terça-feira, 10 de março de 2009

Jules e Jim

Adaptado de um romance de Henri-Pierre Roché, Jules e Jim, para que sua linguagem seja compreendida, precisa necessariamente ser encarado como uma adaptação literária. Se o encararmos como um filme, simplesmente, acabaremos atribuindo-lhe defeitos que, na verdade, são parte de sua proposta e expressão. O principal deles, no caso, é a narração em off que percorre toda a narrativa, e, como é criticado frequentemente, acaba por explicitar coisas que poderiam ficar implícitas, ou confirmar o que poderia ficar em aberto. Mas isso é uma opção de Truffaut, que optou por não transformar a linguagem literária em linguagem cinematográfica, e sim transpor a literariedade para a tela.

Isso, aliado à montagem inovadora do diretor francês, deu ao filme uma agilidade quase vertiginosa, capaz de dar conta, em sua uma hora e cinqüenta minutos, de uma gama enorme de acontecimentos e situações. Afinal de contas, é a adaptação de um romance, e Truffaut, para conseguir adaptar uma narrativa longa, fez um filme picotado, com cenas curtas, rápidas e numerosas. Esse, mais do que a narração é o que eu considero o problema do filme: o ritmo. A edição é estranha, por vezes até incômoda, em sua maneira de apresentar as situações. A fotografia, por sua vez, é belíssima, e não por acaso, claro. Mas o que realmente se destaca, formalmente falando, é a tal da narração.

Como já dito, a narração é justificada. Truffaut, assim como outros diretores da Nouvelle Vague, queria aproximar o cinema da literatura, e para isso enchia as imagens de palavras. Embora se utilize de algumas técnicas inovadoras no filme, o principal recurso narrativo de Truffaut em Jules e Jim é mesmo a narração, como se o diretor lesse para nós o romance e o ilustrasse com imagens. Particularmente, não gosto desse artifício. Sou mais adepto de um cinema que se aproxime do de Vertov, que tente se assumir como arte singular, com seus próprios processos e técnicas. Não abomino a narração em si, mas prefiro que ela seja complementar ás imagens, e não explicativa. Jules e Jim não tem uma narração idiota, que fica contando o que já estamos vendo, mas às vezes tende para isso, explicando talvez fatos que não daria tempo de mostrar, numa ânsia de fidelidade típica da maioria das adaptações.

E tudo isso para quê? Que idéias Truffaut quer expressar? Aí sim a resposta se complica, e o filme ganha em conteúdo e complexidade. Basicamente, o longa é a história de dois grandes amigos, alemão e francês, no início do século XX, que acabam se apaixonando pela mesma mulher. Um deles se casa com ela, mas descobre que o temperamento e o espírito da amada são inconstantes, ansiosos, e que é difícil conviver com ela. O outro vai visitá-los e começa a se envolver com a mulher que já admirava, tudo isso com a conivência de seu grande amigo. Como se vê, é o tipo de história que dá margem a muita tragédia, mas Truffaut (ou antes o autor do romance) prefere tratar as coisas de maneira mais “leve”. Reparem que “leve” não significa “boba”, significa simplesmente que as coisas são mostradas com a maior naturalidade possível, sem que muito peso dramático seja colocado sobre elas. Nessa toada, Truffaut fala sobre amizade, sobre amor, sobre relações humanas em geral, e sonda nossos espíritos e sentimentos para descobrir como eles funcionam, principalmente quando confrontado com as amarras sociais/civilizatórias. É, em essência, um filme libertário, mas nunca deixa que nos abandone a incômoda sensação de que deixar pra trás as “convenções” das relações humanas, mesmo que a “sociedade” não diga nada, é um processo confuso e doloroso, que se dá não entre nossos desejos e os limites coletivos, mas entre os sentimentos antagônicos que disputam nosso coração.
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