentão, que acaba morto pelos dois. Desse modo, Rosa vai nos apresentando a violência, o misticismo, o trivial, o psicológico, o engraçado do sertão e suas gentes. E nos ensina a olhar para o mundo e ver.
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Um só vê absurdo e vazio na existência. O outro enxerga e acredita numa transcendência possível e no lado místico das coisas. Um escreve de forma direta, seca, um estilo que não dá margens para a dúvida: a vida é assim mesmo. O outro possui um estilo poético, enfeita, deixa as palavras fluírem. Ambos estão entre os grandes escritores do século XX. Albert Camus e João Guimarães Rosa, autores de O Estrangeiro e Primeiras Estórias, têm pontos de vista bastante diferentes sobre a realidade. Isso não significa, porém, que um deles esteja errado. Afinal, o contrário de uma Grande Verdade, já nos dizia Niehls Bohr, também é verdadeiro.
O Estrangeiro, de Albert Camus: Livro aberto a muitas interpretações, esse de Camus. O filósofo existencialista escreveu vários livros, que são geralmente tratados como alegorias para o estado das coisas naquele nosso século XX. Sou da opinião de que em livros do tipo do Estrangeiro as coisas parecem sempre muito piores e mais sombrias do que são, mas isso não tira o valor delas, nem tampouco impede que elas estejam exprimindo uma verdade válida. Encarei O Estrangeiro, em princípio, como o julgamento de um criminoso pelos motivos errados. Mersault matou um homem sem motivo nenhum, isso é fato. Mas acabou sendo julgado (pela sociedade, pelo sistema...) por não ser hipócrita, por ser pragmático, por não ter chorado no enterro da mãe simplesmente porque não via motivos para isso. Ele é culpado, sim, mas seus pares o acusam de crimes inexistentes. O retrato de Mersault é o de um homem sem-motivo, o de todo homem (ou mulher, ser humano enfim), que vive apoiado em valores alheios, para manter as aparências, mas a partir do momento em que todos fazem isso, é bem óbvio constatar que simplesmente não existem mais valores, de nenhum tipo, e todas essas pessoas estão apoiadas em um arcabouço ilusório chamado, ta-da!, civilização.
Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa: O maior escritor brasileiro do século XX (talvez de sempre), após alcançar um nível sublime com os contos longos em Sagarana, as novelas em Corpo de Baile e o romance em Grande Sertão: Veredas, resolveu aplicar sua arte nas estórias, os contos curtos que povoaram boa parte de sua obra posterior. O cenário, como sempre, é o sertão. Não necessariamente um sertão localizado no tempo e no espaço, embora às vezes aconteça, mas um sertão mítico, como aprazia à Rosa. Os gêneros de cada conto são diversos, mas eles estão de certa forma emoldurados. O livro é composto por 21 contos, e o 11º, ou seja, o do meio, chama-se O espelho. O primeiro e o último contos, As Margens da Alegria e Os Cimos, apresentam os mesmos personagens no mesmo espaço. Assim, é possível identificar recorrências de temas, e suas variações. Tanto em Famigerado quanto em Fatalidade, por exemplo, um homem típico do sertão vem até a casa de algum doutor, professor, alguém ilustre, “civilizado”, “da cidade”, para pedir ajuda. No primeiro caso, porém, é um bandido que tem sua sede de sangue por alguém que poderia tê-lo ofendido apaziguada , enquanto no segundo é um pobre diabo sem violência que vem pedir ajuda a um homem da lei contra um valentão, que acaba morto pelos dois. Desse modo, Rosa vai nos apresentando a violência, o misticismo, o trivial, o psicológico, o engraçado do sertão e suas gentes. E nos ensina a olhar para o mundo e ver.
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terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Pílulas Cinematográficas, Edição 9: Especial O Poderoso Chefão
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Falar sobre a maior trilogia de todos os tempos não é uma tarefa fácil. A saga da família Corleone, contada com maestria nos três O Poderoso Chefão por Francis Ford Coppola, tem tantos fãs e admiradores – Kubrick o considerava o maior filme de todos - que torna-se difícil falar algo que já não tenha sido dito, ou de que ninguém discorde. Assim, opto por apresentar aqui minha visão pessoal sobre os filmes, e abro o tema para diálogo.
Os filmes são, basicamente, a história de Michael Corleone como chefão da máfia, desde o começo relutante até a morte. Cada um dos filmes dá conta de um momento particular de sua vida. O primeiro retrata a ascensão de Michael, o segundo a derrocada de sua vida pessoal – preço a ser pago pelo poder -, e o terceiro sua redenção e morte. Juntos, formam um painel impressionante da vida de um homem que é levado a descobrir que suas vontades superficiais podem não condizer com sua verdadeira personalidade e com o mundo exterior, e que sempre se perde algo quando se quer muito alguma coisa.
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O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972): O primeiro filme da trilogia é também o melhor. Não desmerecendo os outros dois, que são também obras-primas, mas a primeira parte da saga dos Corleone apresenta um equilíbrio interno ideal. Nada sobra nem falta no longa: ele é, no sentido mais pleno da palavra, perfeito. Desde as atuações, com Marlon Brando insuperável, Al Pacino extraordinário e o resto do elenco também sublime, passando pela ambientação – referência para todos os filmes de época posteriores -, pela música – composta por Nino Rota e magistralmente conduzida por Carmine Coppola – e chegando enfim ao próprio enredo do filme, adaptado brilhantemente do ótimo romance de Mario Puzo, tudo se encaixa: O Poderoso Chefão é um símbolo, da união entre o cinema de estúdio e o autoral, do embate entre a ambição e a honra e nossos sentimentos, de tudo que a sétima arte pode dizer...
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O Poderoso Chefão, parte II (The Godfather, part II, 1974): Após a primeira parte ter ganho o Oscar de melhor filme, Coppola nos brinda com mais um ganhador da estatueta, uma nova obra-prima que continua a saga de Michael, embora com um enfoque claramente diferente. Mais longo e lento que o filme anterior, a parte II tem tons mais dramáticos, que seguem em dois caminhos: em primeiro lugar, o do preço que Michael começa a pagar por seu poder e ambição, e em segundo, o da comparação entre ele e Vito, seu pai, que também ascendeu como chefão da máfia. O filme tece de forma brilhante e paciente essas relações, mostrando cenas simples mas significativas da vida de Vito quando era jovem, e de tudo que ele fez para se firmar, ao mesmo tempo em que acompanha Michael por seu inferno pessoal de encarar traições e separações dentro de sua família e se safar da Lei e de seus inimigos que o perseguem. O rosto sombrio e acabado de Al Pacino expressa perfeitamente essa situação. A cena final do filme, em especial, tem uma força raras vezes vista, que sai tanto da situação mostrada em si quanto da expressão que o fantástico ator mantém no rosto.
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O Poderoso Chefão, parte III (The Godfather, part III, 1990): Feita muitos anos depois das outras duas, essa terceira parte acabou não agradando tanto, embora seja um final épico e digno para a saga. A atuação de Sofia Coppola como filha de Michael de fato atrapalha, mas o próprio Al Pacino, Talia Shire e o estreante (na saga Corleone) Andy Garcia mantêm o nível. Dessa vez, Michael busca a redenção, pois percebe o que a busca pelo poder lhe causou, e está cada vez mais obstinado em legalizar suas operações. Sair do jogo, porém, não é fácil, e ele vai descobrir isso da pior maneira possível. De certa forma, a mensagem de Coppola é um pouco pessimista: mesmo para se salvar, Michael é obrigado a recorrer aos velhos métodos, e depois dele sempre haverá outros para continuar a fazer o que ele fez. Entretanto, a redenção para o indivíduo é possível, e a cena final dessa saga, de Michael velho, fraco e abatido, lembrando-se de seus amores e enfim morrendo, traz para a vida amargurada desse “padrinho” um pouco de poesia e graça, e termina de forma formidável, e insuportavelmente triste, essa que foi uma das maiores histórias já contadas no cinema.
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Falar sobre a maior trilogia de todos os tempos não é uma tarefa fácil. A saga da família Corleone, contada com maestria nos três O Poderoso Chefão por Francis Ford Coppola, tem tantos fãs e admiradores – Kubrick o considerava o maior filme de todos - que torna-se difícil falar algo que já não tenha sido dito, ou de que ninguém discorde. Assim, opto por apresentar aqui minha visão pessoal sobre os filmes, e abro o tema para diálogo.
