quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Leituras... o retorno

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Com a pausa que eu dei no blog em Abril do ano passado acabei parando de escrever não só sobre filmes mas também sobre livros. Por isso, agora faço um apanhado dos livros que li desde então, comentando cada um deles pontualmente. As Leituras devem voltar a aparecer com frequência, embora eu tenha me libertado da obrigação de postar uma por mês ou algo do gênero. Continuem acessando o blog que, quando aparecer, vocês saberão!

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Vineland e Mason & Dixon, de Thomas Pynchon

O que é: Prairie Wheeler, filha do hippie Zoyd, conta com a ajuda de amigos para encontrar Frenesi, sua mãe, que a abandonou por motivos obscuros na infância, antes que a encontre Brock Vond, um agente do FBI completamente maluco por ela.

É fácil entender porque Vineland deixou os fãs de Thomas Pynchon frustrados. Comparado a O Arco-Íris da Gravidade, sua obra-prima anterior (publicada 17 anos antes), Vineland é um livro morno, quase sem-graça. Mas, tomado por si só, Vineland é um livro muito interessante. Mais uma vez, as qualidades de uma obra foram eclipsadas pelas expectativas. Vineland pode não ser um Arco-Íris, mas é indiscutivelmente um livro de Thomas Pynchon: Engraçadíssimo, surreal e recheado de personagens interessantes com nomes maravilhosos como Zoyd Wheeler, Brock Vond ou Hector Zuniga. No entanto, apesar disso, é um livro que evapora fácil da memória. É, dos que eu li, o livro com o enredo mais coeso e concreto do Pynchon, mas é um enredo a que o próprio autor dá pouca importância. Assim, o livro é dominado por cenas em que, apesar das peripécias e passagens serem muito engraçadas e às vezes também significativas, parecem mesmo na maioria das vezes esquetes de um programa de TV maluco, que sobreviveriam relativamente bem por conta própria. Isso dificulta o envolvimento emocional do leitor, e transforma o livro, que traz um retrato e uma discussão fantásticos sobre a Era Reagan e o fascismo ali presente, além da falência da “revolução” dos anos 60, em uma espécie de entretenimento esquecível, o que é bem distante do que ele é de verdade.

(O que é: O reverendo Wicks Cherrycoke conta a seus familiares, para distraí-los, a história dos personagens históricos Charles Mason e Jeremiah Dixon, astrônomo e agrimensor britânicos cujas observações tem lugar na Cidade do Cabo, na ilha de Santa Helena e, principalmente, na América, onde são responsáveis por traçar a Linha que depois levaria seus nomes, divisa entre os estados de Pensilvânia e Maryland e, futuramente, entre o Norte industrializado e o Sul escravista dos EUA.)

Mason & Dixon, por sua vez, é o Livro (novamente entre os que eu li) de maior potência emocional de Pynchon, um Épico delicado, irreverente e saboroso sobre a América, a Amizade, a História, a Escravidão e outros vários temas sobres os quais Pynchon disserta magistralmente. O Livro é um típico Tijolo, tem mais de 800 páginas, e pynchonescamente apresenta Dificuldades na leitura, mas, também pynchonescamente, nos prende de uma maneira quase sobrenatural, fazendo-nos lê-lo avidamente. Aqui, Pynchon faz um pastiche entre seu Estilo hipnótico e a Literatura Setecentista que transforma a Leitura do livro numa experiência deliciosa. Há uma espécie de Leveza graciosa em cada página, mesmo nas que tratam dos Temas mais sérios, um Tom paródico que nos provoca Sorrisos o tempo todo, e detalhes de Estilo, como o ubíquo uso de Letras Maiúsculas, que contribuem para esse Tom alegre. Como já foi muito falado, Mason & Dixon possui os Personagens mais humanos de qualquer Livro de Pynchon, de modo que seu Desfecho pode provocar Lágrimas (quase as provocou em Mim), algo talvez inédito na Obra do Escritor. No entanto, entre Gargalhadas, Sorrisos, Lágrimas e Prazeres Estéticos incalculáveis, o que se tem em Mason & Dixon é um maravilhoso Épico da Alma humana, um livro lindo e foda, para falar as Palavras certas, e é isso.

Fogo Pálido, de Vladimir Nabokov

O que é: Na primeira parte, um poema longo, de 999 versos, aparentemente uma autobiografia do poeta renomado John Shade. Na segunda, o comentário crítico da obra, cujo autor, Charles Kinbote, nos diz ser o poema na verdade a história do rei exilado de Zembla, “distante terra setentrional”, rei que se assemelha de forma surpreendente ao próprio Kinbote.

Esse foi um livro que me deixou um pouco frustrado. Talvez seja um exemplo do problema apontado por Umberto Eco em relação à literatura moderna: freqüentemente, a crítica de uma obra é superior à própria obra, ou, mais recentemente, a sinopse de um romance é melhor que o romance. Não que o livro de Nabokov seja ruim. O poema que dá título ao romance é maravilhoso, e a intriga central em si é fascinante. Mas, novamente, a intriga proposta, cujas possibilidades são inúmeras e de fazer cabeças explodirem, toma forma na realidade da obra como algo um pouco sem graça, repetitivo. Eu não diria mal executado, porque de fato está bem estruturado e há momentos muitos bons. Mas a trama é pouco crível, não possui tensão, o narrador é insuportável e, correndo o risco de soar repetitivo, a principal parte do livro é também repetitiva. Não que não tenha nenhum valor. Tem, é claro, é de fato uma nova possibilidade para o romance. Mas está para ser escrito (ou já foi e eu desconheço) o romance que leve sua proposta a uma realização mais expressiva.

Enquanto agonizo, de William Faulkner

O que é: Addie, matriarca da família Bundren, morre tendo como último desejo ser enterrada ao lado de seus parentes, numa cidade distante de onde vive sua família. Ainda que relutantes, seu marido e seus filhos empreendem a difícil viagem, jornada que coloca em relevo suas diferenças e suas mágoas.

Quando li Enquanto agonizo fui hipnotizado, terminei-o rapidamente, fiquei de queixo caído, acendi uma vela no altar de William Faulkner. Mas hoje, escrevendo sobre ele, percebo que lembro pouco do livro, que ele me marcou muito pouco, o que é uma espécie de decepção. É um pouco temerário dizer isso sobre essa instituição americana, mas nessa balança a forma superou o conteúdo de maneira negativa. Faulkner transforma ações cotidianas em uma narrativa épica, dá vozes expressivas e singulares a seus personagens. Mas estes parecem não ter muito o que dizer. É um trunfo narrativo, sem dúvida. É até mesmo possível dizer que o livro possui uma das narrativas mais impactantes que eu já tive o prazer de ler. Se eu tivesse escrito esse comentário logo após terminar de lê-lo, seria muito mais elogioso com certeza. Mas hoje, com a perspectiva do tempo, não penso em nada para dizer sobre Enquanto agonizo senão que é um trunfo técnico, lindo de morrer mas um tanto vazio.

A vida modo de usar, de Georges Perec

O que é: Um único momento, oito da noite do dia 23 de Junho de 1975, no edifício localizado no número 11 da rua Simon-Crubellier em Paris, retratado à exaustão. Bartlebooth, homem rico desejoso de não deixar um único vestígio na Terra, empreende uma missão de décadas - pintar 500 aquarelas de marinas pelo mundo, transformá-las em puzzles, montar os puzzles e destruir as aquarelas, completando assim um ciclo vazio -, e naquele exato momento morre, montando o 439º puzzle, fracassando portanto, enquanto a Vida acontece nos demais apartamentos do edifício. É essa vida que Perec captura, descrevendo o que está ocorrendo em cada lugar no edifício no momento da morte de Bartlebooth, e contando histórias sobre seus moradores.

Eis aqui um exemplo de técnica usada em função do conteúdo. Claro que a narrativa de A vida modo de usar não é tão vertiginosa quando a de Enquanto agonizo. E nem poderia, já que nesse grande romance não há propriamente um enredo a ser narrado. Mas sua construção precisa (e árdua) é o arcabouço perfeito para o que se diz, assim como o edifício retratado é o cenário para seus moradores. A vida é um épico da descrição, com sua brilhante e nunca repetitiva retratação dos cenários e personagens do edifício número 11 da rua Simon-Crubellier. E também é mais um filho da linhagem de As Mil e Uma Noites, com seu mosaico de histórias que, por mais que se afastem da memória, permanecem na alma. Pode parecer um pouco enfadonho a princípio, mas logo se é fisgado pela mágica sem origem aparente do livro, por seu voyeurismo que, no entanto, nunca é invasivo, mas antes expressivo, e sutil, e por sua alma de mistério nunca desvelado, elemento essencial de toda obra de Arte.

