terça-feira, 15 de setembro de 2009

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Abandonei a poesia pelas coisas que não têm som. De agora em diante não haverá mais “ais”, “ós” ou “uaus” para mim, somente a impassibilidade dos signos. Sob meus dedos estão eles, as curvas, os traços, os pontos na página branca, tocando-se de diferentes maneiras, desenhando variadas formas. Mas nenhum deles pode ser expresso pela língua que se bate contra os dentes ou pelas cordas que vibram no abismo da garganta. Eles não podem alcançar nenhum ouvido, estou sozinho na terra dos cegos, não há sequer um rei caolho para ver aquilo que digo. Os signos sem som trazem toda a solidão para dentro de nós, onde não podemos alcançá-la, e até mesmo dela somos apartados, sou apartado, eu sozinho, nem a solidão por companheira, somente o dedo sujo de tinta que rabisca signos sem som na folha cinza. Antes havia o som do mundo, e a alegria da bulha das coisas. Ai, ai, ai, ui, ui, ui, hein, hein, hein e as onomatopéias que brotavam sem ser vistas. Toc, ping, pow, tlec, clap, fung, oinc, atchim, auau, bang, grrrr, nhec, miau, cocoricó, zzzz, kablam, psiu,ô, ê, a, sons reduzidos à sua essência mais irredutível, situados no tempo entre o abrir e o fechar dos lábios, no tempo o tempo, antes do tempo de significar, tic, tac. E depois os dedos sujos, as paredes manchadas, aquelas coisas que eram pra ser aquelas coisas que eram. O “á”, “ê”, “ô” virando AEIOU as vogais todas e as consoantes entre elas, rabiscos de curvas, traços, pontos nas paredes e tabuletas de argila, signos para o som que eles ouviam. Tic, tac, som e sentido, mais sons, mais sentidos, os signos se unem e desse conúbio de símbolos nascem símbolos novos, filhos dos símbolos de antes. E a música é a pintura é a escrita é a poesia que é música, pintura, escrita, ver ouvir sentir na união de tudo que nós temos na cabeça e na pele e das coceguinhas que sentimos nas têmporas. Os signos de dedos sujos onde antes havia nada agora querem dizer tudo, eles estão ansiosos, são ansiosos por dizer, dizem antes mesmo de alguém ouvi-los ou sequer dar-lhes um instante de atenção, dizem tudo de uma vez, já disseram, já está tudo dito, nós é que ouvimos com atraso, atrasados somos. Por isso os sentidos se perdem, os sons deixam de ecoar, somente os signos permanecem, sem som, insignificantes, uma expressão próxima do vazio de todo aquele nada que há em nossos próprios ocos. Faz silêncio na estação, onde escrevo signos sem som no papel; é o resto. Os signos já correram em direção a seus sentidos, e os sentidos correram em direção à realidade, e o Som está nisso tudo, mas não em nós. Ficamos todos para trás, fiquei eu, estou sozinho na estação vazia, não há estação, somente eu e o meu redor, cheio de signos de exclamação e surpresa, de espanto e dúvida, e eles não fazem som, somente permanecem, frios, enquanto os encaro. E o meu redor sou eu.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Você acaba de desemaranhar uma confusão metalinguistica? Comentário onomatopéico: uau.

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.