sábado, 10 de maio de 2008

Um Homem Com Uma Câmera

Somos avisados do radicalismo do filme desde o início. Um letreiro explica que este é um filme-experimento, que busca criar e aplicar uma linguagem totalmente cinematográfica, rompendo com a herança e a influência do teatro e da literatura. Sem diálogos, sem cenário, sem atores. Tudo isso conduzido pela mão de Dziga Vertov, um dos gênios da Sétima Arte da URSS, onde o cinema era a arte oficial de Lênin.

Inicialmente, o filme é quase um documentário, seguindo os conceitos do Kino-Pravda e Kino-Glaz (Cine-Verdade e Cine-Olho). Cenas do cotidiano são mostradas: o casamento e o divórcio, o nascimento e a morte. Pessoas indo ao trabalho, o fluxo dos homens nas ruas. Jogadores de futebol, atletas olímpicos. Mineradores, operários, telefonistas. Russas gordas fazendo topless cobertas de lama na praia... nada é demais ou de menos para a câmera de Vertov.

A parte sonora e musical é um espetáculo à parte. Executada pela Alloy Orchestra baseada em instruções escritas por Vertov, a trilha sonora é embasbacante. Os efeitos sonoros também são fascinantes, e ambos são de grande importância no filme, dando e seguindo o tom das cenas e dos acontecimentos.

Mas o grande trunfo do filme reside em sua análise da linguagem do cinema. Em sua reveladora exposição do processo. Não é mostrado somente os bondes e carros saindo de suas garagens, ou mulheres passeando de carroça. Também é mostrado o cameraman – o homem com a câmera – subindo uma torre para filmar os bondes, ou se equilibrando sobre uma outra carroça para filmar as mulheres em seu melhor ângulo. O filme trata, assim, dos truques, desafios e perigos do homem por trás da câmera. Vertov pára as imagens, as coloca em câmera lenta, as faz correr, tudo para expressar as possibilidades infinitas da filmagem.

E não é só: mostra também o grande truque do cinema, a montagem de um filme. Uma mulher recorta os negativos os examina, aciona o rolo, os cola novamente. O sorriso de uma criança, a reclamação de uma velha, o rush da multidão. Tudo ganha diferentes sentidos e conotações, parados ou em movimento.

O Homem com uma Câmera se insere, assim, no grupo sobre o qual já falei aqui, dos filmes sobre cinema, sendo talvez o primeiro e maior deles. Vertov foi um dos poucos artistas exclusivamente cinematográficos, e a Sétima Arte deve muito a ele. Sem dúvida, O Homem com uma Câmera é um dos filmes mais importantes de todos os tempos.

P.S.: O YouTube tem se mostrad um ótima fonte de ver filmes mudos antigos, de difícil acesso em DVD. Portanto, deixo aqui citada a fonte.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro, basbaqueado estou pela quantidade de coisas boas por aqui, no teu blog. Estou retribuindo, só agora, por causa da correria, a visita que fizeste ao meu espaço, no qual também escrevi sobre o Vertov.
Posso colocar teu blog entre os meus favoritos?
Sua escrita prende, seu bom gosto salta aos olhos.
Acho que teríamos muitas figurinhas cinematográficas para trocar, visto que nossos gostos se parecem muito.
De fato, o trabalho do Vertov é impressionante. Já o assisti três vezes consecutivas e sempre há algo magnífico a descobrir, não?

No momento, estou na fase Tarkovski. Estou lendo o livro dele, "Esculpir o Tempo". Que maravilha!

Bem, espero que mantemos o contato.

Tenha uma ótima semana, grande.

Tudo de bom!

Parabéns de novo...


elienai