Os filmes são, basicamente, a história de Michael Corleone como chefão da máfia, desde o começo relutante até a morte. Cada um dos filmes dá conta de um momento particular de sua vida. O primeiro retrata a ascensão de Michael, o segundo a derrocada de sua vida pessoal – preço a ser pago pelo poder -, e o terceiro sua redenção e morte. Juntos, formam um painel impressionante da vida de um homem que é levado a descobrir que suas vontades superficiais podem não condizer com sua verdadeira personalidade e com o mundo exterior, e que sempre se perde algo quando se quer muito alguma coisa.
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O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972): O primeiro filme da trilogia é também o melhor. Não desmerecendo os outros dois, que são também obras-primas, mas a primeira parte da saga dos Corleone apresenta um equilíbrio interno ideal. Nada sobra nem falta no longa: ele é, no sentido mais pleno da palavra, perfeito. Desde as atuações, com Marlon Brando insuperável, Al Pacino extraordinário e o resto do elenco também sublime, passando pela ambientação – referência para todos os filmes de época posteriores -, pela música – composta por Nino Rota e magistralmente conduzida por Carmine Coppola – e chegando enfim ao próprio enredo do filme, adaptado brilhantemente do ótimo romance de Mario Puzo, tudo se encaixa: O Poderoso Chefão é um símbolo, da união entre o cinema de estúdio e o autoral, do embate entre a ambição e a honra e nossos sentimentos, de tudo que a sétima arte pode dizer...
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O Poderoso Chefão, parte II (The Godfather, part II, 1974): Após a primeira parte ter ganho o Oscar de melhor filme, Coppola nos brinda com mais um ganhador da estatueta, uma nova obra-prima que continua a saga de Michael, embora com um enfoque claramente diferente. Mais longo e lento que o filme anterior, a parte II tem tons mais dramáticos, que seguem em dois caminhos: em primeiro lugar, o do preço que Michael começa a pagar por seu poder e ambição, e em segundo, o da comparação entre ele e Vito, seu pai, que também ascendeu como chefão da máfia. O filme tece de forma brilhante e paciente essas relações, mostrando cenas simples mas significativas da vida de Vito quando era jovem, e de tudo que ele fez para se firmar, ao mesmo tempo em que acompanha Michael por seu inferno pessoal de encarar traições e separações dentro de sua família e se safar da Lei e de seus inimigos que o perseguem. O rosto sombrio e acabado de Al Pacino expressa perfeitamente essa situação. A cena final do filme, em especial, tem uma força raras vezes vista, que sai tanto da situação mostrada em si quanto da expressão que o fantástico ator mantém no rosto.
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O Poderoso Chefão, parte III (The Godfather, part III, 1990): Feita muitos anos depois das outras duas, essa terceira parte acabou não agradando tanto, embora seja um final épico e digno para a saga. A atuação de Sofia Coppola como filha de Michael de fato atrapalha, mas o próprio Al Pacino, Talia Shire e o estreante (na saga Corleone) Andy Garcia mantêm o nível. Dessa vez, Michael busca a redenção, pois percebe o que a busca pelo poder lhe causou, e está cada vez mais obstinado em legalizar suas operações. Sair do jogo, porém, não é fácil, e ele vai descobrir isso da pior maneira possível. De certa forma, a mensagem de Coppola é um pouco pessimista: mesmo para se salvar, Michael é obrigado a recorrer aos velhos métodos, e depois dele sempre haverá outros para continuar a fazer o que ele fez. Entretanto, a redenção para o indivíduo é possível, e a cena final dessa saga, de Michael velho, fraco e abatido, lembrando-se de seus amores e enfim morrendo, traz para a vida amargurada desse “padrinho” um pouco de poesia e graça, e termina de forma formidável, e insuportavelmente triste, essa que foi uma das maiores histórias já contadas no cinema.
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 4 (de 5)
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Um início perfeito para um livro sem fim. O Homem Sem Qualidades, obra prima inacabada do alemão Robert Musil, é apresentada num tom delicioso, uma mistura um pouco irônica do positivismo do fim do século XIX/começo do XX, das correntes ideológicas nacionalistas que se fortaleciam e do estilo literário do autor.
O capítulo I, "Do qual singularmente nada se depreende", é exatamente assim: uma apresentação rigorosa e divertida do que virá pela frente. Descrevendo de uma forma original e completa as condições do dia em que a narrativa começa, Musil nos brinda com uma parágrafo nada menos que extraordinário.
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Um Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth.
"I - Do qual singularmente nada se depreende
Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendencia de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, a variação do brilho da Lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d'água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913."
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Para ver o resto do Top, clique aqui.
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Um início perfeito para um livro sem fim. O Homem Sem Qualidades, obra prima inacabada do alemão Robert Musil, é apresentada num tom delicioso, uma mistura um pouco irônica do positivismo do fim do século XIX/começo do XX, das correntes ideológicas nacionalistas que se fortaleciam e do estilo literário do autor.
O capítulo I, "Do qual singularmente nada se depreende", é exatamente assim: uma apresentação rigorosa e divertida do que virá pela frente. Descrevendo de uma forma original e completa as condições do dia em que a narrativa começa, Musil nos brinda com uma parágrafo nada menos que extraordinário.
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Um Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth.
"I - Do qual singularmente nada se depreende
Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendencia de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, a variação do brilho da Lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d'água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913."
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sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Ajudem os desabrigados pelas enchentes em Santa Catarina
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Pessoal, todos nós sabemos da tragédia que aconteceu (e ainda está acontecendo) no estado de Santa Catarina. Muitas vezes, coisas desse tipo acontecem, mas não temos como ajudar. Dessa vez, porém, está ao alcance de todos. O Inagaki fez um post explicando direitinho o que pode ser feito para ajudar, então visitem o blog dele e tomem parte nesse processo.
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Além disso, o blog Notícias de Blumenau está fazendo a cobertura completa dos acontecimentos, e merece ser acompanhado. Para quem quiser uma forma mais direta, duas das contas para as quais podem ser feitas doação são essas aqui:
Fundo Estadual da Defesa Civil — CNPJ [04.426.883/0001-57]:
Pessoal, todos nós sabemos da tragédia que aconteceu (e ainda está acontecendo) no estado de Santa Catarina. Muitas vezes, coisas desse tipo acontecem, mas não temos como ajudar. Dessa vez, porém, está ao alcance de todos. O Inagaki fez um post explicando direitinho o que pode ser feito para ajudar, então visitem o blog dele e tomem parte nesse processo.
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Além disso, o blog Notícias de Blumenau está fazendo a cobertura completa dos acontecimentos, e merece ser acompanhado. Para quem quiser uma forma mais direta, duas das contas para as quais podem ser feitas doação são essas aqui:
Fundo Estadual da Defesa Civil — CNPJ [04.426.883/0001-57]:
Banco do Brasil
Agência 3582-3
Conta Corrente 80.000-7
Besc
Agência 068-0
Conta Corrente 80.000-0
BRADESCO S/A - 237
Agência 0348-4
Conta Corrente 160.000-1
Prefeitura Municipal de Blumenau:
BESC
Agência: 003-5
C/C: 400.000-3
Banco do Brasil
Agência: 0095-7
C/C: 400.000-5
(PMB – Calamidade Pública)
Caixa Econômica Federal
Agência: 0411
C/C: 80.000-0
Então... vamos fazer a diferença, agora que a gente pode? Conto com vocês.
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quinta-feira, 27 de novembro de 2008
O Mensageiro do Diabo
O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter, 1955) é um filme único em muitos sentidos. Em primeiro lugar, foi o primeiro e único filme do consagrado ator Charles Laughton. Embora seja hoje considerada uma das grandes obras-primas do cinema, O Mensageiro do Diabo foi um fracasso de público na época do lançamento e acabou sepultando a carreira do promissor cineasta.
Em segundo lugar, a parte técnica do filme também é única. A fotografia é uma união magistral do expressionismo alemão e do noir, com fortes contrastes em preto-e-branco. Os cenários tem um papel importante na história, e ajudam a expressar as idéias envolvidas em cada cena.
