sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ajudem os desabrigados pelas enchentes em Santa Catarina

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Pessoal, todos nós sabemos da tragédia que aconteceu (e ainda está acontecendo) no estado de Santa Catarina. Muitas vezes, coisas desse tipo acontecem, mas não temos como ajudar. Dessa vez, porém, está ao alcance de todos. O Inagaki fez um post explicando direitinho o que pode ser feito para ajudar, então visitem o blog dele e tomem parte nesse processo.
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Além disso, o blog Notícias de Blumenau está fazendo a cobertura completa dos acontecimentos, e merece ser acompanhado. Para quem quiser uma forma mais direta, duas das contas para as quais podem ser feitas doação são essas aqui:

Fundo Estadual da Defesa Civil — CNPJ [04.426.883/0001-57]
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Banco do Brasil
Agência 3582-3
Conta Corrente 80.000-7

Besc
Agência 068-0
Conta Corrente 80.000-0

BRADESCO S/A - 237
Agência 0348-4
Conta Corrente 160.000-1

Prefeitura Municipal de Blumenau:

BESC
Agência: 003-5
C/C: 400.000-3

Banco do Brasil
Agência: 0095-7
C/C: 400.000-5
(PMB – Calamidade Pública)

Caixa Econômica Federal
Agência: 0411
C/C: 80.000-0

Então... vamos fazer a diferença, agora que a gente pode? Conto com vocês.

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Citação de Sexta: Mistéééério


"O mistério é o elemento-chave de toda obra de arte."
- Luis Buñuel
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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Mensageiro do Diabo

O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter, 1955) é um filme único em muitos sentidos. Em primeiro lugar, foi o primeiro e único filme do consagrado ator Charles Laughton. Embora seja hoje considerada uma das grandes obras-primas do cinema, O Mensageiro do Diabo foi um fracasso de público na época do lançamento e acabou sepultando a carreira do promissor cineasta.

Em segundo lugar, a parte técnica do filme também é única. A fotografia é uma união magistral do expressionismo alemão e do noir, com fortes contrastes em preto-e-branco. Os cenários tem um papel importante na história, e ajudam a expressar as idéias envolvidas em cada cena.

Em terceiro lugar, a atuação do elenco principal também é única. Robert Mitchum, Shelley Winters, as crianças... todos executam perfeitamente seus papéis, o que ajuda muito a criar o clima fantasmagórico do filme.

Finalmente, há o enredo: original, único. Mitchum faz o papel de um pregador assassino de viúvas, Harry Powell, que conhece na prisão um ladrão e quando sai de lá vai atrás da família dele com o intuito pegar o dinheiro para si. A história se desenrola, a partir daí, como um conto de fadas sombrio e violento. De fato, todos os acontecimentos são retratados, de uma certa maneira, a partir de uma visão infantil, o que acaba por tornar o filme maniqueísta.

Mas é justamente essa a premissa básica do longa: um embate entre o bem e mal, simbolizado nas mãos do pregador de Mitchum, onde se lê “Love”, em uma, e “Hate”, na outra, e na própria história que ele conta para conquistar a simpatia dos habitantes da cidadezinha onde mora a família do ladrão. Todo o filme está permeado de alegorias dessa oposição: o preto e o branco, as sombras e a claridade, o cargo santo de Powell e suas atitudes profanas...

A cena exemplar de todas essas singularidades do filme é a do assassinato da mulher do ladrão. Powell e ela estão no quarto, que é mostrado em forma triangular, como uma capela, mas uma capela maldita. A mulher, seduzida por Powell, e com a mente totalmente lavada, afirma saber que ele só está atrás do dinheiro, mas aceita isso de uma forma perturbadora. Powell, por sua vez, sentindo o perigo, saca sua navalha e com um gesto teatral a mata. A atuação, a fotografia, a música, o clima: tudo é magistralmente conduzido e executado.

Mas o filme, afinal, acaba sendo otimista em seu final, embora um pouco melancólico. As crianças, apesar de tudo pelo que passaram, se salvaram de seu algoz, e, embora tenham perdido o pai e a mão em tão pouco tempo, reencontraram uma família que os acolhesse e amasse. Mais conto-de-fadas impossível.
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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Roda #5 - Panorama do Vale de Legium, parte 3







por Lobato Légio

O velho Toleimã está sete palmos abaixo do chão. Em tempos antigos, devastou muitas terras. Agora, já não destrói mais. Postava-se imponente acima de todas as terras e só o que os moradores de tais plagas faziam era observar seu assombro, espantados, olhos arregalados para o colosso que até o céu se erguia. Ali, entre eles, nascera o Semeador de Ventos, uma criança amaldiçoada, filha do grito e da fuga, adotada pelos aldeões sem consciência de que deixavam o destino entrar pela porta. Quando cresceu, plantou mudas de vento, e uma vez por ano, fazia a Colheita. Tempestades varriam todos os rincões, empurrando o povo daquela terra para um lado e para o outro até o exílio. Em um determinado ano, quando o sol foi especialmente quente, e a água especialmente boa, os pés de ventos deram uma safra especialmente portentosa. Nascia o velho Toleimã.

