sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Exílio

Por último, um texto que comecei a escrever especialmente para o blog. Dêem suas opiniões que esse pertence a vocês, então tudo que vocês disserem será considerado. Aí vai:

Três árvores cobriam o frontispício da casa 57, a penúltima da Rua Aristodemo Fallecy. O concreto da ladeira parecia escorrer, se acumulando em frente da casa como magma derretido. Um homem vinha descendo lentamente a rua, com as mãos nos bolsos. Sua cabeça estava coberta pelo capuz do blusão azulescuro. Seus tênis desgastados escapavam habilmente dos buracos que pontilhavam a ladeira.

Ignorando o visitante solitário, a casa 57 repousava humilde e soturna além da calçada. Não se entrevia sequer um pedaço de seu muro, e o portão se escondia na penumbra de um tronco esperando que dedos passassem por ele. Pouco se via do quintal além. O único sinal de vida era um gato marrom que dormitava sobre um saco de areia jogado num canto. A porta permanecia fechada, o carpete jazia imóvel e as venezianas fechadas não denunciavam os olhos que por detrás delas espreitavam.

Inferno. O sol desgasta o concreto velho e o faz emanar seus segredos sujos. Quantos pés malditos já não terão pisado ali? A calçada é minha muralha, minha casa é meu corpo, eu sou. Não, nenhum deles nunca jamais ousará tocar em mim, eu, o único que vive.

Os vizinhos falavam dele em lendas, histórias contadas pelos garotos maiores para manter os outros sob seu comando por mil e uma noites. Inventavam-lhe muitos nomes: Carlos o Terrível, Francisco o Pequeno e Zé o Breve. Cognomes sussurrados com cuidado em frente às suas muralhas quando a noite já estava velha e prestes a dar a luz a um novo dia. Adaraluza. O viúvo da frente o chama Cão Andaluz. Sim, um cão andaluz. Eu sou a navalha, sou o olho, sou a lua. Não a nuvem. Ela passa. Só sou nuvem enquanto baleia encalhada na orla desse lugar imundo. Inferno.

Derrepentemente, a lua nas paredes de sua casa é cheia e parece estar então tão perto quanto se possa ver; mas ele não vê. Que vulto é este que ousa pisotear minha pele e soprá-la longe, desnudando-me como se eu fosse só. Não há campainha, mas as palmas soam repetitivas, abrindo-lhe os poros e cravando-lhe as crateras. Sim ou não. Simounão. Mounisão. Sãnimuo. Ele aperta um botão e o portão solta suas trancas. O homem que esperava lá fora força a ferrugem e o pó acumulado e abre o portão. Ele vem caminhando lentamente. Toc-toca a porta.

Lenta giramente a chavetusta. O carvalho avança sobre mim, e agora, luz do dia? Que castigo você me reserva? Sua mão fica parada. Sim, sim, quem escolheu esse dia é esse o dia por que esse dia quem foi? A maçaneta gira lentamente. Não, não. A porta de carvalho se abre lentamente, avançando sobre ele. Oro supplex et acclinis cor contritum quasi cinis gere curam mei finis. A porta se escancara totalmente arrancando à luz os móveis padecentes. O Invasor se revela e, dando um passo à frente, retira seu capuz.

- Salve, Jericó, vim salvar-te de tuas muralhas.

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Findo esse proêmio, eu é que parto para meu exílio. Curto exílio, este, mas exílio será. Espero encontrar esses meu lar internético fervilhante quando do meu retorno. Grande abraço e feliz natal!

Trechos

Por algum motivo obscuro, resolvi postar trechos de duas de minhas cruzadas literárias. A primeira, seminal ainda, verá revelado seu primeiro trecho, do primeiro capítulo. Pretende ser um romance, meu primeiro, e espero que seja mesmo. O tempo julgará:

"Ele disse: vem, ah, vamos lá sim foi o que ele disse. Era uma vez e de repente puff um lugar curo e esquente e eu lá sentindo. Porque se fosse mesmo kupish e lalalá, rabinho ficando pra lá fora enquanto meio eu vai se espremendo pra caber na outra metade. Aí eu não sei por que deveria ser diferente e eu não vi isso. Só lembro do era uma vez: de repente puff e eu estando lá naquele lugar escuro e quente. Eu não sabia que era escuro ou quente, nem sabia, mas se soubesse pensaria 'que diabos' e isso seria uma coisa muito feia a se pensar logo assim, no início. Se bem que, no Início, alguém pensou logo 'que diabo!' e é por isso que as pessoas hoje são más, más mesmo. E ele dizia: fique aqui! ou então: venha cá! mas eu estava crescendo e de repente pude abrir os olhos e ver. E tinha uma grande coisa vermelha que me deixava feliz e quando eu dormia sonhava com um homem com um nariz grande que falava comigo e eu ouvia a voz de uma mulher chamada Mamãe. Mas eu fiquei com medo e acho que você deveria entender porque eu vivia ali e ele disse depois tudo ia ser diferente. Mas acabei descobrindo que morrer pode ser nascer e nem sempre as coisas são assim ao pé da letra. No fim que na verdade era começo me tiraram do escuro-e-quente e daí veio um clarão muito grande e eu abri os olhos e eu abri a boca e eu gritei e chorei mas era de alegria e felicidade porque ele me disse boa sorte a partir de agora é com você. Então eu olhei para a mulher chamada Mamãe e respirei e olhei para o homem de nariz grande e sorri. Mas vi que ele estava indo embora e me deixando sozinho e eu tinha que dizer adeus. E eu disse levantei minha mão e cinco dedos e disse adeus. adeus."

O nome deste nascente romance? Amortescimento. =D

Agora, trechos aleatórios da minha Pequenestória di Lovi, essa sim, conclusa e vai muito bem, obrigado:

"Ecos se estendia à nossa frente, ressoando, vertendo, voando, revolvendo, caminhando, cavalgando, correndo, seguindo, subindo, sumindo, sendo. E em frente fomos, ascendendo, descendendo, adentrando a Cidade Cidade, a mais indescritível, e quando isto digo não falo de forma vazia, das coisas que existem. Naquela Cidade cercada por muralhas, estava contido o Universo, eles em sua infinitude. Suas ruas-rios espiralavam, esquinavam, labirintavam, sendo e não fios de uma malha, sendo e não afluentes de água alguma, sendo e não os todos os caminhos. Era a última fronteira e posto de observação do Oceano de Além Mar. Um farol de Caos e Ordem. Uma fonte de Águas e Atos. A voragem das Coisas. Por si, caminhavam histórias e fatos, momentos, momentantes e não-momentos imaginados e impossíveis, cantando na eternidade a sinfonia dissonante da existência. Ecos era, foi e será sempre a maior de todas as coisas, o centro de todas as cidades, os prelúdios e epílogos. Coisas. Cidades. Começos."

"Tokaromar se extendere por variados espaços nenseada dium continenti qualquer. Os passos sobráguas em substância cascateiam, em entre baixágua e nágua. Espadim recortando a marlha seânica, é carnilagem, mertall, ouque. Orichalkos brota, parece lava, que lava. Lavulcânico martal. Onomartopéias como quando se gota na grota. Palmars: Clap-clapsidra gotejando o tempo. Fishstórias começaram então a pulular, nadandando. Nihilhas brotavam, margicas, pheitas dorichalko, polvilhadas de peixestórias. Seano distórias: Luziadhas navegantes nantes navegados. Maris infindo: Ó histórias! Submerjam, revoltem! Navegandamos, somos proa-y-popa; este e bom bordo. Shegamos em: Rodamunho, rodamoinho, roda-mundo: roda no mar."

"
Tocando o solo negro, que se erguia padecente, atravessandamos pela muralha invisível da insânia e O avistamos. Descreve-se a visão dos medos e loucuras, dos pesadelos e realidades, das profecias e fatos que se viram, ali naquele instante: de sua boca brotava a noite, enveredando por caminhos mímicos de aparições e sonhos maus. Lapsos de luz fantasmagórica, envoltas em neblinas terríveis. Os pesadelos vertentes assumindo feições de treva transmutavam o ar inexistente em ódio e pestilência. Olhos faiscantes denunciando abismos afundantes na lama. Do fim dos tempos, imagens desconjuntadas. Um avomem, agrilhoado a um grande pau, vomitando visões proféticas, de horror, desolação e hidrofobia. O cavalo esqueletal, mesmo dos olhos poços profundos profanos de gigantes, agonizava em meio a uma multidão. Uma revoada de lâminas encobria a luz do crepúsculo, fazendo chover sangue de suas bocas assassinas. Carcaças crucificadas decompunham-se, preenchendo de cinzas o chão e os corpos desvivos. Quatre. Primeiro cinal: vem sinzas do séu. Cegundo sinal: flores desdesabrocham e morrem. Terceiro signal: o solo se abre, e soa uma música terrível, que abala Nortesul Lesteoeste. Quarto sinal: Ele, que vem."

