quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Por segundo

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Quando elæ começou a cair, o tempo parou. Como bolinha de gude que revolve num tabuleiro de resta-um e de repente se encaixa, sua cabeça fez uma espiral descendente e estacou, no continuum preenchido de nuvens e assovio.

Os píncaros ebúrneos recrudescentes até há pouco se afigurando cada vez mais distantes já não mais se viam, mas um leve contorno de luz ainda podia ser divisado flutuando no infinito acima de sua cabeça.

Cascatas de luz misturando-se a flocos de neve, gotas de chuva e grãos de poeira revolviam derredor delæ, rasgando o ar e as nuvens num compasso lento. As partículas preguiçosas resistiam à gravidade inclemente e a cada segundo mal estavam em outro lugar que não no anterior.

Antes, não seria assim. Que perguntas haveria de fazer cuja resposta já não estivesse aos seus olhos? Não, beleza indizível e porte nobre, ascendência de toda nobreza, caminhar ereto, firme e ao mesmo tempo delicado e indiferente foram suficientes por um longo tempo.

E observar, sempre, a luz da Face que se derramava pelas esquinas, pelas paredes, que preenchia tudo e era tudo, e era tão mais bela e tão mais nobre que não se poderia dizer quanto. Bom o suficiente.

Mas se o que está acima não é capaz de provocar o sentimento errado, o que está abaixo com certeza será, com suas menos-belezas e menos-nobrezas e menos luz, brilho para acalentar a noite.

No meio do caminho entre o aos seus pés e o inalcançável, quedou solitária aquela estrela, os olhos antes tão altivos agora sempre baixos, temerosos de encarar o que não queria ver e ter de volta em seus pensamentos aquelas idéias que não queria...

Contudo quem disse que se pode escapar do destino? O fio foi trançado, a ampulheta derramou sua areia, as gotas da clepsidra findaram seu gotejar. E assim o momento chegou.

Os que estavam aos seus pés elevaram sem esforço os olhos até ele, e a luz que os iluminava foi sinistra. E houve sangue, guerra e desespero nos elevados plenos de luz, e eles foram derrotados, e as estrelas começaram a cair.

E elæ foi jogado da torre mais alta, e despojado de sua beleza e de sua nobreza, de sua luz e de seu poder, e seu corpo foi queimado pelas chamas do entre mundos, e ele fulgurou por um mero instante no céu, e então as chamas se apagaram e ele entrou no mundo decadente.

E em seus pensamentos perguntava-se o real sentido do que fizera, se O desafiara por própria condição ou se fora cuidadosamente levado a cair. E não bastasse qual fosse a resposta, caindo de costas olhava para cima, e a luz da Cidade não sumia, e em meio ao frio e ao pó de sua queda, já sentia um amargor profundo, uma enorme saudade de seu lar, e desejava terminar logo de cair para desviar os olhos e esquecer.

Mas o chão não chegava nunca.
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