sexta-feira, 13 de março de 2009

A Roda #14 - Tratado Universalizante da Xurepa, Parte 1: O Significado da Xurepa - A Língua da Palavra Sagrada


por Lobato Légio

Já se entende, estando nesse ponto, de que natureza a Xurepa é, e a que classe de coisas ela “pertence”. Em termos: a Xurepa é a linguagem de que os entes se valem para relacionar-se com outros entes e o espaço ao redor. Decerto, é por demais ambicioso procurar descrever todas as relações existentes no Universo. Por isso, como já mencionado anteriormente, ateremo-nos, neste tratado, a analisar o aspecto da comunicação consciente que emana da Xurepa, a mais propriamente conhecida linguagem do ser humano, de que ele se vale para expressar-se funcional, filosófica e artisticamente.

Antes, porém, é válido sondar algumas das outras possibilidades de relação que a Xurepa configura. A Xurepa é, pois, a fonte das relações, o centro donde emanam as justificativas da existência. Algumas agremiações religiosas e filosóficas humanas já se dispuseram, ao longo dos séculos, a listar e catalogar todas as formas de relações possíveis, e então tentar encaixá-las em grupos gerais. No entanto, obviamente, seus intentos nunca chegaram a um termo e, conquanto tenham nos legado uma valorosa herança, é por demais ingênuo buscar nos tomos e livros secretos uma descrição da ordem das coisas. Se quer-se descobrir que espécies de relações a Xurepa constitui, ou ainda, que espécies de relações existem, basta olhar para o mundo, e num único quadro poderão ser observadas as mais diversas relações.

Exemplifiquemos com a clássica paisagem idílica, um gramado verdejante que encobre colinas baixas até onde a vista alcança, num dia de sol forte e algumas nuvens no céu, quando o vento está soprando e, ao lado de uma árvore, um casal de namorados faz um piquenique, enquanto uma criança corre atrás de uma bola e passa por uma pedra. O vento fustiga o mato, fustiga a pedra, fustiga os rostos dos amantes e da criança. Os rostos, o mato, a pedra, todos recebem o vento, impotentes, mas com prazer. A pedra se apóia no chão, e esmaga a grama, e impede a luz solar de atingir o solo abaixo de si, absorvendo-a toda em sua superfície acidentada, acinzentada. A árvore vive, puxa a água do solo, recebe o sol em suas folhas, lança sombras sobre os namorados. A bola rola sobre o chão, foge da criança, corta o ar. A criança move suas pernas, pisa nas folhas, sorve o ar, ofegante. As nuvens lançam-se no vazio, movem-se lentamente, unem-se, dividem-se e multiplicam-se. Os amantes dão-se as mãos, e se amam. O sol, constante, a tudo ilumina.

Destarte descrita foi uma grande variedade de relações xurépicas, de toda natureza, mas não o bastante. Foi antes um pequeno fragmento, e mesmo a pedra quieta sobre o solo arenoso relaciona-se de mais maneiras do que a soma de todas as apresentadas no parágrafo anterior. Como se vê, a Xurepa está em toda parte, e assim permanece infinita, insaciável de ser novas relações.

A nós mortais, contudo, a nós solitárias marmotas, filhas da terra e da escuridão, a percepção de todas as existências e de suas relações é um atributo sobremaneira imenso, demasiado superior às nossas forças e ao tempo de que dispomos. Por isso, notamos a Xurepa em seu aspecto mais capaz de despertar em nós uma reação. Se a Xurepa, de seu absoluto original, ramificou-se, dividiu-se, formando toda uma árvore, todo um caminho de novas relações, foi pelo caminho da linguagem e da comunicação que ela nos alcançou. Com a palavra sagrada que nos fala ao espírito, a Xurepa falou, e desde então nós ouvimos. A poesia, a dança, a beleza, a magia, a oração... todas as manifestações artísticas, religiosas ou espirituais de maneira geral são em verdade manifestações da Xurepa, canções e versos proferidos na língua primordial, a língua mãe que somente o coração pode entender, e que o corpo, a mente e a boca traduzem para melhor apreensão dos nossos sentidos.
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