Chega! Espero que tenha dado a alguns de vocês vontade de ler tais obras, hmm, integralmente. Ah! E comentem, pelos céus, comentem!

Gradicido.

Leituras para o feriado

Meus queridos, deixei-lhes sem posts por dois dias, mas foi por uma boa causa. Queria dar tempo para que leitores com menos tempo não ficassem afogados em meio a posts demais. Mas agora, farei excepcionalmente três postagens. Afinal, amanhã viajo e só volto terça feira. Então, deixo um volume maior de texto para os que sentirem necessidade.

Pra começar, váários links de textos sobre Joyce e Ulisses. Aproveitem. =)

Ulysses integral, em inglês.

Ulisses por Houais (ensaio).

Joyce na Wiki.

Textos sobre Joyce na Folha de S. Paulo.

Crítica (um pouco chatinha e pedante, mas muuito interessante) das traduções de "Ulisses", com trechos inclusive.

Outro blog, outros links.

Ulysses for Dummies.

Gostou da Bernardina.

Ninguém foi além de Joyce.

Quem tem medo de James Joyce? (VEJA).

Opiniões sobre as traduções.

Volta ao Dia em 80 Mundos.

2 + 2 = 4

That's all folks!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Joycoisas

"Joyce é o início, a travessia e o fim da literatura. Há mais conhecimento em um de seus capítulos do que na obra inteira da maioria dos escritores. Seus livros, aliás, são tanto o ponto de partida como o de chegada do conhecimento humano, dada sua abrangência e pluralidade. Entre os escritores, Joyce é Deus."
- Légio, Lobato. Crítica e Comentários à Produção Literária Humana, Vol. III. Paris, Trieste, Zurique. Editado por Papirus Guttenberg. p. 56

Acabei de reler "Um Retrato do Artista Quando Jovem", e agora estou relendo "Ulisses", para depois mergulhar de vez no "Finnegans Wake". Para comemorar, republico um texto que escrevi sobre Joyce, que acredito ser uma ótima apresentação dele para os leigos. Ei-lo:

"Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco."
-Um Retrato do Artista Quando Jovem

"Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, uma espelho e uma navalha de barba. Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã. Ele ergueu a tigela e entoou:
-Introibo ad altare Dei."
- Ulisses

"rollarriuanna e passa por Nossenhora d'Ohmen's, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por commódios corminhos recorrentes de vico ao de Howth Castelo Earredores."
-Finnegans Wake

Assim começam os três romances de James Joyce, obras-primas da literatura mundial, figurando entre os melhores livros de todos os tempos, obras realmente absolutas e revolucionárias saídas da mente de um gênio entre os gênios.

A primeira delas, "A Portrait of the Artist as a Young Man", é uma semi-autobiografia de Joyce. Conta a história de Stephen Dedalus, jovem irlandês que passa a infância no colégio tradicional jesuíta Conglowes. Essa primeira parte do livro é focada em mostrar suas raízes, e sua formação católica. Posteriormente, começam a surgir desejos e ambições nada santos na mente de Stephen, que se torna atormentado pela idéia de pecado e punição. Finalmente, ao fim do livro, Stephen entra na Universidade, contrariando sua suposta vocação para o sacerdócio, e abandona de vez as virtudes cristãs para se tornar um poeta quase pagão. "Retrato" pode ser descrito como uma grande sinfonia, visto que o som e o ritmo das palavras desempenha um papel fundamental no estilo narrativo.