Em terceiro lugar, a atuação do elenco principal também é única. Robert Mitchum, Shelley Winters, as crianças... todos executam perfeitamente seus papéis, o que ajuda muito a criar o clima fantasmagórico do filme.
Finalmente, há o enredo: original, único. Mitchum faz o papel de um pregador assassino de viúvas, Harry Powell, que conhece na prisão um ladrão e quando sai de lá vai atrás da família dele com o intuito pegar o dinheiro para si. A história se desenrola, a partir daí, como um conto de fadas sombrio e violento. De fato, todos os acontecimentos são retratados, de uma certa maneira, a partir de uma visão infantil, o que acaba por tornar o filme maniqueísta.
Mas é justamente essa a premissa básica do longa: um embate entre o bem e mal, simbolizado nas mãos do pregador de Mitchum, onde se lê “Love”, em uma, e “Hate”, na outra, e na própria história que ele conta para conquistar a simpatia dos habitantes da cidadezinha onde mora a família do ladrão. Todo o filme está permeado de alegorias dessa oposição: o preto e o branco, as sombras e a claridade, o cargo santo de Powell e suas atitudes profanas...
A cena exemplar de todas essas singularidades do filme é a do assassinato da mulher do ladrão. Powell e ela estão no quarto, que é mostrado em forma triangular, como uma capela, mas uma capela maldita. A mulher, seduzida por Powell, e com a mente totalmente lavada, afirma saber que ele só está atrás do dinheiro, mas aceita isso de uma forma perturbadora. Powell, por sua vez, sentindo o perigo, saca sua navalha e com um gesto teatral a mata. A atuação, a fotografia, a música, o clima: tudo é magistralmente conduzido e executado.
Mas o filme, afinal, acaba sendo otimista em seu final, embora um pouco melancólico. As crianças, apesar de tudo pelo que passaram, se salvaram de seu algoz, e, embora tenham perdido o pai e a mão em tão pouco tempo, reencontraram uma família que os acolhesse e amasse. Mais conto-de-fadas impossível.
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Em segundo lugar, a parte técnica do filme também é única. A fotografia é uma união magistral do expressionismo alemão e do noir, com fortes contrastes em preto-e-branco. Os cenários tem um papel importante na história, e ajudam a expressar as idéias envolvidas em cada cena.
Em terceiro lugar, a atuação do elenco principal também é única. Robert Mitchum, Shelley Winters, as crianças... todos executam perfeitamente seus papéis, o que ajuda muito a criar o clima fantasmagórico do filme.
Finalmente, há o enredo: original, único. Mitchum faz o papel de um pregador assassino de viúvas, Harry Powell, que conhece na prisão um ladrão e quando sai de lá vai atrás da família dele com o intuito pegar o dinheiro para si. A história se desenrola, a partir daí, como um conto de fadas sombrio e violento. De fato, todos os acontecimentos são retratados, de uma certa maneira, a partir de uma visão infantil, o que acaba por tornar o filme maniqueísta.
Mas é justamente essa a premissa básica do longa: um embate entre o bem e mal, simbolizado nas mãos do pregador de Mitchum, onde se lê “Love”, em uma, e “Hate”, na outra, e na própria história que ele conta para conquistar a simpatia dos habitantes da cidadezinha onde mora a família do ladrão. Todo o filme está permeado de alegorias dessa oposição: o preto e o branco, as sombras e a claridade, o cargo santo de Powell e suas atitudes profanas...
A cena exemplar de todas essas singularidades do filme é a do assassinato da mulher do ladrão. Powell e ela estão no quarto, que é mostrado em forma triangular, como uma capela, mas uma capela maldita. A mulher, seduzida por Powell, e com a mente totalmente lavada, afirma saber que ele só está atrás do dinheiro, mas aceita isso de uma forma perturbadora. Powell, por sua vez, sentindo o perigo, saca sua navalha e com um gesto teatral a mata. A atuação, a fotografia, a música, o clima: tudo é magistralmente conduzido e executado.
Mas o filme, afinal, acaba sendo otimista em seu final, embora um pouco melancólico. As crianças, apesar de tudo pelo que passaram, se salvaram de seu algoz, e, embora tenham perdido o pai e a mão em tão pouco tempo, reencontraram uma família que os acolhesse e amasse. Mais conto-de-fadas impossível.
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quarta-feira, 26 de novembro de 2008
A Roda #5 - Panorama do Vale de Legium, parte 3
por Lobato Légio
O velho Toleimã está sete palmos abaixo do chão. Em tempos antigos, devastou muitas terras. Agora, já não destrói mais. Postava-se imponente acima de todas as terras e só o que os moradores de tais plagas faziam era observar seu assombro, espantados, olhos arregalados para o colosso que até o céu se erguia. Ali, entre eles, nascera o Semeador de Ventos, uma criança amaldiçoada, filha do grito e da fuga, adotada pelos aldeões sem consciência de que deixavam o destino entrar pela porta. Quando cresceu, plantou mudas de vento, e uma vez por ano, fazia a Colheita. Tempestades varriam todos os rincões, empurrando o povo daquela terra para um lado e para o outro até o exílio. Em um determinado ano, quando o sol foi especialmente quente, e a água especialmente boa, os pés de ventos deram uma safra especialmente portentosa. Nascia o velho Toleimã.
O furacão colossal assombrou os vales por anos sem conta, tornando nômades os sedentários e desérticas as plantações. Quando estava simplesmente transformando as coisas em destroços, jogava-as para o céu, e fazia as vezes de mensageiro. Levava as mensagens-gentes do sertão sem fim até a terra de Oz e além, nos Orientes longínquos. Agarrados em sua cauda iam bruxas, cangaceiros e deuses imortais. Só os que ficavam agarrados ao chão eram as gentes do povo, com os dedos sangrando de enfiá-los em fendas e em rochas para não ser espedaçado pelo vento.
Com o tempo, passaram a aceitar o velho Toleimã como parte da natureza, uma entidade tão absoluta e cuja presença era tão inerente ao estado das coisas quando o céu ou o chão. Assim que ele se tornou parte óbvia do mundo, começaram a fazer para ele canções e poemas, que o descreviam, louvavam e amaldiçoavam, e inventaram para ele espíritos e deuses, para os quais poderiam rezar a fim de que a tempestade fosse embora.
Tendo adquirido, por meio de seus fustigados, uma consciência metafísica, o velho Toleimã passou a dirigi-la para seus atos, e para as justificativas deles, e percebeu que nada do que fizera até então fazia sentido. Tomado por uma necessidade primal de encontrar seu criador, passou a buscar o Semeador de Ventos, e acabou por encontrá-lo, muito tempo depois, sozinho em sua cabana.
Devido ao seu tamanho e força, o velho Toleimã arremessou, inadvertidamente, a cabana do Semeador para o céu, e o velho ceifador de tempestades desapareceu entre as estrelas. Triste, desse modo, por ter sumido com seu criador, o colosso de vento começou a arrefecer.
Pouco tempo se passou, alguns anos somente de rondas no deserto, e o antigo deus furacão acabou sendo engolido pelo chão, desaparecendo na poeira que um dia transtornara.
Triste e solitário, assim morreu o Velho Toleimã.
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terça-feira, 25 de novembro de 2008
Persona
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Ocasionalmente, voltarei a postar sobre filmes fora da quinta-cinematográfica. Não necessariamente será de terça, mas em geral sim, ou de segunda, no máximo.
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Persona é um filme ao qual não se assiste em vão. Uma das obras mais ilustres de Ingmar Bergman, é também seu filme mais enigmático. Concebido enquanto este estava no hospital, devido a uma pneumonia, Persona é uma obra de arte emblemática e significativa, um marco de expressão e linguagem cinematográfica.
Embora seja chamado de “poema visual”, definição clichê, pelo próprio diretor, esse é somente um dos títulos que Persona pode receber. Chamá-lo de revolucionário, sofisticado, hipnotizante e perfeito também é cabível.
O filme, em princípio, conta a história de uma enfermeira que tem de cuidar de uma atriz que sofreu um colapso nervoso durante uma apresentação e parou de falar. Como ela não responde ao tratamento, as duas vão para a casa de campo da médica responsável, e começam a ter uma curiosa convivência, baseada na palavra de uma e no silêncio da outra.
