quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Leituras: as Férias

Doravante, toda primeira quarta-feira do mês (a não ser em circunstâncias extraordinárias) receberá neste blog comentários sobre as leituras cometidas no mês anterior. E às sextas (a não ser em circunstâncias extraordinárias), de todas as semanas, postarei alguma citação que achar interessante. Mais explicação que isso não é preciso: continuemos.
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A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera
Livro sensação dos anos 80, A Insustentável Leveza do Ser consegue a proeza de ser, ao mesmo tempo, um estudo sobre o amor e as relações erótico-afetivas humanas; e sobre as conseqüências de um estado totalitário na vida dos indivíduos. Possuindo alguns toques metalingüísticos, especialmente no relativo à criação dos personagens centrais, os casais Tomas/Tereza e Sabina/Franz, o livro gira em torno principalmente de diversas digressões, nada mais que manifestações do olhar agudo que o autor lança sobre suas personagens. As principais idéias que permeiam o livro são a do eterno retorno, personificada na pessoa de Tomas e no ditado Einmal ist keinmal (Uma vez não conta, uma vez é nunca.); a da dicotomia entre peso e leveza; e a do kitsch, “estação intermediária entre o ser e o esquecimento.” Recheado de imagens marcantes e discursos antológicos, de passagens sublimes e passagens perturbadoras, A Insustentável Leveza do Ser é uma dessas obras-primas paradoxais, que carrega dentro de si um peso e uma leveza só compreensíveis para quem está lá, na sua frente, saboreando suas palavras.

Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas – uma investigação sobre valores, de Robert M. Pirsig
A princípio, pode-se pensar que este é um daqueles livros de auto-ajuda disfarçado de contracultura: pelo título pomposo, pelo fato de uma das epígrafes ser uma citação do próprio autor, e pela situação inicial: um pai e um filho, junto a um casal de amigos, viajando de moto pela América (EUA, fique bem claro). Contudo, logo essa impressão de desfaz e o que se revela é um extraordinário tratado filosófico, distribuído com equanimidade por um enredo magnético. Basicamente, o livro retrata a busca de um homem pelo significado do conceito Qualidade – o que é, onde está, etc. -, e no caminho nos presenteia com interpretações das idéias de vários filósofos e, não só isso, com a aplicação dessas idéias na manutenção de motocicletas, ou, mais profundamente, de nós mesmos. Indo do cume de uma montanha até o fundo do oceano, o que o autor nos apresenta é uma chance de pensar e entender melhor o mundo.

O amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence
Por um desses “acasos” que frequentemente no tomam de assalto, esse livro apresenta algumas coisas em comum com o anterior. Grosso modo, ambos apresentam uma crítica à racionalidade, ao intelectualismo, ou, nas palavras de Lawrence, às “palavras que nos separam da vida”. Entretanto, se no anterior o autor buscava uma conciliação entre uma vida com Qualidade e o progresso, a ciência, a tecnologia, aqui o que se vê é uma crítica feroz à sociedade industrial e tecnológica. Até mesmo as emoções são criticadas. Para o autor, o que temos (ou tínhamos, na década de 20, logo após a Primeira Guerra) são somente cópias grotescas de emoções, emoções falsificadas para conviver sem conflitos com o intelecto. O que ele propõe, com a história do romance entre Lady Chatterley e o guarda-caça da propriedade de seu marido, é que a sociedade trate o sexo de forma mais natural, nem como uma aberração obscena, nem como uma forma de diversão pueril, mas sim como um ritual necessário e sagrado para vida, idéia essa que permanece atual. Ele defende, inclusive num longo posfácio escrito já após as primeiras edições do livro, que recuperemos o contato humano imediato, e assim retornemos a um estado puro, que na marcha do progresso e da tecnologia, teria se perdido.

Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago
Algumas obras são escritas de tal maneira, que não se dá descanso à alma enquanto não se a termina. Ensaio Sobre a Cegueira é escrita em tal estilo febril e hipnotizante, que percorri suas trezentas páginas em um único dia, numa espécie de frenesi literário, completamente envolvido pela história, pelo estilo, pelos personagens, por tudo! “Parece uma parábola”, diz um dos personagens, e de fato: essa parábola sobre uma inexplicável epidemia de cegueira que acomete a população de um país, e leva o governo a trancar alguns cidadãos sob quarentena em um manicômio, é um assustador relato da barbárie em que vivemos. Retira-se uma de nossas fundações, e tudo desaba: retornamos aos hábitos mais animalescos. Mas não nos enganemos: muito do que julgávamos ser parte da civilização também integra esses hábitos, o que nos obriga a enxergar quão tênue é a linha que separa essa civilização da barbárie, do estado natural das coisas, do inferno na terra. E, mais do que vermos o estado das coisas - a própria epígrafe do livro nos conclama: repara -, temos de repará-las recuperar o que foi perdido, superar o medo e ver as coisas como são. “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”

Um comentário:

Anônimo disse...

Posso fazer um pouco de publicidade?
http://oceanopuro.blogspot.com/
poemas de alguém para ninguém
Espero que gostem...obrigado