Já "Ulysses" é considerado um dos três maiores livros da literatura mundial. Conta um dia, 16 de Junho de 1904, na vida de Dublin, o "centro da paralisia", como definiu Joyce quando do lançamento de sua coletânea de contos, "Dublinenses". Seu protagonista é o judeu e irlandês Leopold Bloom, o Poldy, junto a sua mulher, Molly Bloom, e ao próprio Stephen Dedalus de "Retrato". Na verdade, muitos personagens na obra de Joyce aparecem em vários livros, visto que eles abrangem um Universo até certo ponto real na Dublin do início do século XX. "Ulysses" é, antes de tudo, uma paródia da "Odisséia" de Homero, relacionando Bloom com Odisseu/Ulisses, Molly com Penélope e Stephen com Telêmaco, da obra grega. Seus 18 capítulos correspondem cada um a uma passagem da obra original, e tem elementos de ligação com a mesma. Nessa obra, considerada o tratado definitivo sobre as emoções humanas, Joyce emprega o fluxo de consciência, um monólogo interior dos personagens, caracterizado de acordo com o perfil psicológico de cada um. A profusão de estilos é outra coisa marcante neste livro, sendo que em alguns capítulos ele percorre desde os genêros jornalístico, épico, científico, etc., até as diversas fases da língua inglesa e mundial, começando nos oradores latinos e indo até as gírias da Dublin "atual". "Ulisses" é um colosso ao qual, como disse T.S. Elliot, "todos somos devedores, e nenhum de nós pode escapar".

E há Finnegans Wake.

Poderia me limitar a essa frase, tal qual Neil Gaiman com a Morte em Sandman, não me aventurando a explicar o inexplicável. Mas vou prosseguir ainda um pouco. "Finnegans Wake" é o "Livro dos livros", uma obra tão plural e aterradora que até hoje, mais de 50 anos após suas publicação, ela ainda não foi totalmente compreendida, e provavelmente, nunca será, pois "FW" foi concebido para ser um livro infinito: sua primeira frase tem início na última página, e sua última frase, portanto, termina na primeira página. Isso compõe um ciclo, que tem raízes na teoria na qual o livro fundamenta parte de sua idéia, de Giambattista Vico, que propunha a divisão da história em Caos- Idades dos Deuses - Idade dos Heróis - Idade dos Homens - Caos, num infinito ciclo de criação e destruição. Dando voz a essa idéia:
"riverrun, past Eve and Adam's, from swerve of shore to bend of bay, bring us, by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs./ A way a lone a last a loved a long the"
Ei-las: primeira e última frases, que constituem uma somente. Poderia ainda falar das palavras criadas a partir de trechos de mais de 65 línguas, de Finn MacCool e Tim Finnegan e dos muitos nomes de HCE e ALP e de Shem e Shaun e Tristrão e Isolda, mas a complexidade de Finnegans Wake/Finnicius Revém é tão desproporcional que não cabe em um texto. Prefiro então deixar essa pequena amostra para despertar a curiosidade dos mais afoitos, assim como a minha foi despertada.

Hic cubat edilis. Apud libertinam parvulam.

Finis.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Autocrítica, pt. 2

Certo, texto lido, texto entendido. Vamos aos fatos: esse texto foi escrito sob os influxos de fatos e pensamentos que creio terem sido devidamente comentados em seu início. O fim de 2006 foi particularmente estressante e cansativo para mim e um belo dia, saindo do banho, me botei a pensar sobre isso. (Aliás, é espantoso o efeito que banhos têm em meus pensamentos. As coisas que nascem debaixo do chuveiro são tão espantosas que eu tenho logo que correr e escrever pra não esquecer.) Logo, a idéia de um texto já estava formada. Sentei no PC, comecei a escrevinhar e, quando aperto "Salvar" eis que surge...m dois textos diferentes.

Sim, pois, fosse num vestibular, minha nota seria consideravelmente diminuída por eu começar no Brasil e terminar no Japão. Ok, não sejamos tão dramáticos. A disparidade não foi tão grande, mas foi suficiente. A primeira metade do textos fala sobre a transformação de uma criança-única, com seu mundo próprio, em um adulto enformado, nos moldes mais ou menos certos de todos os outros. Já a segunda fala sobre a afirmação de um ser-humano em relação à sociedade, de modo a fazer de sua marca indelével, inesquecível. Os dois temas tem similaritudes gritantes, e se entrelaçariam muito bem em mãos mais hábeis, mas nesse caso, continuam sendo dois temas, e todos sabemos que uma dissertação possui "um assunto, um tema e uma tese", ou algo do tipo.

Mas águas passadas não movem moinhos, e moinhos transtornados em gigantes passados não motivam cavaleiros andantes. Logo, vamos ao que interessa: E daí, apesar das falhas, as idéias do texto continuam as mesmas? E a resposta, ouçam bem, é, majoritariamente, não.