O furacão colossal assombrou os vales por anos sem conta, tornando nômades os sedentários e desérticas as plantações. Quando estava simplesmente transformando as coisas em destroços, jogava-as para o céu, e fazia as vezes de mensageiro. Levava as mensagens-gentes do sertão sem fim até a terra de Oz e além, nos Orientes longínquos. Agarrados em sua cauda iam bruxas, cangaceiros e deuses imortais. Só os que ficavam agarrados ao chão eram as gentes do povo, com os dedos sangrando de enfiá-los em fendas e em rochas para não ser espedaçado pelo vento.

Com o tempo, passaram a aceitar o velho Toleimã como parte da natureza, uma entidade tão absoluta e cuja presença era tão inerente ao estado das coisas quando o céu ou o chão. Assim que ele se tornou parte óbvia do mundo, começaram a fazer para ele canções e poemas, que o descreviam, louvavam e amaldiçoavam, e inventaram para ele espíritos e deuses, para os quais poderiam rezar a fim de que a tempestade fosse embora.

Tendo adquirido, por meio de seus fustigados, uma consciência metafísica, o velho Toleimã passou a dirigi-la para seus atos, e para as justificativas deles, e percebeu que nada do que fizera até então fazia sentido. Tomado por uma necessidade primal de encontrar seu criador, passou a buscar o Semeador de Ventos, e acabou por encontrá-lo, muito tempo depois, sozinho em sua cabana.

Devido ao seu tamanho e força, o velho Toleimã arremessou, inadvertidamente, a cabana do Semeador para o céu, e o velho ceifador de tempestades desapareceu entre as estrelas. Triste, desse modo, por ter sumido com seu criador, o colosso de vento começou a arrefecer.

Pouco tempo se passou, alguns anos somente de rondas no deserto, e o antigo deus furacão acabou sendo engolido pelo chão, desaparecendo na poeira que um dia transtornara.

Triste e solitário, assim morreu o Velho Toleimã.
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terça-feira, 25 de novembro de 2008

Persona

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Ocasionalmente, voltarei a postar sobre filmes fora da quinta-cinematográfica. Não necessariamente será de terça, mas em geral sim, ou de segunda, no máximo.
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Persona é um filme ao qual não se assiste em vão. Uma das obras mais ilustres de Ingmar Bergman, é também seu filme mais enigmático. Concebido enquanto este estava no hospital, devido a uma pneumonia, Persona é uma obra de arte emblemática e significativa, um marco de expressão e linguagem cinematográfica.

Embora seja chamado de “poema visual”, definição clichê, pelo próprio diretor, esse é somente um dos títulos que Persona pode receber. Chamá-lo de revolucionário, sofisticado, hipnotizante e perfeito também é cabível.

O filme, em princípio, conta a história de uma enfermeira que tem de cuidar de uma atriz que sofreu um colapso nervoso durante uma apresentação e parou de falar. Como ela não responde ao tratamento, as duas vão para a casa de campo da médica responsável, e começam a ter uma curiosa convivência, baseada na palavra de uma e no silêncio da outra.

Basicamente, o resto do filme transcorre ali, mas falar disso assim tão levianamente é um crime contra a complexidade do filme. Justamente porque ele trata da confusão: a confusão de identidades, a confusão entre nossa identidade e o mundo. O filme trata das máscaras (personas) que vestimos, sejam elas nossas ou de outras pessoas. E trata também de muitas outras coisas, num nível subconsciente e profundo.

Sonho, ilusão, realidade: tudo se funde. Mas isso não faz deste um filme etéreo, pelo contrário: ele é denso e pungente, capaz de nos atingir dolorosamente mesmo que não o tenhamos compreendido por completo. Essa, afinal, é a tarefa da arte. E Bergman, como artista genial que era, um dos maiores do século XX, soube executá-la com perfeição.
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Se sentiram algo de familiar nessa resenha, ou sentirem-no no filme, saibam que eu também senti: David Lynch bebeu muito na fonte de Bergman, e Cidade dos Sonhos é praticamente a versão dele para Persona, embora incorporando outros elementos. Isso não é oficial, mas assistir aos dois filmes causa sensações muito parecidas, e os temas, a forma e o subtexto são semelhantes (o que não faz do filme de Lynch menos original). Assistam aos dois e comprovem.
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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Grandes Inícios de Livros 3 (de 5)

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Quaisquer que sejam as crenças e convicções de alguém, a Bíblia tem para essa pessoa ao menos um valor: o literário. Seja você ateu ou crente, panteísta ou monoteísta, a Bíblia (e os livros sagrados em geral) possui grande valor pelo menos enquanto literatura.