Basicamente, o resto do filme transcorre ali, mas falar disso assim tão levianamente é um crime contra a complexidade do filme. Justamente porque ele trata da confusão: a confusão de identidades, a confusão entre nossa identidade e o mundo. O filme trata das máscaras (personas) que vestimos, sejam elas nossas ou de outras pessoas. E trata também de muitas outras coisas, num nível subconsciente e profundo.
Sonho, ilusão, realidade: tudo se funde. Mas isso não faz deste um filme etéreo, pelo contrário: ele é denso e pungente, capaz de nos atingir dolorosamente mesmo que não o tenhamos compreendido por completo. Essa, afinal, é a tarefa da arte. E Bergman, como artista genial que era, um dos maiores do século XX, soube executá-la com perfeição.
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Se sentiram algo de familiar nessa resenha, ou sentirem-no no filme, saibam que eu também senti: David Lynch bebeu muito na fonte de Bergman, e Cidade dos Sonhos é praticamente a versão dele para Persona, embora incorporando outros elementos. Isso não é oficial, mas assistir aos dois filmes causa sensações muito parecidas, e os temas, a forma e o subtexto são semelhantes (o que não faz do filme de Lynch menos original). Assistam aos dois e comprovem.
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Ocasionalmente, voltarei a postar sobre filmes fora da quinta-cinematográfica. Não necessariamente será de terça, mas em geral sim, ou de segunda, no máximo.
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Persona é um filme ao qual não se assiste em vão. Uma das obras mais ilustres de Ingmar Bergman, é também seu filme mais enigmático. Concebido enquanto este estava no hospital, devido a uma pneumonia, Persona é uma obra de arte emblemática e significativa, um marco de expressão e linguagem cinematográfica.
Embora seja chamado de “poema visual”, definição clichê, pelo próprio diretor, esse é somente um dos títulos que Persona pode receber. Chamá-lo de revolucionário, sofisticado, hipnotizante e perfeito também é cabível.
O filme, em princípio, conta a história de uma enfermeira que tem de cuidar de uma atriz que sofreu um colapso nervoso durante uma apresentação e parou de falar. Como ela não responde ao tratamento, as duas vão para a casa de campo da médica responsável, e começam a ter uma curiosa convivência, baseada na palavra de uma e no silêncio da outra.
Basicamente, o resto do filme transcorre ali, mas falar disso assim tão levianamente é um crime contra a complexidade do filme. Justamente porque ele trata da confusão: a confusão de identidades, a confusão entre nossa identidade e o mundo. O filme trata das máscaras (personas) que vestimos, sejam elas nossas ou de outras pessoas. E trata também de muitas outras coisas, num nível subconsciente e profundo.
Sonho, ilusão, realidade: tudo se funde. Mas isso não faz deste um filme etéreo, pelo contrário: ele é denso e pungente, capaz de nos atingir dolorosamente mesmo que não o tenhamos compreendido por completo. Essa, afinal, é a tarefa da arte. E Bergman, como artista genial que era, um dos maiores do século XX, soube executá-la com perfeição.
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Se sentiram algo de familiar nessa resenha, ou sentirem-no no filme, saibam que eu também senti: David Lynch bebeu muito na fonte de Bergman, e Cidade dos Sonhos é praticamente a versão dele para Persona, embora incorporando outros elementos. Isso não é oficial, mas assistir aos dois filmes causa sensações muito parecidas, e os temas, a forma e o subtexto são semelhantes (o que não faz do filme de Lynch menos original). Assistam aos dois e comprovem.
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segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 3 (de 5)
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Quaisquer que sejam as crenças e convicções de alguém, a Bíblia tem para essa pessoa ao menos um valor: o literário. Seja você ateu ou crente, panteísta ou monoteísta, a Bíblia (e os livros sagrados em geral) possui grande valor pelo menos enquanto literatura.
No meu caso, sou apaixonado pelo Eclesiastes, um dos livros poéticos e sapienciais da Bíblia. Nesse livro, atribuído a Salomão, há uma belíssima e valorosa reflexão sobre o valor da vida, do conhecimento, e das coisas que fazemos aqui no mundo.
Vou colocar somente o primeiro capítulo, mas recomendo a leitura do livro inteiro que, por sinal, é bem curto. Espero que mesmo aqueles que não tem nunhuma proximidade com a fé judaico-cristã possam identificar o valor desse livro e aproveitar o que ele oferece.
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Bíblia - Tradução Ecumênica - Eclesiastes, 1
"1. Palavras do Eclesisastes, filho de David, rei em Jerusalém
2. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
3. Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?
4. Uma geração passa, outra vem, e a terra permanece sempre.
5. O sol se levanta, o sol se põe, procurando o lugar de onde se erguerá de novo.
6. O vento vai para o sul e vira para o norte, gira, gira e vai embora, sempre retoma o seu curso, o vento.
7. Os rios todos correm para o mar e o mar nunca fica cheio; para o lugar onde correm os rios, para lá retornam.
8. Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las; o olho não se sacia do que vê, o ouvido não se enche do que ouve.
9. O que foi é o que será, o que se fez é o que se fará: nada de novo sob o sol!
10. Se algo existe de que se possa dizer: "Vede, isto é novo!", - já existe desde os séculos que houve antes de nós.
11. Dos tempos antigos não resta lembrança, e quanto aos frutos que virão, também deles não restará lembrança para os que vierem depois.
12. Eu, o Eclesiastes, fui rei sobre Israel, em Jerusalém.
13. Tomei a peito investigar e sondar, mediante a sabedoria, tudo o que se faz sob o sol. Tarefa ingrata essa, que Deus entregou aos filhos de Adão, para nela se aplicarem.
14. Vi todas as obras que se fazem sob o sol: pois bem, é tudo vaidade e perseguir vento.
15. O que está torto não se pode endireitar, o que falta não pode ser calculado.
16. Eu disse a mim mesmo: "Eis que fiz crescer e progredir a sabedoria mais que todos os que, antes de mim, reinaram sobre Jerusalém". Experimentei muita sabedoria e ciência,
17. apliquei o coração a conhecer a sabedoria, e a conhecer os desvarios e as loucuras, e concluí que isso também é perseguir vento.
18. Pois em muita sabedoria há muita aflição; quem aumenta o saber aumenta a dor."
Outra tradução: Bíblia Ave Maria
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Quaisquer que sejam as crenças e convicções de alguém, a Bíblia tem para essa pessoa ao menos um valor: o literário. Seja você ateu ou crente, panteísta ou monoteísta, a Bíblia (e os livros sagrados em geral) possui grande valor pelo menos enquanto literatura.
No meu caso, sou apaixonado pelo Eclesiastes, um dos livros poéticos e sapienciais da Bíblia. Nesse livro, atribuído a Salomão, há uma belíssima e valorosa reflexão sobre o valor da vida, do conhecimento, e das coisas que fazemos aqui no mundo.
Vou colocar somente o primeiro capítulo, mas recomendo a leitura do livro inteiro que, por sinal, é bem curto. Espero que mesmo aqueles que não tem nunhuma proximidade com a fé judaico-cristã possam identificar o valor desse livro e aproveitar o que ele oferece.
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Bíblia - Tradução Ecumênica - Eclesiastes, 1
"1. Palavras do Eclesisastes, filho de David, rei em Jerusalém
2. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
3. Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?
4. Uma geração passa, outra vem, e a terra permanece sempre.
5. O sol se levanta, o sol se põe, procurando o lugar de onde se erguerá de novo.
6. O vento vai para o sul e vira para o norte, gira, gira e vai embora, sempre retoma o seu curso, o vento.
7. Os rios todos correm para o mar e o mar nunca fica cheio; para o lugar onde correm os rios, para lá retornam.
8. Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las; o olho não se sacia do que vê, o ouvido não se enche do que ouve.
9. O que foi é o que será, o que se fez é o que se fará: nada de novo sob o sol!
10. Se algo existe de que se possa dizer: "Vede, isto é novo!", - já existe desde os séculos que houve antes de nós.
11. Dos tempos antigos não resta lembrança, e quanto aos frutos que virão, também deles não restará lembrança para os que vierem depois.
12. Eu, o Eclesiastes, fui rei sobre Israel, em Jerusalém.
13. Tomei a peito investigar e sondar, mediante a sabedoria, tudo o que se faz sob o sol. Tarefa ingrata essa, que Deus entregou aos filhos de Adão, para nela se aplicarem.