Homem em Queda, de Don DeLillo

O que é: Keith Neudecker, advogado separado da mulher, escapa do atentado às Torres Gêmeas, e o romance acompanha como sua vida se (re)constrói após o evento, assim como discute o impacto que o mesmo tem naqueles ao seu redor.

Outro livro interessante mas pouco marcante. Não é um primor técnico vazio, embora DeLillo seja tecnicamente um escritor fantástico. Tem conteúdo, mas seus personagens são um pouco vagos, por assim dizer, imprecisos. As discussões que apresenta são muito interessantes, mas é como se elas não dessem em nada, como se fossem o retrato de uma discussão filosófica que não chega a um termo e como se essa discussão, paradoxalmente, seja o que de mais importante está acontecendo. O livro é realmente uma obra importante, por ser a primeira realmente artística a lidar com os acontecimentos do 11 de Setembro, mas ficou a um passo de ser bem sucedido em causar todo o impacto que poderia.

Ficções, de Jorge Luis Borges

O que é: União de dois livros de contos de Borges, O jardim de veredas que se bifurcam e Artifícios, com a presença de diversos contos famosos do escritor argentino, como Pierre Menard, autor do Quixote; Tlön, Uqbar, Orbis Tertius; A Biblioteca de Babel e Funes, o Memorioso.

Muitos contos de Borges começam de uma maneira estranha, parecem ser contos ou crônicas, como se ele estivesse narrando uma coisa qualquer da própria vida. Muitos contos de Borges continuam de maneira estranha, parecem ensaios ou análises de um escritor ou obra, descrições de um lugar que ele conhece. Muitos contos de Borges terminam de maneira estranha, o fim parece ter se perdido, está localizado bem antes da última linha, ou bem depois. Mas, juntos, esses começos, fins e entrechos de seus contos formam obras perfeitas, peças únicas de uma literatura que só ele parece ter escrito. Borges era um erudito, e em um dos contos de Ficções ele chega a citar suas maiores influências. Mas, entre influências e influenciados, só Borges foi Borges, e só os contos dele são tão férteis, misteriosos e perfeitos. Podem me apresentar autores parecidos, eu com certeza vou apreciar muito. Mas acho difícil qualquer um desbancar o hermano do posto de meu contista preferido.

Os Detetives Selvagens, de Roberto Bolaño

O que é: Dividido em três partes, o livro acompanha a busca dos poetas Ulises Lima e Arturo Belano, os “detetives selvagens”, pela poeta desaparecida Cesárea Tinajero. Na primeira e terceira partes, a história é contada através do diário de Juan García Madero, jovem poeta da Cidade do México. Na segunda parte, a mais extensa, somos apresentados aos depoimentos especificamente localizados no tempo e no espaço de mais de 50 personagens, que contam longas histórias sobre si mesmos que ocasionalmente se encontram com as trajetórias de Lima e Belano.

É inexato dizer que Os Detetives Selvagens foi uma surpresa. Eu tinha altas expectativas com este livro, por tudo que tenho ouvido da obra de Roberto Bolaño (não Bolaños, o Chaves, mas igualmente genial). O que eu não esperava era ser tragado para dentro da história da maneira que eu fui, e encontrar uma riqueza tão grande de expressão e pensamento. Contraditório ao extremo, Detetives conta várias histórias para contar uma única, e fala de dezenas de personagens para falar de uns poucos (talvez dois ou três). Terminado o livro, resta um questionamento constante, “O que diabos ele quis dizer?”, “Qual é o sentido disso tudo?” e até mesmo “E daí?”. É, de fato, uma história de detetive, na qual o leitor é o detetive, e as pistas, por mais presentes que estejam nas palavras e frases, só encontram coesão entre as linhas, e até mesmo fora do livro, em algum lugar inominado que só a mente alcança. Os Detetives Selvagens é um daqueles livros cuja releitura é obrigatória, e cujo alcance ainda está por ser descoberto. Junto ao Pynchon e ao Borges, o melhor livro dessa lista. Espero ansioso o lançamento do último livro (e alardeada obra-prima) de Bolaño, 2666, publicado postumamente após a prematura morte, em 2003, aos 50 anos, do escritor chileno, e que deve ser lançado em Maior pela Cia. das Letras.
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2 comentários:

João G. Viana/Pudim disse...

O Thomas Pynchon é assim ó...

Sib disse...

Lembras quando te dei um livro do Nabokov de aniversário. Fiquei em dúvida entre o que eu te dei e o Fogo Pálido :)