sexta-feira, 28 de março de 2008

Épreci Sodarv Azãoao Ssenti Mentos

Sigamos então, tu e eu, pelas alamedas de vermelho e verde, onde as árvores se contorcem sinuosas para receber o sol. Sigamos pelos caminhos repletos de sussurros, onde o sorriso é não mais que um suspiro, onde uma leve contração de lábios indica a máxima felicidade. Continuemos, passo a passo, percorrendo essa estrada estreita onde mal cabemos juntos, onde cada avanço é feito lado a lado.

Deixemos as folhas caídas para trás. Que elas sejam levadas pelo vento e enfeitem o céu que nos ilumina pelas costas. Nós vamos alcançar a orla do mar, sentarmos embevecidos na rebentação, sermos banhados pela glória branca e azul das águas. Subiremos pela escada do farol, e contemplaremos a linha do horizonte unidos, olhar sobre olhar, para enxergar a mesma coisa.

Vamos nos perder no meio das pessoas que se cruzam sonolentas. Trazer cor mesmo no preto e branco da imaginação. Permaneceremos abraçados, de olhos baixos, e não será preciso gritar “Queremos ficar sozinhos.” A dança dos pés em marcha nos levará naturalmente para fora da multidão, onde encontraremos os dias do futuro à espera.

Sentemo-nos pois às margens de águas murmurantes, e unidos escutemos o doce compasso do coração. Ouçamos o pulso do sangue, que corre mais rápido nas veias agora que nós, duas almas vagantes, nos reencontramos e reconhecemos como iguais. Pulemos na corrente e sigamos mar adentro, até que o horizonte, céu e água, se abra e revele a luz tênue do dia.

O rio que nos embalava carinhoso se esvai em gotículas de segundos que me umedecem as pontas dos dedos. Não mais sinto como era estar ali, naquela terra. Só há lembrança, que pouco a pouco se dissipa no calor da manhã. Como é duro acordar e perceber que tudo não passou de um sonho.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Tommy

Difícil ser mais surreal que “Tommy”. Vejamos: aqui há uma igreja. Nela, onde Marilyn Monroe é Deus e Eric Clapton o sacerdote, Roger Daltrey (ou Tommy Walker) é o Messias, anfetaminas e Red Label, seu corpo e sangue, e o pinball, seu instrumento de salvação (além de a atividade mais lucrativa do mundo). Pois é, não fez muito sentido não é? Na verdade é tão bizarro que “dá até uma coisa ruim” assistindo. Mas isso não importa. Cheio de metáforas e símbolos visuais, o filme é, na falta de um adjetivo que se encaixe, digno de ser visto.

As participações especiais são inúmeras. Além do Clapton supracitado, tem uma Tina Turner vibrante, Elton John com botas gigantes (mesmo!) e até mesmo Jack Nicholson! Mas quem brilha de fato são a mãe de Tommy e seu amante. Oliver Reed cria um personagem fascinante, apesar da ausência total de caráter, e a atriz Ann-Margret é maravilhosa. A cena do banho de espuma, feijão enlatado e chocolate é espantosa, mas ambos brilham no filme todo. Keith Moon também se destaca, fazendo o que sabe melhor: ser louco. E Daltrey é bom em alguns momentos, mas talvez tenha esquecido que só deveria ser inexpressivo no início. Ainda assim, talvez muito dessa carga se deva ao seu personagem.

O filme é inspirado na ópera-rock do The Who, pioneiríssima, sobre um garoto (Tommy), que ao ver o pai e a mãe assassinarem o amante desta (no filme o amante e a mãe que matam o pai), é convencido por eles de que não viu nada, nem ouviu nada, e tampouco contará algo para alguém, tornando-se assim surdo, mudo e cego. O filme é extremamente dramático nesse aspecto, mostrando várias situações em que Tommy sofre por sua situação. Faltou só um pouco do ponto de vista do próprio personagem, para passar o sufoco e o desespero de estar completamente apartado do mundo.