No meu caso, sou apaixonado pelo Eclesiastes, um dos livros poéticos e sapienciais da Bíblia. Nesse livro, atribuído a Salomão, há uma belíssima e valorosa reflexão sobre o valor da vida, do conhecimento, e das coisas que fazemos aqui no mundo.

Vou colocar somente o primeiro capítulo, mas recomendo a leitura do livro inteiro que, por sinal, é bem curto. Espero que mesmo aqueles que não tem nunhuma proximidade com a fé judaico-cristã possam identificar o valor desse livro e aproveitar o que ele oferece.
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Bíblia - Tradução Ecumênica - Eclesiastes, 1

"1. Palavras do Eclesisastes, filho de David, rei em Jerusalém
2. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
3. Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?
4. Uma geração passa, outra vem, e a terra permanece sempre.
5. O sol se levanta, o sol se põe, procurando o lugar de onde se erguerá de novo.
6. O vento vai para o sul e vira para o norte, gira, gira e vai embora, sempre retoma o seu curso, o vento.
7. Os rios todos correm para o mar e o mar nunca fica cheio; para o lugar onde correm os rios, para lá retornam.
8. Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las; o olho não se sacia do que vê, o ouvido não se enche do que ouve.
9. O que foi é o que será, o que se fez é o que se fará: nada de novo sob o sol!
10. Se algo existe de que se possa dizer: "Vede, isto é novo!", - já existe desde os séculos que houve antes de nós.
11. Dos tempos antigos não resta lembrança, e quanto aos frutos que virão, também deles não restará lembrança para os que vierem depois.
12. Eu, o Eclesiastes, fui rei sobre Israel, em Jerusalém.
13. Tomei a peito investigar e sondar, mediante a sabedoria, tudo o que se faz sob o sol. Tarefa ingrata essa, que Deus entregou aos filhos de Adão, para nela se aplicarem.
14. Vi todas as obras que se fazem sob o sol: pois bem, é tudo vaidade e perseguir vento.
15. O que está torto não se pode endireitar, o que falta não pode ser calculado.
16. Eu disse a mim mesmo: "Eis que fiz crescer e progredir a sabedoria mais que todos os que, antes de mim, reinaram sobre Jerusalém". Experimentei muita sabedoria e ciência,
17. apliquei o coração a conhecer a sabedoria, e a conhecer os desvarios e as loucuras, e concluí que isso também é perseguir vento.
18. Pois em muita sabedoria há muita aflição; quem aumenta o saber aumenta a dor."

Outra tradução: Bíblia Ave Maria
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Citação de Sexta: Respiro, Suspiro


"For long you live and high you fly, and smiles you'll give and tears you'll cry, and all you touch and all you see, is all your life will ever be"

-Pink Floyd, Breathe
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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

2001: Uma Odisséia no Espaço

Entre todos os adjetivos que Stanley Kubrick pode carregar, o principal talvez seja versátil. Embora o diretor tenha sido, sim, um gênio, e também um grande contribuidor para a evolução da sétima arte, sua característica mais marcante, observando o geral de suas obras, é a versatilidade. Kubrick fez de tudo: distopia, drama histórico, horror, comédia, guerra... e, em seu filme mais conhecido, ficção científica.

2001: Uma Odisséia no Espaço, causou comoção por onde passou. É difícil dizer qual de seus elementos é o mais revolucionário. O mais visível, por certo, são os efeitos especiais: é quase impossível acreditar que Kubrick fez tudo aquilo que o filme mostra antes de existir computação gráfica. A parte técnica do filme é, incontestavelmente, perfeita. A inventividade de seu mundo espacial e o detalhismo que ele imprimiu nas naves e nos elementos tecnológicos do filme se tornaram referência.

Por outro lado, o conteúdo do filme, embora igualmente revolucionário, não foi tão apreciado. Pouquíssimos, entre o público e a crítica, gostaram do filme à época do lançamento. Consideraram-no, em geral, chato, presunçoso e confuso. Entretanto, logo começaram a enxergar no filme seu valor, e ele se tornou um marco do cinema, quiçá a maior ficção-científica que já houve.

2001, como qualquer ficção-científica que se preze, trata das coisas humanas, e, nesse caso, as coisas humanas adquirem um espectro enorme. A história da humanidade, o sentido do que criamos e descobrimos, nossa relação com a tecnologia: tudo isso é escrutinado, de forma não-óbvia, pela lente de Kubrick.

O diretor fez desse filme, concebido junto ao mestre da ficção-científica Arthur C. Clarke, uma jornada poderosa, que começa no surgimento da humanidade e termina no instante em que ao menos um de nós é capaz de transcender, de se tornar algo mais que uma consciência elétrica presa num corpo material limitado.