14. Vi todas as obras que se fazem sob o sol: pois bem, é tudo vaidade e perseguir vento.
15. O que está torto não se pode endireitar, o que falta não pode ser calculado.
16. Eu disse a mim mesmo: "Eis que fiz crescer e progredir a sabedoria mais que todos os que, antes de mim, reinaram sobre Jerusalém". Experimentei muita sabedoria e ciência,
17. apliquei o coração a conhecer a sabedoria, e a conhecer os desvarios e as loucuras, e concluí que isso também é perseguir vento.
18. Pois em muita sabedoria há muita aflição; quem aumenta o saber aumenta a dor."
Outra tradução: Bíblia Ave Maria
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Citação de Sexta: Respiro, Suspiro
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
2001: Uma Odisséia no Espaço
Entre todos os adjetivos que Stanley Kubrick pode carregar, o principal talvez seja versátil. Embora o diretor tenha sido, sim, um gênio, e também um grande contribuidor para a evolução da sétima arte, sua característica mais marcante, observando o geral de suas obras, é a versatilidade. Kubrick fez de tudo: distopia, drama histórico, horror, comédia, guerra... e, em seu filme mais conhecido, ficção científica.
2001: Uma Odisséia no Espaço, causou comoção por onde passou. É difícil dizer qual de seus elementos é o mais revolucionário. O mais visível, por certo, são os efeitos especiais: é quase impossível acreditar que Kubrick fez tudo aquilo que o filme mostra antes de existir computação gráfica. A parte técnica do filme é, incontestavelmente, perfeita. A inventividade de seu mundo espacial e o detalhismo que ele imprimiu nas naves e nos elementos tecnológicos do filme se tornaram referência.
Por outro lado, o conteúdo do filme, embora igualmente revolucionário, não foi tão apreciado. Pouquíssimos, entre o público e a crítica, gostaram do filme à época do lançamento. Consideraram-no, em geral, chato, presunçoso e confuso. Entretanto, logo começaram a enxergar no filme seu valor, e ele se tornou um marco do cinema, quiçá a maior ficção-científica que já houve.
2001, como qualquer ficção-científica que se preze, trata das coisas humanas, e, nesse caso, as coisas humanas adquirem um espectro enorme. A história da humanidade, o sentido do que criamos e descobrimos, nossa relação com a tecnologia: tudo isso é escrutinado, de forma não-óbvia, pela lente de Kubrick.
O diretor fez desse filme, concebido junto ao mestre da ficção-científica Arthur C. Clarke, uma jornada poderosa, que começa no surgimento da humanidade e termina no instante em que ao menos um de nós é capaz de transcender, de se tornar algo mais que uma consciência elétrica presa num corpo material limitado.
Interpretar o filme é uma tarefa interessante e divertida, e que tem a bênção do diretor. Kubrick disse que todos poderiam ficar à vontade para ponderar sobre o significado alegórico e filosófico do longa, e que ele e Clarke trabalharam para que não fosse possível decifrá-lo por completo.
De fato, só o que se pode ter de 2001 são idéias sobre o que ele representa (essa e essa são especialmente interessantes), mas seu significado pleno ou não existe ou está além de nossa compreensão racional, o que no fim das contas dá na mesma. Para nós, cinéfilos ou espectadores casuais, assistir a 2001 é deleitar-se pela experiência visual e sonora que ele proporciona, sem ficar tentando, a todo segundo, apreender algo de seu sentido. Ou, em outras palavras, 2001: Uma Odisséia no Espaço é uma enorme viagem, dessa que a gente faz mais para apreciar a vista que para chegar ao destino.
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2001: Uma Odisséia no Espaço, causou comoção por onde passou. É difícil dizer qual de seus elementos é o mais revolucionário. O mais visível, por certo, são os efeitos especiais: é quase impossível acreditar que Kubrick fez tudo aquilo que o filme mostra antes de existir computação gráfica. A parte técnica do filme é, incontestavelmente, perfeita. A inventividade de seu mundo espacial e o detalhismo que ele imprimiu nas naves e nos elementos tecnológicos do filme se tornaram referência.
Por outro lado, o conteúdo do filme, embora igualmente revolucionário, não foi tão apreciado. Pouquíssimos, entre o público e a crítica, gostaram do filme à época do lançamento. Consideraram-no, em geral, chato, presunçoso e confuso. Entretanto, logo começaram a enxergar no filme seu valor, e ele se tornou um marco do cinema, quiçá a maior ficção-científica que já houve.
2001, como qualquer ficção-científica que se preze, trata das coisas humanas, e, nesse caso, as coisas humanas adquirem um espectro enorme. A história da humanidade, o sentido do que criamos e descobrimos, nossa relação com a tecnologia: tudo isso é escrutinado, de forma não-óbvia, pela lente de Kubrick.
O diretor fez desse filme, concebido junto ao mestre da ficção-científica Arthur C. Clarke, uma jornada poderosa, que começa no surgimento da humanidade e termina no instante em que ao menos um de nós é capaz de transcender, de se tornar algo mais que uma consciência elétrica presa num corpo material limitado.
Interpretar o filme é uma tarefa interessante e divertida, e que tem a bênção do diretor. Kubrick disse que todos poderiam ficar à vontade para ponderar sobre o significado alegórico e filosófico do longa, e que ele e Clarke trabalharam para que não fosse possível decifrá-lo por completo.
De fato, só o que se pode ter de 2001 são idéias sobre o que ele representa (essa e essa são especialmente interessantes), mas seu significado pleno ou não existe ou está além de nossa compreensão racional, o que no fim das contas dá na mesma. Para nós, cinéfilos ou espectadores casuais, assistir a 2001 é deleitar-se pela experiência visual e sonora que ele proporciona, sem ficar tentando, a todo segundo, apreender algo de seu sentido. Ou, em outras palavras, 2001: Uma Odisséia no Espaço é uma enorme viagem, dessa que a gente faz mais para apreciar a vista que para chegar ao destino.
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Tuma Indica
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
O aniversário do Mickey
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No dia 18 de Novembro de 1928, era exibido pela primeira vez o curta de animação Steamboat Willie. Para saberem do que estou falando, vejam abaixo:
Reconheceram alguma coisa? Pois é. Steamboat Willie foi o primeiro curta animado do Mickey Mouse, exibido no Broadway Theater oitenta anos atrás. Quem diria, naquela época, que aquele ratinho estranho se tornaria um dos maiores ícones da cultura do século XX?
É possível perceber, no curta, características muito claras das animações daquele período, que influenciariam muita coisa e se mantêm, muitas vezes como paródia, até hoje. Os números musicais, a violência, a crueldade envolvendo animais e o humor pueril são traços que foram desenvolvidos de muitas maneiras, e acabaram resultando em desenhos como Tom e Jerry ou Looney Tunes (naquele caso, muito mais violento, e nesse, muito mais nonsense).
É curioso prestar atenção, também, no estilo da animação, no desenho dos personagens, em como Mickey, Minnie e Bafo de Onça eram e o quanto evoluíram para se tornar o que são hoje.
Sem dúvida, o Mickey é uma figura reconhecível por praticamente qualquer pessoa no mundo. Sua imagem é invariavelmente associada à instituição que o criou, a Disney, e a um certo mundo de sonhos e fantasia.
Ele representa, com seu calção vermelho e seus botões amarelos, o predomínio da cultura americana sobre o resto do mundo, assunto do qual falarei um dia.
Para terminar esse post confuso e não-eloquente, só mesmo dando os parabéns ao Mickey pelos seus 80 anos de vida, e deixando um outro vídeo, um dos melhores curta-metragens animados do personagem, chamado Runaway Brain (em inglês):
Até mais p-pessoal! (espere, esse não era outro desenho?)
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No dia 18 de Novembro de 1928, era exibido pela primeira vez o curta de animação Steamboat Willie. Para saberem do que estou falando, vejam abaixo:
Reconheceram alguma coisa? Pois é. Steamboat Willie foi o primeiro curta animado do Mickey Mouse, exibido no Broadway Theater oitenta anos atrás. Quem diria, naquela época, que aquele ratinho estranho se tornaria um dos maiores ícones da cultura do século XX?
