quinta-feira, 12 de março de 2009

Hiroshima Meu Amor

As cinzas que caem sobre os corpos entrelaçados dos amantes nos momentos iniciais de Hiroshima Meu Amor são os restos da cidade que, destruída, paira sobre a história deles, e os envolve, e os encobre. Mas, à medida que o ato sexual avança, as cinzas se convertem em suor, e depois vemos os corpos, limpos, parciais, e uma mão de mulher de mulher que se agarra nas costas de seu amante. Essa relação entre o homem e a mulher, entrecortada com o “documentário” que abre o filme, é signo das transformações e do discurso promovidos no filme de estréia do diretor francês Alain Resnais.

Hiroshima Meu Amor é, sem dúvida, um filme dialético, de imagens que dialogam, que se transformam, que se fundem. Faz parte da sua proposta encher-se de dicotomias, de aspectos opostos das coisas. Temos o ver e o não-ver, a memória e o esquecimento, o homem e a mulher, o ocidente e o oriente, o amor e a guerra. Justamente por sua estrutura dialética, aliada ao seu discurso, vemos como uma coisa dá lugar a outra, como uma coisa leva a outra. Em primeiro plano, há a atriz francesa casada e o arquiteto japonês casado que, sozinhos, acabam se envolvendo numa viagem de trabalho que a primeira faz ao Japão. Atrás deles, ou sobre eles, dependendo de onde você olhe, está Hiroshima, ou o horror e a guerra, e a constante lembrança do horror da guerra e do horror maior de seu esquecimento.

No presente, junto ao amante ocasional, ela se lembra de um amor passado, um estrangeiro, como ele, e do exército inimigo, como ele um dia foi. E ele ouve, tentando entendê-la, ajudá-la, atraí-la. Mas ela se perde cada vez mais no esquecimento. Dialética. Uma coisa leva a outra. Os dedos japoneses que se movem na cama remetem aos dedos alemães que se fecham, às portas da morte, sob o olhar desesperado dela. Mais uma vez, ela está sozinha, às margens de um rio, seja o Ota, o Loire, ou, mais importante, o tempo, que arrasta a memória, que lava as cinzas do amor e da guerra e leva embora as memórias para não mais serem encontradas. E no entanto, ela se agarra. E no entanto, ela quer lembrar. Agarra-se nas paredes de pedra da masmorra em que a própria família a prende por flertar com o inimigo, desesperada para manter as reminiscências de seu amado. Agarra-se às costas dele, seu novo amante, na cena inicial, enquanto das cinzas vai-se ao suor, enquanto imagens do horror de Hiroshima intercalam os espasmos de seu amor tórrido.

E fala, e fala, e fala. Marguerite Duras concedeu poesia ao roteiro, e o encheu de monólogos, que brotam do aspecto por vezes falso, por vezes triste, por vezes destruído de Emmanuelle Riva, e atingem os ouvidos de Eiji Okada, que os acolhe, e acabam enlaçando-os, com laços que pouco a pouco vão sendo desfeitos e levados embora pela corrente ininterrupta do tempo e da memória. Em sua estréia nos longas metragens, Resnais não estava de brincadeira, e fez um dos filmes mais dificilmente belos já transmitidos a 24 frames por segundo em uma sala de cinema.
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