Pouco depois de escrever esse texto, fiz uma cagada fenomenal, que no decurso de sua resolução culminou numa conversa com meus pais, que jogou luz sobre alguns pontos discutidos no texto. Basicamente, o meu erro máximo no texto foi desdenhar do valor de certas coisas da vida. Obviamente, a importância que damos à família, aos amigos, ao amor e a outros sentimentos abstratos é algo extremamente pessoal, mas essa discussão não é nem quer ser de imediato um tratado filosófico universal. Sua faceta filosófica está no desenvolvimento do pensamento, e sua faceta universal está no alcance que os grandes temas do Ser Humano - Amor, Morte, Renascimento - têm, mas somente posso esperar que o que digo seja relevante para outros, posto que, como disse Lobato Légio, "cabe ao leitor o papel último de criador do universo literário".

Assim, partindo do meu ponto de vista, acredito agora que uma vida pode ser grande, enorme, simplesmente por cativar as vidas ao seu redor, afinal "Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas", e ser responsável por uma vida sequer, e dar conta desta responsabilidade, é uma tarefa de tão difícil alcance que invariavelmente resulta numa sublime ainda que imperceptível no plano visível transcendência.

Por hoje é só pessoal. Espero voltar a esse assunto mais vezes. Conto com a ajuda e os comentários e as idéias e as opiniões de vocês.

Autocrítica

"A autocrítica é um dos mais complexos atos de qualquer ser humano, em relação a qualquer ação, a curto prazo. Em relação ao artista, isso se torna mais evidente. Para criticar, é necessário haver um distanciamento emocional que dificilmente ocorre logo após a produção de determinada obra. Contudo, o tempo e, quiçá, a interferência de um agente de confiança externo podem equilibrar a balança, de modo a permitir uma visão lúcida das coisas."
- Légio, Lobato. Crítica e Comentários à Produção Literária Humana, Vol. II. Viena, Praga, Damasco. Editado por Papirus Guttenberg. p. 127

Começa hoje um processo de crítica sobre um antigo texto meu. Amanhã, falarei sobre o que mudou em mim em relação ao que está escrito nele, e farei, enfim, uma crítica sobre o texto. Mas antes, eis o texto, para que vocês leiam e eu, depois, comente:

Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

A cada dia que passa eu percebo que estou ficando mais velho. Não necessariamente muito velho, ou alguém que acha que sabe muito da vida. Simplesmente você vai deixando de ser criança, e vai chegando mais perto de ser adulto. De novo, não que você realmente seja um cara maduro, sério, etc., mas você parece com um. Antes você passava o dia sem preocupações, não necessariamente brincando, não necessariamente fazendo “coisas de criança”, mas você ficava “sonhando” acordado, e até era mais sozinho, porque não ligava muito para os “sentimentos de adulto”, mas daí você descobre o amor, ou algo que você acha que é amor. Você começa a se importar com os outros, com o que eles fazem, com o que eles pensam sobre você. Você começa a se estressar com as coisas que não tinham importância antes. Você começa a mentir por achar que o outro não vai gostar da verdade. Enfim, você vai se tornando aquilo que todas as pessoas no mundo foram, são, ou vão ser. Porque ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.


Quando a gente é criança, a gente acha que vai mudar o mundo, que vai ser diferente. Mas o tempo passa e continuamos os mesmos. “Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”. Ideologia, isso faz parte, mas tem muito mais. Você acha que vai crescer, vai ser diferente do que seus pais foram, que não vai obedecer aos estereótipos, que vai fazer a diferença. O país pode mudar, pode haver guerra, pode haver, pode haver poesia e arte. Morte e sofrimento. Mas a cada ano que passa você não fez nada... Você estudou, amou, odiou, sofreu e foi feliz. Você estudou, teve sucesso, casou, teve filhos, todas as pessoas a sua volta te amaram, então você ficou velho, seus filhos te apoiaram, você se aposentou, foi viver no campo, e morreu com 80 anos, de uma doença qualquer. Mas daí vocês foi enterrado e virou só mais um nome no Obituário.