É possível perceber, no curta, características muito claras das animações daquele período, que influenciariam muita coisa e se mantêm, muitas vezes como paródia, até hoje. Os números musicais, a violência, a crueldade envolvendo animais e o humor pueril são traços que foram desenvolvidos de muitas maneiras, e acabaram resultando em desenhos como Tom e Jerry ou Looney Tunes (naquele caso, muito mais violento, e nesse, muito mais nonsense).
É curioso prestar atenção, também, no estilo da animação, no desenho dos personagens, em como Mickey, Minnie e Bafo de Onça eram e o quanto evoluíram para se tornar o que são hoje.
Sem dúvida, o Mickey é uma figura reconhecível por praticamente qualquer pessoa no mundo. Sua imagem é invariavelmente associada à instituição que o criou, a Disney, e a um certo mundo de sonhos e fantasia.
Ele representa, com seu calção vermelho e seus botões amarelos, o predomínio da cultura americana sobre o resto do mundo, assunto do qual falarei um dia.
Para terminar esse post confuso e não-eloquente, só mesmo dando os parabéns ao Mickey pelos seus 80 anos de vida, e deixando um outro vídeo, um dos melhores curta-metragens animados do personagem, chamado Runaway Brain (em inglês):
Até mais p-pessoal! (espere, esse não era outro desenho?)
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terça-feira, 18 de novembro de 2008
Já passou do vinte!
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Através do espelho osbcuro, minha novela publicada diariamente no blog Nós Mesmos, já passou do capítulo 20! Continuem acompanhando e comentando!
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Através do espelho osbcuro, minha novela publicada diariamente no blog Nós Mesmos, já passou do capítulo 20! Continuem acompanhando e comentando!
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 2 (de 5)
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Continuando a lista dos inícios de livros que eu mais gosto, falo hoje sobre um livro do qual já falei aqui, na primeira resenha de livro publicada por esse blog. Trata-se de Um Retrato do Artista Quando Jovem, primeira obra-prima do irlandês James Joyce.
Esse parágrafo inicial é um símbolo da obra de Joyce: traz coisas clássicas/do passado e as rearranja de uma maneira incrivelmente moderna e à frente de seu tempo, por um lado, e é um tipo de fluxo de consciência, por outro. O parágrafo prenuncia, também, todo o estilo narrativo do livro: ao usar uma sintaxe de pensamento infantil, Joyce representa perfeitamente a consciência de uma criança. E essa sintaxe, durante o livro, irá mudar, evoluir, para representar as diferentes fases da consciência do personagem principal, matéria básica e essencial para um romance de formação como o que o Retrato é.
Enjoy.
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Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.
"Era uma vez e uma vez muito bonita mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco.
Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo."
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Continuando a lista dos inícios de livros que eu mais gosto, falo hoje sobre um livro do qual já falei aqui, na primeira resenha de livro publicada por esse blog. Trata-se de Um Retrato do Artista Quando Jovem, primeira obra-prima do irlandês James Joyce.
Esse parágrafo inicial é um símbolo da obra de Joyce: traz coisas clássicas/do passado e as rearranja de uma maneira incrivelmente moderna e à frente de seu tempo, por um lado, e é um tipo de fluxo de consciência, por outro. O parágrafo prenuncia, também, todo o estilo narrativo do livro: ao usar uma sintaxe de pensamento infantil, Joyce representa perfeitamente a consciência de uma criança. E essa sintaxe, durante o livro, irá mudar, evoluir, para representar as diferentes fases da consciência do personagem principal, matéria básica e essencial para um romance de formação como o que o Retrato é.
Enjoy.
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Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.
"Era uma vez e uma vez muito bonita mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco.
Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo."
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sexta-feira, 14 de novembro de 2008
Citação de Sexta: O Sonhar
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
O Sacrifício
Ingmar Bergman, Deus do Cinema, considerava Andrei Tarkovsky o maior de todos os cineastas pois “para ele o mundo dos sonhos não tinha segredos”. Tarkovsky, cineasta russo da segunda metade do século XX, era famoso por seus filmes de planos longos, beleza visual e sonora, e por sua notória espiritualidade. Em O Sacrifício, sua última obra, podemos identificar todos esses elementos levados às últimas conseqüências: O Sacrifício é o trabalho síntese de uma vida. Não necessariamente o melhor filme do cineasta, mas com certeza o mais revelador.
O enredo, por si só, é genial. Um velho professor, Alexander, melancólico e descrente, vê sua família e amigos reunirem-se em sua casa para seu aniversário: o amigo médico (de mudança para a Austrália), a mulher (que nutre uma paixão pelo médico), a filha mais velha, o carteiro amigo, e o filho mais novo, mudo por uma operação recente na garganta. Além deles, está por ali a cozinheira, uma mulher que vive sozinha no campo, e sua ajudante, uma jovem triste.
Logo que começa a festa, a cozinheira vai para sua casa. Os outros, porém, permanecem ali, num clima soturno, triste, inadequado para uma festa de aniversário. Tudo começa a piorar, entretanto, quando eles vêem na TV a notícia de uma guerra nuclear que começou. Pálidas de medo, todas as personagens começarão lentamente a se desesperar e mostrar suas verdadeiras faces.
Alexander, por sua vez, também viverá seu calvário. Desesperado por salvar sua família, vai até a casa da cozinheira, que o carteiro diz ser uma feiticeira. Ali, ele chora, implora pela ajuda dela, conta histórias da sua infância. Por fim, ajoelha-se e reza, e ela o aceita, e os dois se unem num ato sexual ao mesmo tempo libertador e reacionário, no sentido de que leva Alexander de volta, através do tempo e do espaço, para o âmago das coisas, ou de si mesmo.
Passada essa cena, Alexander acorda, num dia claro (seu aniversário?) no sofá de seu quarto. Terá tudo sido um sonho? O amor entre o médico e sua mulher, a festa, o fim do mundo, o ato sexual com a cozinheira, tudo um sonho? Não importa. No “sonho”, a mulher dissera que a casa era um lugar maligno, e Alexander, pio, sabe o que tem de fazer.
Numa cena antológica, belíssima, indescritível, ele bota fogo em sua casa, e a vê queimar, enquanto chega uma ambulância do hospício, que o tenta levar, mas ele foge, e enfim o capturam, o médico e a mulher quase entrando junto no carro-de-loucos. É o fim... mas ainda há dúvidas.
A cozinheira aparece, andando de bicicleta, seguindo a ambulância... por que seria? E ali, à beira do lago, o filho de Alexander está deitado ao lado da árvore que ele e o pai haviam plantado no início do filme. Mas espere... tudo não havia sido um sonho? Pela primeira e única vez, o filho fala: “No princípio era o Verbo. Por que, meu Pai, por quê?”.
Sim, O Sacrifício não é um filme óbvio. É, como os outros filmes de Tarkovsky, uma experiência filosófica, sensorial e espiritual, um conto da alma. Nesse filme, o diretor diz muito sobre a loucura, a falta de amor, os sonhos, a morte, Deus... mas essas coisas não são compreendidas integralmente por nossa mente, e sim por nosso espírito. Bergman, afinal, talvez estivesse certo. Para Tarkovsky, o mundo dos sonhos não tinha segredos. E justamente, penso eu, por ele deixar-se mergulhar nessa matéria onírica, de corpo e alma, e de lá sair encharcado de símbolos, signos e sabedoria para colocá-los em movimento e transmiti-los ao mundo.
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O enredo, por si só, é genial. Um velho professor, Alexander, melancólico e descrente, vê sua família e amigos reunirem-se em sua casa para seu aniversário: o amigo médico (de mudança para a Austrália), a mulher (que nutre uma paixão pelo médico), a filha mais velha, o carteiro amigo, e o filho mais novo, mudo por uma operação recente na garganta. Além deles, está por ali a cozinheira, uma mulher que vive sozinha no campo, e sua ajudante, uma jovem triste.
Logo que começa a festa, a cozinheira vai para sua casa. Os outros, porém, permanecem ali, num clima soturno, triste, inadequado para uma festa de aniversário. Tudo começa a piorar, entretanto, quando eles vêem na TV a notícia de uma guerra nuclear que começou. Pálidas de medo, todas as personagens começarão lentamente a se desesperar e mostrar suas verdadeiras faces.