Ainda assim, o diretor Ken Russel foi extremamente corajoso. O filme não tem um diálogo falado sequer. Tudo que acontece fora do escopo de narração das músicas é mostrado só pelos gestos dos personagens e pela situação em si. A cena em que Tommy recupera (literalmente) os sentidos é perfeita (e Roger Daltrey correndo acrescenta mais um pouco de bizarrice ao filme). No fim, temos uma estranha sensação de déjà vu, provocada pelo ciclo que o filme traça, revelando talvez seu propósito, e nos fazendo perguntar se Tommy encontrará alguém ao descer da montanha.

domingo, 23 de março de 2008

Hair

A guerra do Vietnã já foi tema de muitos filmes. Às vezes aparece como o grande mote, outras como cenário. Filmes como “Apocalypse Now”, “Platoon” e “Nascido Para Matar” a usaram como referência para falar da guerra como um todo. Outros, como “Across the Universe” e este “Hair”, receberam-na de herança por um motivo muito simples: ela faz parte do pacotão “anos 60”, e é essencial para entender a Revolução Cultural daquela década. Este filme de Milos Forman, um dos grandes musicais de todos os tempos, unindo o Vietnã e a cultura “flower power”, faz um libelo contra a guerra, e ainda tem um monte de gente cantando e dançando!

O tratamento que ele dá aos anos 60 não é especialmente crítico, tendo como maior pretensão mostrar os ideais da época, ou como é dito em uma das músicas: “Beads, flowers, freedom, happiness”, tudo isso claro regado a toneladas de drogas, especialmente as alucinógenas. Mas há sim momentos em que se mostra as conseqüências do modo de agir dos “true hippies” do filme.

As músicas e os números musicais estão ótimos, traduzem muito do discurso do filme (e de vários personagens) de uma maneira precisa. E Forman é um diretor primoroso (ganhou duas vezes o Oscar), e dá ao musical uma consistência fascinante. Dos atores também não há o que reclamar, estão muito à vontade nos papéis, mesmo o filme sendo de 1979, praticamente vinte anos após os eventos narrados na história.

E a questão da guerra, embora só apareça mais tardiamente no filme, é mostrada de uma forma surpreendente. Difícil não prender a respiração em uma das últimas cenas, e soltar um suspiro de pena ao conhecer seu desfecho. Sim, “Hair” cumpre perfeitamente bem seu papel de mostrar como a guerra afeta os seres humanos que ficam “em casa”, enquanto seus pais, filhos, irmãos, namorados, maridos vão à guerra. A cena do cemitério é a mais impactante nesse sentido. Apesar disso, “Hair” é extremamente otimista. A alegria, a liberdade, a união, a compaixão, são valores fundamentais do ser humano. Exercitá-los é o caminho. Let the sunshine in, folks!

sábado, 22 de março de 2008

Grease

É engraçado perceber como dois dos mais famosos filmes musicais tem o cabelo como referência, e até no título! O motivo disso é bem simples: a forma como alguém corta ou pinta o cabelo é um signo, um modo de se identificar com algum grupo, é uma forma de expressão. Assim, temos “Hair”, em que o cabelo é o símbolo da liberdade. E em “Grease” (no Brasil com o fascinante subtítulo “Nos Tempos da Brilhantina”)... bem, a música tema diz tudo: “Grease is the word, is the word that you heard. It's got groove it's got meaning. Grease is the time, is the place is the motion. Grease is the way we are feeling.”

Entretanto, enquanto aquele é dos 60’s, esse é dos 50’s, e obviamente isso faz muita diferença. Caso alguém não saiba, “Grease” é um musical seminal, um dos que nosso grande amigo John Travolta fez. O famoso trejeito de seu personagem, Danny Zuko, de sacar o pentinho e passá-lo lentamente pelo topete é antológico. Assim como o são várias das músicas da trilha sonora desse filme.

Inegavelmente, ele hoje tem uma aura um tanto brega, mas todos os musicais são um pouco bregas, e “i don’t give a damn” para isso. Eles são até um gênero um pouco restrito. Se você não gosta de cantoria, de pessoas que no meio de uma cena dramática começam a pular e dançar, não vai gostar de nenhum musical, seja ele com trilha sonora de Hip Hop ou ópera.

