segunda-feira, 2 de março de 2009

Grandes Desfechos de Livros 5 (de 5)

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Nas últimas 4 semanas, coloquei aqui no blog os trechos finais de quatro grandes livros. Cada um tinha algo de peculiar e único, que se relacionava com sua maneira de ser. Dois eram conclusivos. O de O Barão nas Árvores fazia uma recapitulação sentimental dos acontecimentos narrados e da própria narração dos acontecimentos. O de Grande Sertão: Veredas, por sua vez, era conclusivo no sentido em que respondia, de uma maneira profunda e de múltiplos significados, a questão que o romance se colocava. Os outros dois finais eram, ao contrário desses, escandalosamente abertos. O de Finnegans Wake terminava numa frase e se ligava, como que por mágica, ao início do livro, enquanto o de O Castelo também terminava numa frase, mas não se ligava a nada, somente nos deixava, sozinhos, frente ao desconhecido.

Já o final que escolhi para finalizar essa lista é ainda mais singular. De uma certa maneira, ele une a recapitulação, a conclusão e a abertura para criar um dos desfechos mais enigmáticos de toda a literatura. Como eu já havia alertado no início da lista, e como fica claro pela proposta dela, são os finais dos livros, o que é bem diferente dos começos, e esses finais, embora não estraguem em geral, a experiência da leitura, podem ser prejudiciais para alguns, dependendo da opinião de cada um.

No caso de O Arco-Íris da Gravidade, o último final (ao menos dessa edição da lista), o último trecho do livro é tão rico e exemplar que pode, sim, revelar algumas coisas. Eu mesmo evitei lê-lo, e só o fiz após ter lido o livro todo. No entanto, o final está tão intrinsicamente ligado ao resto do livro que lê-lo para apreciar sua forma não estraga, de fato, em nada o prazer da leitura, mas antes cria uma expectativa ainda maior a medida que as páginas se sucedem.

Dito isso, podemos prosseguir ao que o torna único, e bem, devo confessar que fico um pouco sem palavras. Embora seja o número cinco - esse número é só para efeito de organização, e não de hierarquia -, posso dizer que é o meu final preferido de livro. Na última divisão apresentada por Pynchon, os trechos ganham títulos, imensamente significativos, e o carrossel deflagrado por tempo e espaço pelo Foguete culmina numa ascensão além do zero, antes de começar a cair, após o Brennschluss, e por fim encontra seu fim em uma explosão silenciosa sobre um velho cinema. Lançando mão de técnica, ritmo, significado e precisão espantosos, Pynchon coroa sua obra-prima com esse final que, a cada vez que eu leio, me causa mais assombro. Acompanhem a bolinha.
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"Queda

As palmas rítmicas ressoam entre estas paredes, duras e luzidias como carvão: É ho-ra! Co-me-ça! É ho-ra! Co-me-ça! A tela é uma página pálida estendida ante nossos olhos, alva e calma. O filme está partido, ou então queimou a lâmpada do projetor. Era difícil até para nós, velhos fãs que sempre vivemos no cinema (não é?), saber o que aconteceu antes de a escuridão enlaçar a sala. A última imagem era imediata demais para ser registrada pelo olhar de quem quer que fosse. Talvez uma figura humana, sonhando com um fim de tarde em cada grande capital luminoso o bastante para lhe dizer que ele jamais morrerá, indo à rua para fazer um desejo diante da primeira estrela. Mas não era uma estrela, estava caindo, um luminoso anjo da morte. E na extensão terrível da tela, cada vez mais escura, alguma coisa persiste, um filme que aprendemos a não ver... agora é o close de um rosto, um rosto que todos conhecemos –

E é bem nesse ponto, este quadro escuro e mudo, que a ponta do Foguete, caindo a um quilômetro e meio por segundo, absoluta e eternamente sem som, alcança seu último imensurável intervalo acima do telhado deste velho cinema, o último delta-t.

Há tempo, se este conforto lhe parece necessário, de tocar a pessoa a seu lado, ou de pôr a mão entre as suas próprias pernas frias... ou, se é preciso cantar, eis uma canção que Eles jamais ensinaram a ninguém, um hino de William Slothrop, há séculos esquecido e jamais reeditado, para ser cantado com a melodia simples e agradável de uma ária da época. Acompanhe a bolinha:

É a Mão que faz o tempo andar,
Ainda que em tua Ampulheta se esvaia a areia,
‘Té que a luz que abateu as Torres altas
Chegue à Alma Preterida derradeira...
‘Té que os Viandantes durmam à beira
De toda vida desta Zona estropiada
Com um rosto em cada encosta de monte,
E uma Alma em cada pedra da estrada...

Agora todo mundo – "
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Sua vez! Veja o resto do Top e contribua, dizendo quais os finais mais marcantes para você.
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