Alexander, por sua vez, também viverá seu calvário. Desesperado por salvar sua família, vai até a casa da cozinheira, que o carteiro diz ser uma feiticeira. Ali, ele chora, implora pela ajuda dela, conta histórias da sua infância. Por fim, ajoelha-se e reza, e ela o aceita, e os dois se unem num ato sexual ao mesmo tempo libertador e reacionário, no sentido de que leva Alexander de volta, através do tempo e do espaço, para o âmago das coisas, ou de si mesmo.
Passada essa cena, Alexander acorda, num dia claro (seu aniversário?) no sofá de seu quarto. Terá tudo sido um sonho? O amor entre o médico e sua mulher, a festa, o fim do mundo, o ato sexual com a cozinheira, tudo um sonho? Não importa. No “sonho”, a mulher dissera que a casa era um lugar maligno, e Alexander, pio, sabe o que tem de fazer.
Numa cena antológica, belíssima, indescritível, ele bota fogo em sua casa, e a vê queimar, enquanto chega uma ambulância do hospício, que o tenta levar, mas ele foge, e enfim o capturam, o médico e a mulher quase entrando junto no carro-de-loucos. É o fim... mas ainda há dúvidas.
A cozinheira aparece, andando de bicicleta, seguindo a ambulância... por que seria? E ali, à beira do lago, o filho de Alexander está deitado ao lado da árvore que ele e o pai haviam plantado no início do filme. Mas espere... tudo não havia sido um sonho? Pela primeira e única vez, o filho fala: “No princípio era o Verbo. Por que, meu Pai, por quê?”.
Sim, O Sacrifício não é um filme óbvio. É, como os outros filmes de Tarkovsky, uma experiência filosófica, sensorial e espiritual, um conto da alma. Nesse filme, o diretor diz muito sobre a loucura, a falta de amor, os sonhos, a morte, Deus... mas essas coisas não são compreendidas integralmente por nossa mente, e sim por nosso espírito. Bergman, afinal, talvez estivesse certo. Para Tarkovsky, o mundo dos sonhos não tinha segredos. E justamente, penso eu, por ele deixar-se mergulhar nessa matéria onírica, de corpo e alma, e de lá sair encharcado de símbolos, signos e sabedoria para colocá-los em movimento e transmiti-los ao mundo.
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quarta-feira, 12 de novembro de 2008
A Roda #4 - Mil perdões
por Lobato Légio
Caríssimos leitores: perdoai-me. Nós, que labutamos na difícil lida da escrita, deveríamos ficar trancafiados de duas a três horas por dia, ao menos, para nos dedicarmos a esse ofício. Tal não acontecendo, ocorre o que ocorreu com a minha coluna - digníssima, prestimosa coluna: eu fiquei sem escrever, e vocês ficaram sem ler. Mas não há drama, tudo isso é fruto de minhas escolhas.
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Morasse eu ainda em minha cabana, teria muito tempo para dedicar-me ao Ofício. Mas me mudei, e aqui estou: vivendo em meio ao caos, buscando os fragmentos de minha própria identidade em meio ao som e à fúria da vida contemporânea, escrevendo como posso, catando os cacos de minhas memórias e influências para oferecer a vocês, e ao dono deste espaço, algo digno de nota.
Tuma disse, semana passada, ser o motivo de minha ausência uma crise existencial. Eu mesmo não seria tão dramático ao me referir àquele conjunto de experiências pelo qual passava então, mas ainda assim achei o termo válido.
Tratou-se, mais apropriadamente, de um período de confusão mental e falta de inspiração - o que, de qualquer forma, para um escritor como eu, seria algo como um crise existencial, daí eu concordar com a denominação dada por Tuma, embora não a reforce -, fruto da fragmentação já citada no início deste texto.
Como vocês talvez não saibam, tenho outras tarefas cá no Brasil além de escrever para este diário-de-rede. Ora, minha mudança para o país é recente, assim como é recente minha iniciação no tipo de serviço ao qual me refiro. Além disso, o clima, os costumes e o silêncio deste lugar são muito diferentes dos que eu me acostumara em minha aldeia.
Por conseguinte, acabei por entrar neste torvelinho, em que toda minha energia criativa era sugada pelo meu trabalho oficial, e tanto minha vida pessoal quanto criativa acabaram por se tornar mortiças. Felizmente, com rapidez recuperei a energia, e por isso posso, hoje, escrever aqui de novo.
Desde já, agradeço a paciência de todos vocês, meus leitores, com esse contratempo. Continuem comigo, que em breve, muito em breve, virão as coisas as quais lhes havia prometido.
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terça-feira, 11 de novembro de 2008
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 1 (de 5)
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A partir de hoje, postarei trechos iniciais de livros (pode ser uma frase, um parágrafo, ou mais) dos quais gosto muito. A idéia é, depois disso, fazer também uma reunião com os melhores desfechos. Os trechos serão postados um por semana, às segundas, sempre com uma informação sobre o livro do qual foi retirado.
Hoje, começamos com o primeiro capítulo (bem curto, por sinal) de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov, da qual já tratei aqui. Nabokov foi um mestre do estilo, e, mesmo sendo russo, aprendeu o inglês e tornou-se um dos maiores estilistas da língua, estando no mesmo nível de muitos estilistas clássicos e legitimamente ingleses.
Obviamente, e ainda mais com livros muito calcados no estilo, muito se perde na tradução. Contudo, não postarei os trechos originais aqui, para manter a lista mais acessível. Só que é fácil de achar na internet o texto original, então procurem. E nesse caso, especialmente, temos a sorte de contar com um tradutor como Jorio Dauster para Nabokov, um verdadeiro artista da transcriação.
Aproveitem, então, o trecho, e, também peço, procurem ler o romance todo. É espetacular!
_________________
Lolita, de Vladimir Nabokov. Tradução de Jorio Dauster. Parte 1, Capítulo 1:
“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins –os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.”
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A partir de hoje, postarei trechos iniciais de livros (pode ser uma frase, um parágrafo, ou mais) dos quais gosto muito. A idéia é, depois disso, fazer também uma reunião com os melhores desfechos. Os trechos serão postados um por semana, às segundas, sempre com uma informação sobre o livro do qual foi retirado.
Hoje, começamos com o primeiro capítulo (bem curto, por sinal) de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov, da qual já tratei aqui. Nabokov foi um mestre do estilo, e, mesmo sendo russo, aprendeu o inglês e tornou-se um dos maiores estilistas da língua, estando no mesmo nível de muitos estilistas clássicos e legitimamente ingleses.
Obviamente, e ainda mais com livros muito calcados no estilo, muito se perde na tradução. Contudo, não postarei os trechos originais aqui, para manter a lista mais acessível. Só que é fácil de achar na internet o texto original, então procurem. E nesse caso, especialmente, temos a sorte de contar com um tradutor como Jorio Dauster para Nabokov, um verdadeiro artista da transcriação.
Aproveitem, então, o trecho, e, também peço, procurem ler o romance todo. É espetacular!
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Lolita, de Vladimir Nabokov. Tradução de Jorio Dauster. Parte 1, Capítulo 1:
“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins –os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.”
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Vladimir Nabokov
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Pílulas Cinematográficas, Edição 8
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Nessa edição das Pílulas, realmente nada em comum entre os filmes. Um deles é uma obra-prima do horror de um dos maiores gênios do cinema. O outro, uma interessantíssima reflexão sobre a representação cinematográfica. O último, finalmente, é uma envolvente e emocionante história passada na França do século XVIII. E um recado: semana que vem, o blog volta à programação normal. Cinema, agora, só às quintas-feiras. Pelo menos até a próxima onda de filmes...
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O Iluminado (The Shining, Stanley Kubrick, 1980): Em diversos rankings, O Iluminado consta como um dos melhores filme de terror de todos os tempos. E não é difícil perceber o porquê: em primeiro lugar, foi adaptado do livro mais assustador de Stephen King, mestre do horror na literatura. E em segundo, foi adaptado para a tela grande por um dos maiores e mais importantes cineastas de todos os tempos, Stanley Kubrick. Utilizando-se de seu talento completo, Kubrick compôs uma obra ambígua, misteriosa e que dá muito, muito medo. Por um lado, o enredo ajuda muito: ficamos o tempo todo com a dúvida sobre se Jack Torrance está enlouquecendo sozinho ou sendo atormentado por espíritos malignos. Por outro, a realização é primorosa: as atuações são todas espetaculares, a iluminação cria um clima fantasmagórico, a música é precisa em seu intuito de incomodar... enfim: Kubrick criou com este filme uma obra de horror única (que não se utiliza da escuridão, por exemplo), referência para todos aqueles que quiserem meter medo em alguém.