Porém, se você ignorar isso, terá a sua frente um ótimo filme. Um desses deliciosos filmes de sessão da tarde cheio de clichês de colégio americano, amores de verão, etc., com algo a mais todavia. Só ver Travolta com aquela cara de adolescente já vale o filme. Imagine então ver uma história divertida, engraçada, e com várias músicas boas no meio. Nada mal hein?

sábado, 8 de março de 2008

Excertos de poesia ruim

"Com fragmentos tais foi que escorei minhas ruínas"
- The Waste Land, T.S. Eliot (trad. Ivan Junqueira)

Numa fase de criatividade por inconformismo, mas enquanto "rebeldia-sem-causa", a inspiração acaba surgindo, nem sempre tão inspirada. Uma idéia de auto-análise, sem liga por enquanto, só possibilidades boiando. Os fragmentos não tem nenhuma relação entre si. Por ora.

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No começo, ser fim
A roda que gira em mim

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Eu sou o amor que se queda descontente
Sou o ódio que se esconde intermitente
A febre que se ergue imponente
Vida que se finda, impotente.

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O Amor será forte como a Morte?
A Morte mais longeva que a Paixão?
O Azar é tão pior do que a Sorte?
E a Loucura, tem mais tino que a Razão?

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Com o aço frio da derrota retalhaste minhas entranhas.
Com o veneno amargo da indiferença, fizeste
Do âmago de meu coração ruínas retorcidas.
Grota profunda, morada de feridas.

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Minha alma se expande, e vaza
Metástase inconteste, crescendo
Sozinha, suas regiões inchando
E perturbando meus poros, violados.

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Nada, Tudo, ou Quase
Caminho do meio
Sim
ou
Não.


quinta-feira, 6 de março de 2008

Exílio (parte III)

Um final tosco para algo que não me alegrava. Pode-se pensar ser melhor o nada que o de má vontade, mas não chega a isso. Só mal feito, mal trabalhado, mal escrito. Quem se importa, afinal? Será devorado pelas chamas do tempo, quando os séculos desfizerem-se em cinzas.

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Um episódio interessante da minha infância: acordar e ver o céu logo adiante de meus olhos. O teto que me protegia ausente. Um intermitente chocalhar de meus órgãos internos, a própria manhã dourando meus cabelos. Amarrado às costas de meu pai, carga do homem que cruzava trilha no campo. Eu nunca mais vi minha mãe, depois daquele dia. Penso que morreu. Talvez ali mesmo. Porque fugíamos, nunca soube. Mas a inconstância que me fazia enjoar, a claridade enervante, a luz do sol. A surpresa deu lugar ao medo, e o medo ao ódio. Horas servis, de um silêncio enraivecido, entoando pequenas orações de destruição contra a bola amarela que me arrancara dos sonhos e me jogara naquele jogo indefinido.

Não pensei nisso na hora, é certo. Veio-me à cabeça depois... nas lembranças de um momento difuso. E me retornava à mente agora, quando o homem encapuzado entrava pela sala e me chamava de Jericó. Era como se todo aquele ódio, aquele sentimento destrutivo guardado por tantos anos, houvesse simplesmente espairecido, vazado pelos meus poros, me deixando respirar. Jericó, um apelido que meu pai me dera, um codinome, cognome, para nos comunicarmos, após a jornada. Jericó, e o Sol, e um homem encapuzado me olhando nos olhos, parado no meio da sala. Pergunta típica. Quem é você?

Amigo de seu pai. Procuro você por muito tempo. Desde que ele morreu, me pediu para encontrá-lo. E dar-lhe isso: um colar, com a minha foto antiga, e a de minha mãe. Ele me olhou nos olhos, profundamente, como se procurasse algo, e partiu. Seus pés não levantavam poeira. Seu semblante não projetava sombra. Sua imagem desapareceu. Uma miragem devorada pelo sol. Meu grande inimigo...

Os livros foram todos ao chão. Álcool, fósforos. Observei minha fortaleza queimando, fornalha frágil, como outra qualquer. Dia da Ira! Em que os séculos se desfarão em cinzas! Os versos me voltam à mente, hinos, ódio salmodiante. Os meus séculos são revoltos pelo vento, as brasas se avivam, a casa desaba sobre si mesma. Os jovens que costumavam ter medo de mim... contra quem eu dirigiria meu ódio um dia, ao redor observando, olhos fixos. De nada adianta mais. Tudo será levado, no fim das contas. Eu pensei que minhas orquestrações poderiam trazer alento ao descompasso do mundo. Só antecipavam o inevitável.

Volto-me, ignorando as pessoas travestidas nas calçadas. As cinzas já sobem aos céus. Os séculos revoltosos. Miro o poente e encaro sua imensidão. Com determinada resignação, levanto meus pés do chão e volto a deitá-los sobre a terra. Passo a passo. E caminho para o sol.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Juno

“Juno” é um desses filmes pelos quais você simplesmente se apaixona. Aliás, acho que essa é uma característica marcante das comédias-dramáticas indies (como “Pequena Miss Sunshine”): serem adoráveis, bonitos e engraçadíssimos. “Juno”, entretanto, não é só mais um filme indie. Ele é cinema com C maiúsculo. Maduro, inteligente e apaixonante, é de fato um dos grandes filmes da temporada.

Seu plot não poderia ser mais tradicional: adolescente que engravida. Mas o tratamento que ele dá a questão está a anos luz de muito do que se vê por aí relacionado ao tema. É um filme tocante, que não faz julgamentos, nem santifica ninguém. São simplesmente pessoas com defeitos, problemas, e quando um problema desses surge na vida delas, elas lidam com isso.

Aqui, nenhum pai vai expulsar a filha de casa ou chamá-la de vagabunda. Ele vai lamentar, claro, mas também irá ajudá-la a superar o problema. Quando ela pensar em aborto, não será julgada, nem desistirá por causa de imagens grotescas ou algum discurso raivoso. Pode-se questionar a clarividência da personagem principal em certos instantes, ou a maneira como a maioria das pessoas fala no filme, mas isso é um argumento fraco e insignificante. Reduzir a humanidade a meia dúzia de estereótipos é que é errado.

A trilha sonora é outra das características indies do filme. Composta majoritariamente por Kimya Dawson, vocalista do Moldy Peaches, a trilha conta ainda com músicas que variam entre The Kinks e Buddy Holly até Belle & Sebastian e mesmo Velvet Underground entra na parada, para nosso deleite. Alegrinha e bonitinha, que junto à animaçãozinha do começo constitui um pilar indie. Mas, como já dito, o filme é muito mais amplo que isso.


“Juno” entra nos anais como outra obra sobre maturidade. Nesse filme, Junebug MacGuff ultrapassa, junto com seu companheiro Paulie Bleeker, a “linha de sombra”, e chegam ao fim de uma história em que não há vencedores ou perdedores, heróis ou vilões. Somente pessoas tangíveis, possíveis, reconhecíveis, e todas as suas derrotas e vitórias do dia-a-dia, que fazem delas verdadeiros heróis modernos, como todos nós.

P.S.: É uma espécie de fragmento de verdade particular: I don't see what anyone can see, in anyone else... but you

terça-feira, 4 de março de 2008

Onde Os Fracos Não Têm Vez

A idade simplifica o homem. De certo modo, é a segunda vez em uma semana que ouço idéia parecida. A primeira foi no recém-resenhado “Admirável Mundo Novo”: dois personagens discutem sobre Deus, e um deles diz que, quando estamos velhos, Deus é algo a que nos apegamos, por ser concreto, imutável, absoluto. Por outro lado, em “Onde os Fracos Não Têm Vez”, vencedor do Oscar de Melhor Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante, o mesmo personagem que diz a frase que inicia esse texto constata, em dado momento: “Eu sempre achei que, quando ficasse velho, Deus entraria em minha vida de alguma forma. Mas ele não o fez."

Tal personagem se trata de Ed Tom Bell, xerife em uma pequena cidade no Texas. Com uma narração sua, somos introduzidos ao filme. O Oeste não é mais o mesmo. No passado, os xerifes impunham respeito somente com sua presença, sua autoridade. Hoje, mesmo armados até os dentes precisam suar muito para parar os criminosos. Estes que estão cada vez piores e mais insanos, praticando crimes hediondos como finalidade em si.

Na verdade, o filme é muito mais do que aparenta ser. A sinopse geral dá conta que um soldador, Llewelyn Moss, quando estava caçando, topou por acaso com uma chacina, quilos de drogas, e um moribundo implorando por água. Ele encontra também uma maleta, repleta por dois milhões de dólares. Obviamente, esse dinheiro tem dono. Mas quem vem atrás de Llewelyn é uma besta, a personificação da Morte, um assassino chamado Anton Chigurh. Caberá ao xerife tentar salvar Llewelyn e parar Chigurh.

Mas, quem assistir ao filme esperando que tudo realmente gire em torno dessa história, irá odiá-lo. Seguindo a toada de muitos filmes atuais (provável reflexo de seu tempo), o final desse filme é ambíguo, e até mesmo anti-climático. Para extrair dele seu real sentido, é preciso compreender que a história do filme é só uma figura, uma imagem para os temas em torno dos quais o filme gira: a passagem do tempo, a mudança, e a própria natureza humana e da violência, com seus intermináveis mistérios.

No filme, o maior desses mistérios é justamente Chigurh. Nunca ficamos sabendo para quem ele trabalha (ou se trabalha para alguém), o porquê de ter começado a caçar Moss, ou as motivações para suas ações posteriores. Ele de certa forma representa o acaso. Mas um acaso que tem regras muito rígidas. O modo de ser e pensar dele pode ser completamente estranho a qualquer um, mas ele ainda assim segue uma lógica própria. Isso é traduzido em uma das melhores cenas da obra, em que um personagem conversa com Chigurh, e, encurralado, diz:

- Você tem idéia do quanto é louco?
- Você se refere à natureza desta conversa?
- Eu me refiro à natureza de sua pessoa.

E o acaso se torna ainda mais emblemático na penúltima cena do filme, última de Chigurh no longa. Não vou contar aqui para não estragar, mas tudo que a envolve nos faz pensar em como o acaso é poderoso. Mas, ainda assim, não age sozinho. Como fora afirmado logo antes, é tudo uma questão de escolhas. O acaso existe, sim, mas são nossas escolhas que determinarão seu reflexo. Moss, todo estropiado, tendo que pagar para conseguir um casaco, enquanto Chigurh o conseguiria de graça, se quisesse, é a imagem dessa lei.

Enquanto filme, ainda, “Fracos” entra no grupo daqueles inclassificáveis. “Sangue Negro” ou “Desejo e Reparação”, são dramas ao seu próprio modo. Mas “Fracos” é uma mistura estranha de ação, suspense, drama e um humor negro, cruel por vezes, mas muito engraçado. Uma das melhores frases do filme é quando Moss diz: “Gastei 1,5 milhão em prostitutas e uísque. resto, eu desperdicei. Mas é melhor eu parar por aqui, não vou entregar tudo de bom que o filme tem. Essa foi uma das críticas mais longas que eu já escrevi, e mais detalhadas, justamente pelo filme suscitar tamanho número de perguntas e dúvidas. Entretanto, meu objetivo é que vocês se sintam incentivados a ver os filmes resenhados, para que depois quem sabe possamos falar sobre eles.

Enfim: “Onde os Fracos Não Têm Vez” é sim uma obra prima dos Irmãos Coen, e mereceu ganhar o Oscar, embora “Sangue Negro” também seja espetacular. Será necessária uma segunda audiência do filme para entendê-lo melhor, mas assim, direto e fresco na memória, já é impactante o suficiente. Na última cena, meu coração disparou de expectativa, algo até um pouco estranho considerando que, como já dito, ela é extremamente anti-climática. Mas isso não impede que seja perfeita, afinal, a arte sempre nos surpreende. E a surpresa, aqui, é extremamente ambígua, e por isso tão tensa. Ao final da sessão, é difícil decidir se aquilo foi algum restolho de esperança, ou a simples constatação do vazio.

P.S.: Poema de Yeats de onde o título origianl do livro (e do filme, portanto), foi retirado: http://poetry.poetryx.com/poems/1575/

segunda-feira, 3 de março de 2008

Smoke and Water, Fire and Light (Iron Maiden São Paulo 2008)

A multidão murmurante se arrastava pela rua quando cheguei à esquina da avenida Antártica com a Turiassu. Os carros avançavam lentamente, seus movimentos tolhidos pelas centenas de pessoas que passavam entre eles. Eram por volta de dezoito horas. O grupo que vinha na van logo se separou. Orientado pelos policiais que guardavam a inquieta movimentação da turba, alcancei os portões do estádio e, após passar por cinco ou seis barreiras de seguranças, cheguei ao meu setor. Após uma rápida procura, encontrei meu primo, e sentamos para esperar o show.