Depois de um tempo ninguém lembra mais de você, seu nome não está nos livros de história, você é só mais um, morre tanta gente. É porque a vida humana é isso mesmo: ser feliz, morrer, e ser esquecido depois. E sim, isso é assustador. Vida após a morte, reencarnação, ninguém tem certeza. Mas você será lembrado? Hitler matou seis milhões de judeus, hoje todo mundo sabe quem ele foi. É mais ou menos isso que “Clube da Luta” tenta passar: destrua tudo, mas seja lembrado. Existem outros meios é claro, e eles são mais difíceis. Eu não sei... Talvez perceber agora que estou no caminho certo para me tornar só mais um seja um bom sinal. Talvez eu pare de ficar esperando a vida passar e reaja. Talvez eu faça a diferença, lute uma revolução, ou morra tentando. Talvez eu salve milhões e seja lembrado, talvez eu funde uma religião que dominará a terra. Talvez eu descubra Deus e encontre a paz. Talvez eu me torne famoso, talvez eu me torne um ícone. Talvez daqui a mil anos ainda lembrem de mim como alguém que fez a diferença. Ou talvez não.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Xurepa

Todo escritor tem uma palavra que considera especial. Uma palavra símbolo, enigma, uma palavra chave que, às vezes abre, mas mais frequentemente fecha suas portas. Não que a palavra seja necessariamente especial em sua obra, mas de certa forma ela toma contornos místicos, seja por sua hermeticidade ou simbolismos. Clarice teve o ovo, Guimarães Rosa, nonada. Para Joyce, eram ALP e HCE, para Ítalo Calvino, Qwfwq. Os filósofos do impossível usam fnord. Quanto a mim, para meu usufruto e deleite, tomo a singular palavra Xurepa. Mas o que é Xurepa?

Xurepa é uma coisa das rurgs, que puon e espõen a rerks twuturais.Xurepa é a régueque roisti a ongs troloris tworiqui coquais.

Xurepa é a mesa posta para o café da manhã, antes que os braços que se espreguiçam e as bocas que se abrem se dêem conta de que o sonho acabou. Xurepa é o almoço farto, vorazmente devorado de uma marmita enquanto se equilibra na viga a mais de cem metros de altura. Xurepa é o jantar e a ceia que se transmudam em azia e numa noite de rei.

Xurepa é verbo, advérbio e provérbio. É preposição, reposição, deposição. Xurepa é substantivo, transubstantivo, adjetivo e etcetera. Xurepa é o som das palavras borbulhadas debaixo d’água. É a poesia cantada pelos rapsodos e trovadores; a epopéia compilada pelos diascevastas. Xurepa é a palavra e o som, o vernáculo e a gramática; é a prosódia e a dicção, o canto suave e o grito melódico.

Xurepa é uma palavra redonda, circular, esférica: o O que se forma de lábios exalando espanto; o lado escuro do sol e o lado luminoso da lua, invisíveis e inexistentes, somente esperando que alguém os descubra; o número mais singular. Xurepa é uma palavra quadrado, uma palavra cubo: ela rola ladeira abaixo com estardalhaço e má vontade; ela se põe no meio do caminho como uma pedra inconveniente; ela chora pelos cantos as lembranças do passado. Xurepa é triângulo, e triângulo é Xurepa, ambos perfeitos no sagrado e no profano.

Se Xurepa fosse choupo, cepa não seria.

O barulho que o carro faz ao dar partida é Xurepa. O relinchar dos cavalos, o mugir dos bois, os latidos e miados são Xurepa. Os metais, as cordas, a percussão: Xurepa. Xurepa é um número, todos os números. É a música dos deuses, é a música dos anjos, é a música dos demônios. Xurepa é a ilha do tesouro, o mapa da mina, o pote de ouro no fim do arco-íris.

Xurepa é o caminho que trilhamos, a estrada que percorremos, a trilha que traçamos. Xurepa é o regresso, a falha, o fracasso. Xurepa é as pontes, é os jardins, é as torres. Xurepa é os grãos de areia na orla do multiverso. É o verso e a linha, a frase e o parágrafo. O texto, o contexto, o hypertexto e o palimpsesto. Xurepa é o beijo do só, o choro do alegre e o olhar do enamorado.

Xurepa é o pó, o silêncio e a solidão. Xurepa é o rejúbilo, o êxtase e o carnaval.

Xurepa é as estrelas nascendo e morrendo, as cinzas do Universo, os buracos negros e os pilares da Criação. Xurepa é a velocidade da luz, a massa e a energia. Xurepa é as órbitas dos planetas, as rotações e translações, as relações e redações e tribulações, os torvelinhos e redemoinhos e a voragem dos anos-luz.

Xurepa é A e Z, é Alfa e Ômega, é Aleph e Tau.