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O Desprezo (Le Mépris, Jean-Luc Godard, 1963): O filme já começa surpreendendo pelos créditos: ao invés de aparecerem escritos na tela, são narrados, pelo próprio diretor, enquanto vemos uma equipe realizando algumas filmagens. No fim, a câmera se volta para nós, e somos sugados para o mundo da imagem. As primeiras cenas mostram um casal na cama, mas têm algo de peculiar: ao invés de vermos a imagem colorida, com os três filtros sobrepostos, vemos somente a que foi filmada com o filtro azul, e depois a que utilizou o vermelho. Com isso, Godard deixa bem claro qual é o tema de seu filme. À medida que o enredo se desenvolve, vemos que aquele casal está envolvido nas filmagens da Odisséia, por Fritz Lang (interpretado pelo próprio), e, mais sutilmente, está sofrendo dos mesmos problemas (em certa medida) que Ulisses e Penélope têm (ou os personagens supõem que eles têm) na obra de Homero. Com o tempo, essa confusão entre o filmado (por Godard), o filmado (por Lang) e o vivido (por todos) vai se tornando mais profunda, e a linha que divide cada segmento, se tornando mais tênue, até o final trágico e inconclusivo. Enfim, uma obra essencial. E não era pra menos: com Jack Palance, Brigitte Bardot e Fritz Lang atuando sob a tutela de Jean-Luc Godard, tinha como dar errado?
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Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, Stephen Frears, 1988): Tenho que confessar uma coisa: a ambientação “nobres no século XVIII” me dá nos nervos. As perucas, o pó de arroz, os tons pastéis: todos esses elementos provocam em mim um certo sentimento de repulsa. Entretanto, isso não me leva a desgostar imediatamente de um filme ambientado na época. Foi o que aconteceu com esse longa. Embora, em seu início, tenha chegado a temer pela minha opinião, ao ver as carruagens com cavalos enfeitados e as sapatilhas, logo fui fisgado pela trama e as duas horas do filme passaram voando. O filme de Stephen Frears é, de fato, perfeito: o enredo, as atuações, o ritmo. Tudo se encaixa perfeitamente para contar a história das intrigas amorosas de alguns nobres franceses, baseada no romance epistolar de Chordelos de Laclos. Glenn Close, em especial, está espetacular, mas John Malkovich não fica muito atrás. Um desses filmes que podem ser vistos muitas vezes, descompromissadamente, mas sempre nos mantém ligados do primeiro ao último segundo.
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Extra: Chegada do Trem à Cidade (L'Arrivée d'un Train à La Ciotat, Auguste e Louis Lumière, 1895): Primeiro filme exibido publicamente, Chegada do Trem à Cidade é lendário. As pessoas, diz-se, pensaram que o trem sairia da tela e adentraria a sala de projeção, saltando sobre todas elas. Imaginem o fascínio, o medo e a surpresa de quem estava lá. Nas palavras de George Meliès, monstro sagrado do cinema: "A mostra começou com uma fotografia estática que depois de alguns segundos começou a se mover. O trem apareceu e acelerou em direção ao público. Nós estávamos estonteados por este espetáculo." Sem mais palavras, fiquem com o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=1dgLEDdFddk
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Nessa edição das Pílulas, realmente nada em comum entre os filmes. Um deles é uma obra-prima do horror de um dos maiores gênios do cinema. O outro, uma interessantíssima reflexão sobre a representação cinematográfica. O último, finalmente, é uma envolvente e emocionante história passada na França do século XVIII. E um recado: semana que vem, o blog volta à programação normal. Cinema, agora, só às quintas-feiras. Pelo menos até a próxima onda de filmes...
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O Iluminado (The Shining, Stanley Kubrick, 1980): Em diversos rankings, O Iluminado consta como um dos melhores filme de terror de todos os tempos. E não é difícil perceber o porquê: em primeiro lugar, foi adaptado do livro mais assustador de Stephen King, mestre do horror na literatura. E em segundo, foi adaptado para a tela grande por um dos maiores e mais importantes cineastas de todos os tempos, Stanley Kubrick. Utilizando-se de seu talento completo, Kubrick compôs uma obra ambígua, misteriosa e que dá muito, muito medo. Por um lado, o enredo ajuda muito: ficamos o tempo todo com a dúvida sobre se Jack Torrance está enlouquecendo sozinho ou sendo atormentado por espíritos malignos. Por outro, a realização é primorosa: as atuações são todas espetaculares, a iluminação cria um clima fantasmagórico, a música é precisa em seu intuito de incomodar... enfim: Kubrick criou com este filme uma obra de horror única (que não se utiliza da escuridão, por exemplo), referência para todos aqueles que quiserem meter medo em alguém.
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O Desprezo (Le Mépris, Jean-Luc Godard, 1963): O filme já começa surpreendendo pelos créditos: ao invés de aparecerem escritos na tela, são narrados, pelo próprio diretor, enquanto vemos uma equipe realizando algumas filmagens. No fim, a câmera se volta para nós, e somos sugados para o mundo da imagem. As primeiras cenas mostram um casal na cama, mas têm algo de peculiar: ao invés de vermos a imagem colorida, com os três filtros sobrepostos, vemos somente a que foi filmada com o filtro azul, e depois a que utilizou o vermelho. Com isso, Godard deixa bem claro qual é o tema de seu filme. À medida que o enredo se desenvolve, vemos que aquele casal está envolvido nas filmagens da Odisséia, por Fritz Lang (interpretado pelo próprio), e, mais sutilmente, está sofrendo dos mesmos problemas (em certa medida) que Ulisses e Penélope têm (ou os personagens supõem que eles têm) na obra de Homero. Com o tempo, essa confusão entre o filmado (por Godard), o filmado (por Lang) e o vivido (por todos) vai se tornando mais profunda, e a linha que divide cada segmento, se tornando mais tênue, até o final trágico e inconclusivo. Enfim, uma obra essencial. E não era pra menos: com Jack Palance, Brigitte Bardot e Fritz Lang atuando sob a tutela de Jean-Luc Godard, tinha como dar errado?
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Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, Stephen Frears, 1988): Tenho que confessar uma coisa: a ambientação “nobres no século XVIII” me dá nos nervos. As perucas, o pó de arroz, os tons pastéis: todos esses elementos provocam em mim um certo sentimento de repulsa. Entretanto, isso não me leva a desgostar imediatamente de um filme ambientado na época. Foi o que aconteceu com esse longa. Embora, em seu início, tenha chegado a temer pela minha opinião, ao ver as carruagens com cavalos enfeitados e as sapatilhas, logo fui fisgado pela trama e as duas horas do filme passaram voando. O filme de Stephen Frears é, de fato, perfeito: o enredo, as atuações, o ritmo. Tudo se encaixa perfeitamente para contar a história das intrigas amorosas de alguns nobres franceses, baseada no romance epistolar de Chordelos de Laclos. Glenn Close, em especial, está espetacular, mas John Malkovich não fica muito atrás. Um desses filmes que podem ser vistos muitas vezes, descompromissadamente, mas sempre nos mantém ligados do primeiro ao último segundo.
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Extra: Chegada do Trem à Cidade (L'Arrivée d'un Train à La Ciotat, Auguste e Louis Lumière, 1895): Primeiro filme exibido publicamente, Chegada do Trem à Cidade é lendário. As pessoas, diz-se, pensaram que o trem sairia da tela e adentraria a sala de projeção, saltando sobre todas elas. Imaginem o fascínio, o medo e a surpresa de quem estava lá. Nas palavras de George Meliès, monstro sagrado do cinema: "A mostra começou com uma fotografia estática que depois de alguns segundos começou a se mover. O trem apareceu e acelerou em direção ao público. Nós estávamos estonteados por este espetáculo." Sem mais palavras, fiquem com o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=1dgLEDdFddk
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