Desde o início, senti o mundo pulsar. Enquanto andava pelo estádio, músicas ressoavam pelas caixas de som, e a multidão as cantava em coro: “Exit light, enter night...” e assim por diante. Nos mais variados tons de preto, com ocasionais cores destoantes, pessoas de todas as idades esperavam com ânsia pelo início da festa. Barbudos, cabeludos, meninas bonitas, pessoas grisalhas, idosas (talvez não mais que o próprio grupo), se reuniam ali, enquanto o céu escurecia.

Pontualmente às dezenove horas, as luzes se apagaram e o público levantou, gritando e comemorando. Entra no palco Lauren Harris, filha de Steve, e começa a tocar seu rockzinho genérico, autodenominado “powerpop”. Após a primeira música, muitos se sentaram novamente, e um número ainda maior começou a clamar: “Maiden! Maiden!” ou “Olê, olê olê olê, MAIDEN! MAIDEN”, coro que se repetiria com constância pelo resto da noite. Para alegria de todos, a apresentação de abertura durou somente meia hora, e a pobre coitada acabou escorraçada do palco aos gritos que exigiam o show principal.

Por volta das dez para as oito, uma garoa começou a cair, fina, mas logo engrossou, ensopando todas as camisetas, cabelos e afins e dissipando a nuvem de fumaça dos extratos de Cannabis sativa e Nicotiana sp. que empestavam o ar. Com altos e baixos, a chuva deixou de cair quando uma música já ressoava nas caixas de som, e às oito e dez, com uma pontualidade quase britânica, as luzes se apagam e o Iron Maiden entra no palco.

O discurso de Churchill, acompanhado por um clipe, é seguido por “Aces High”, que já faz tudo tremer. Depois, “2 Minutes to Midnight”. A setlist teria ainda “Revelations”, “The Trooper”, “Wasted Years”, “The Number of the Beast”, “Can I Play With Madness”, “Rime of the Ancient Mariner”, “Powerslave”, “Heaven Can Wait” e o final absurdo com “Run to the Hills”, “Fear of the Dark” e “Iron Maiden”. No bis, “Moonchild”, “The Clairvoyant” e a apoteótica “Hallowed be Thy Name”.

O tempo todo, o público gritou, cantou e pulou junto, num coro de 37 mil vozes. Durante “Rime of the Ancient Mariner” e, principalmente, em “Fear of the Dark”, viam-se inúmeras luzes de isqueiros e celulares, misturadas às peculiares lembranças vendidas por ali, como um par de chifrinhos brilhantes e uma inclassificável coisa que piscava em várias cores. O visual estonteante, porém, ainda deixava a dever à própria vontade da platéia, que se esgoelava para cantar as músicas e os refrões. A cada música, Dickinson gritava: “Scream for me São Paulo!” e o estádio vinha abaixo. É simplesmente indescritível a sensação de estar lá cantando “Run to the Hills” e “Fear of the Dark”, todos juntos, como enunciava uma bandeira que apareceu repetidamente no telão, numa espécie de culto, exercitando a “religion” de cantar e sentir a música do Iron Maiden.

Obviamente, toda essa emoção não deixou também os próprios integrantes da banda indiferentes. Na primeira vez que falou, Bruce foi ovacionado pela platéia que gritava seu nome, e chegou a envolver o rosto com a bandeira do Brasil. Ele estava visivelmente emocionado, um pouco envergonhado até, talvez. E fez uma promessa: voltará ao país ano que vem, com um show maior e melhor, cheio de efeitos, luzes e explosões! O baterista Nicko McBrain também foi ovacionado, e de fato todos ali mereciam isso. O show foi simplesmente destruidor, e com certeza ficará na memória de todos por muito tempo.

