
Hiroshima Meu Amor é, sem dúvida, um filme dialético, de imagens que dialogam, que se transformam, que se fundem. Faz parte da sua proposta encher-se de dicotomias, de aspectos opostos das coisas. Temos o ver e o não-ver, a memória e o esquecimento, o homem e a mulher, o ocidente e o oriente, o amor e a guerra. Justamente por sua estrutura dialética, aliada ao seu discurso, vemos como uma coisa dá lugar a outra, como uma coisa leva a outra. Em primeiro plano, há a atriz francesa casada e o arquiteto japonês casado que, sozinhos, acabam se envolvendo numa viagem de trabalho que a primeira faz ao Japão. Atrás deles, ou sobre eles, dependendo de onde você olhe, está Hiroshima, ou o horror e a guerra, e a constante lembrança do horror da guerra e do horror maior de seu esquecimento.
No presente, junto ao amante ocasional, ela se lembra de um amor passado, um estrangeiro, como ele, e do exército inimigo, como ele um dia foi. E ele ouve, tentando entendê-la, ajudá-la, atraí-la. Mas ela se perde cada vez mais no esquecimento. Dialética. Uma coisa leva a outra. Os dedos japoneses que se movem na cama remetem aos dedos alemães que se fecham, às portas da morte, sob o olhar desesperado dela. Mais uma vez, ela está sozinha, às margens de um rio, seja o Ota, o Loire, ou, mais importante, o tempo, que arrasta a memória, que lava as cinzas do amor e da guerra e leva embora as memórias para não mais serem encontradas. E no entanto, ela se agarra. E no entanto, ela quer lembrar. Agarra-se nas paredes de pedra da masmorra em que a própria família a prende por flertar com o inimigo, desesperada para manter as reminiscências de seu amado. Agarra-se às costas dele, seu novo amante, na cena inicial, enquanto das cinzas vai-se ao suor, enquanto imagens do horror de Hiroshima intercalam os espasmos de seu amor tórrido.
E fala, e fala, e fala. Marguerite Duras concedeu poesia ao roteiro, e o encheu de monólogos, que brotam do aspecto por vezes falso, por vezes triste, por vezes destruído de Emmanuelle Riva, e atingem os ouvidos de Eiji Okada, que os acolhe, e acabam enlaçando-os, com laços que pouco a pouco vão sendo desfeitos e levados embora pela corrente ininterrupta do tempo e da memória. Em sua estréia nos longas metragens, Resnais não estava de brincadeira, e fez um dos filmes mais dificilmente belos já transmitidos a 24 frames por segundo em uma sala de cinema.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário