quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Por certo tempo não gostei de Clarice

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Por certo tempo não gostei de Clarice, suas paranóias, seus medos, seus sussurros desesperados e sem sentido. Não gostava dela, vi sua entrevista e não gostava, não gostei nem ali nem depois, seu olhar solto, sua expressão de mau humor, as palavras saindo com muito esforço da boca, a fala entrecortada, as frases ásperas e curtas que denotavam aos meus olhos um certo enfado, uma arrogância de achar a vida desnecessária e o mundo feio e chato demais. Não gostei dela ali nem depois. As pessoas que gostavam dela, também dessas não gostava, não gostava de ninguém que se sentisse atraído por aqueles lábios retorcidos para fora, os olhos rasgados no rosto, a fala, a fala... Não gostava de sua idéia, ou de seu livro que ia falar sobre uma retirante, sobre uma moça e a miséria e como a sociedade brasileira é injusta e isso tudo (não tinha, ainda, lido). Por certo tempo não gostei de Clarice, pois tinha preconceito, não imaginava o mundo que ela revela, a dor, tantas vezes repetida, que ela abre, a pergunta sem fim que ela faz a si e a mim e ao mundo sem parar nem por um instante, uma ansiedade da dúvida, a dúvida sem resposta, o assombro permanente do que não é entendido, não imaginava, não sabia, não gostava de Clarice.
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Mas agora eu gosto.
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Um comentário:

Ana Paula Brasil disse...

amo Clarice, a palavra epifania, o ímpeto de escrever para esvaziar-se, o uni-verso. feliz pelo seu encontro. :)