Após “Hallowed be thy Name”, quando as luzes do palco se apagaram e a multidão começou a se mover lentamente, ainda havia uma leve esperança de que eles voltassem, para uma ou duas músicas a mais, quem sabe? Mas não, só o que houve foi a luz, e então a voz de Eric Idle, do Monty Python, começou a cantar “Always Look On The Bright Side of Life”. Um final perfeito para um show idem. Espero ansioso pelo retorno deles.

sábado, 1 de março de 2008

Sangue Negro

É possível analisar a cinematografia de cada país baseado em temas que cada um apresenta como mais fortes. Nesse viés, o cinema americano seria o do Übermensch, do super-homem. Seja representado na figura do herói de guerra sanguinário, na do herói fantástico, ou simplesmente na do empreendedor. O que é comum é que haja um alguém que lute contra alguma coisa, em geral um sistema, uma sociedade, ou a própria natureza. Pode-se falar também, do cinema americano como o do conflito, da disputa entre dois homens. Essa característica fica bem marcada quando pensamos no faroeste, gênero típico dos EUA, que mostra muitas vezes indivíduos em conflito entre si, mas também contra algum tipo de entidade suprapessoal, como o deserto, a lei, etc.

Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), um dos brilhantes filmes do Oscar 2008, em grande parte mistura esses dois gêneros. Em princípio, há um empreendedor, representado na figura de Daniel Plainview, que trava sua luta contra a própria terra (e otras cositas más), buscando a riqueza acima de tudo, porém não a riqueza gratuita, e sim com uma finalidade muito precisa para ela. Mas em dado momento ele também encontrará um outro empreendedor, de natureza ao mesmo tempo semelhante e diversa da dele, e logicamente ambos entrarão em choque.

No início, temos um longo e silencioso trecho, em que acompanhamos o começo da trajetória de Plainview. Sem música ou diálogos, o vemos escavando o solo à procura de ouro em sua mina de prata, e encontrando petróleo. Alguns anos depois, um de seus empregados morre, e ele acaba adotando o filho do morto, tomando a criança como herdeiro e sócio. Finalmente, quando Plainview já é um prospector firmado, um jovem oferece-lhe uma informação em troca de dinheiro: há um oceano de petróleo sob a região onde ele morava. Assim, Daniel e o filho partem para lá.

São esses acontecimentos que introduzem o corpo do filme. Em Little Boston, a região donde manará petróleo, a Terra Prometida de Plainview, este encontrará um adversário. O pastor e auto-intitulado profeta Eli Sunday, fundador da Igreja da Terceira Revelação. O embate entre eles se dará desde o início, talvez por se reconhecerem como iguais. Um com a promessa de riqueza, e o outro com a promessa de salvação, os dois lutarão, física e psicologicamente. E nesse caminho, como previa o título original, infelizmente alterado, “haverá sangue”.

Tecnicamente, o filme é perfeito. Planos longos, grandiosos, simétricos, se unem com perfeição à trilha sonora arrebatadoramente genial de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead. A trilha é tão excepcional que mereceu menção em quase todas as críticas do filme, e mesmo os espectadores casuais perceberam sua grandiosidade. Outro destaque são as atuações. Primeiramente, há Daniel Day-Lewis. Seu Oscar foi mais do que merecido, é a melhor interpretação em anos no cinema (Hollywoodiano ao menos). Ele simplesmente é Daniel Plainview. Day-Lewis faz o personagem existir, e nos convence de sua veracidade. Destaque também para Paul Dano, que como o pastor Eli Sunday, se torna um inimigo a altura de Daniel. Mesmo o ator mirim Dillon Freasier impressiona. Num papel extremamente complexo para um garoto, ele convence.

Mas a técnica é simplesmente a forma perfeita para um conteúdo fortíssimo. O filme é longo, tem quase três horas, e para os que não estão acostumados, pode ser bem cansativo. Mas, naqueles momentos em que o tom do filme sobe, em que o lento observar explode e salta da tela, é que o filme mostra sua coragem e sua força. Nos deixam grudados na cadeira, prendendo a respiração, esperando pelo instante seguinte. A medida que o filme avança, e o sangue escorre - pelo chão, por dentro, sob a terra -, ele se torna mais arrebatador, culminando numa seqüência memorável e impressionante. Dessas que não saem da cabeça por muito tempo e entram para a história da sétima arte.

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