Xurepa é a realidade e a imaginação, a vigília e o sonho, a causa e o efeito, a ação e a reação, a razão e a emoção. Xurepa é o fim e o começo, o cheio e o vazio, o yin e o yang, o tudo e o nada, o infinito e a eternidade, a vida e o além, o nascimento e a morte.

Xurepa é Xurepa.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Motivos

Após nossa pequena introdução de ontem, cabe agora tomarmos um tema: Serei eu assim tão desocupado a ponto de precisar criar um blog para ocupar meu tempo?

De fato, como bom estudante, disponho de um certo período de ociosidade. Porém, como bom ser humano, acabo desperdiçando-o em sua maior parte com coisas bestas, e a lamentação do ócio e o tédio. Assim, um blog, no qual eu poderia despender, digamos, meia hora todos os dias, seria uma ótima maneira de aproveitar meu tempo de uma maneira mais satisfatória.

Além disso, precisava de uma desculpa para escrever descompromissadamente, visto que minhas últimas aventuras literárias tem sido muito complexas e trabalhosas. Assim, seria bom ter um lugar onde despejar dejetos textuais.

Para isso, meus queridos, escolhi vocês. Em matéria de temas, não quero cercear muito as possibilidades. Esse blog é sobre tudo aquilo que mereça ser contado, seja fato ou ficção, verdade ou vaticínio, crítica ou construção. Padeçam do sofrimento de ler meus agradáveis panegíricos, e, por amor, e por favor, comentem com toda a eloquência que lhes for concedida. Obrigado, e até amanhã.

"A meu ver, toda obra literária, ou, menos ambiciosamente, qualquer intifada, qualquer levante, qualquer arroubo de escrita, adquire para o leitor um motivo e uma justificativa peculiares. O modo como você enxerga o que lê é só uma faceta de um todo inconcebível. Ainda que a obra sobre a qual você deita os olhos seja rasa como um pires, sua vivência e experiência acarretarão em que você coloque as coisas de tal forma e as imagine de tal madeira, que a imaginação e a visão de outrem só poderão ser substancialmente diferentes. Ou, em resumo: cabe ao leitor o papel último de criador do universo literário, pois para o bem ou para o mal é dele o julgamento de suas próprias vontades, de seu próprio eu."
- Légio, Lobato. Crítica e Comentários à Produção Literária Humana, Vol. I. Xanadu, Roma, Jerusalém. Editado por Papirus Guttenberg. p. 23

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Mudança

A vida é feita de mudança. Mudança de estação, de lar, de humor, de estado: civil, de espírito, sentimental. Talvez por isso, tenhamos tantas palavras que se relacionam à mudança: o novo e o velho, o insatisfeito e o curioso, o arrependido e o espantado, o traidor e o apóstata. Mutação, transubstânciação, transformação. A cada momento, somos um pouco mais e um pouco menos do que antes. Mais velhos, menos jovens; mais experientes, menos inocentes; mais pacientes, menos empolgados. A mudança, como todas as coisas na vida, tem seus dois lados: o bom e o ruim. A máxima "Nada dura para sempre" deve ser a "Lei de Ouro" da mudança. Ela é a exceção e a regra, ao mesmo tempo. Nenhum fim é definitivo, nenhuma vida é eterna. Tudo passa sobre a terra, e fora dela também. Findo o refugo filosófico, vamos aos fatos:
- Hoje, pela última vez, fui aluno de minha escola. Claro, não conhecemos o futuro, mas é pouco provável que eu volte para lá. Ano que vem, estarei em um outro lugar. Por minha própria escolha é verdade; os meus amigos estarão lá também e, sem dúvida, esse fator não será um dos que mais serão doloridos. Mas isso não exclui a nostalgia. Por 9 longos anos, estudei nessa escola. Lá, fiz os amigos que levarei comigo pela vida toda. Lá, eu fui construído como pessoa, e não é fácil abandonar a boa casa. Mudanças são necessários, descobrir o novo é essencial, mas nem toda tristeza é má. E talvez esteja justamente aqui o grande trunfo da mudança: ela nos faz relembrar o Antes, e assim, podemos aprender com o que antes havia passado despercebido.
- Hoje, também, minhas simplórias e sofríveis idéias expostas na internet estão mudando de casa. Do antigo fotolog "Universos em Conflito/ Há Controvérsias", surge este "Amortescimento", como a Fênix das cinzas (eita analogia manjada hein?). Espero que, em seu destino, o novo encontre melhor sorte.