Interpretar o filme é uma tarefa interessante e divertida, e que tem a bênção do diretor. Kubrick disse que todos poderiam ficar à vontade para ponderar sobre o significado alegórico e filosófico do longa, e que ele e Clarke trabalharam para que não fosse possível decifrá-lo por completo.

De fato, só o que se pode ter de 2001 são idéias sobre o que ele representa (essa e essa são especialmente interessantes), mas seu significado pleno ou não existe ou está além de nossa compreensão racional, o que no fim das contas dá na mesma. Para nós, cinéfilos ou espectadores casuais, assistir a 2001 é deleitar-se pela experiência visual e sonora que ele proporciona, sem ficar tentando, a todo segundo, apreender algo de seu sentido. Ou, em outras palavras, 2001: Uma Odisséia no Espaço é uma enorme viagem, dessa que a gente faz mais para apreciar a vista que para chegar ao destino.
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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O aniversário do Mickey

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No dia 18 de Novembro de 1928, era exibido pela primeira vez o curta de animação Steamboat Willie. Para saberem do que estou falando, vejam abaixo:



Reconheceram alguma coisa? Pois é. Steamboat Willie foi o primeiro curta animado do Mickey Mouse, exibido no Broadway Theater oitenta anos atrás. Quem diria, naquela época, que aquele ratinho estranho se tornaria um dos maiores ícones da cultura do século XX?

É possível perceber, no curta, características muito claras das animações daquele período, que influenciariam muita coisa e se mantêm, muitas vezes como paródia, até hoje. Os números musicais, a violência, a crueldade envolvendo animais e o humor pueril são traços que foram desenvolvidos de muitas maneiras, e acabaram resultando em desenhos como Tom e Jerry ou Looney Tunes (naquele caso, muito mais violento, e nesse, muito mais nonsense).

É curioso prestar atenção, também, no estilo da animação, no desenho dos personagens, em como Mickey, Minnie e Bafo de Onça eram e o quanto evoluíram para se tornar o que são hoje.

Sem dúvida, o Mickey é uma figura reconhecível por praticamente qualquer pessoa no mundo. Sua imagem é invariavelmente associada à instituição que o criou, a Disney, e a um certo mundo de sonhos e fantasia.

Ele representa, com seu calção vermelho e seus botões amarelos, o predomínio da cultura americana sobre o resto do mundo, assunto do qual falarei um dia.

Para terminar esse post confuso e não-eloquente, só mesmo dando os parabéns ao Mickey pelos seus 80 anos de vida, e deixando um outro vídeo, um dos melhores curta-metragens animados do personagem, chamado Runaway Brain (em inglês):



Até mais p-pessoal! (espere, esse não era outro desenho?)
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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Já passou do vinte!

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Através do espelho osbcuro, minha novela publicada diariamente no blog Nós Mesmos, já passou do capítulo 20! Continuem acompanhando e comentando!
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Grandes Inícios de Livros 2 (de 5)

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Continuando a lista dos inícios de livros que eu mais gosto, falo hoje sobre um livro do qual já falei aqui, na primeira resenha de livro publicada por esse blog. Trata-se de Um Retrato do Artista Quando Jovem, primeira obra-prima do irlandês James Joyce.

Esse parágrafo inicial é um símbolo da obra de Joyce: traz coisas clássicas/do passado e as rearranja de uma maneira incrivelmente moderna e à frente de seu tempo, por um lado, e é um tipo de fluxo de consciência, por outro. O parágrafo prenuncia, também, todo o estilo narrativo do livro: ao usar uma sintaxe de pensamento infantil, Joyce representa perfeitamente a consciência de uma criança. E essa sintaxe, durante o livro, irá mudar, evoluir, para representar as diferentes fases da consciência do personagem principal, matéria básica e essencial para um romance de formação como o que o Retrato é.

Enjoy.
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Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.

"Era uma vez e uma vez muito bonita mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco.

Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo."
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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Citação de Sexta: O Sonhar


"Quando você sonha, algumas vezes você se lembra. Quando você acorda você sempre esquece."

-Neil Gaiman, Sandman
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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Sacrifício

Ingmar Bergman, Deus do Cinema, considerava Andrei Tarkovsky o maior de todos os cineastas pois “para ele o mundo dos sonhos não tinha segredos”. Tarkovsky, cineasta russo da segunda metade do século XX, era famoso por seus filmes de planos longos, beleza visual e sonora, e por sua notória espiritualidade. Em O Sacrifício, sua última obra, podemos identificar todos esses elementos levados às últimas conseqüências: O Sacrifício é o trabalho síntese de uma vida. Não necessariamente o melhor filme do cineasta, mas com certeza o mais revelador.

O enredo, por si só, é genial. Um velho professor, Alexander, melancólico e descrente, vê sua família e amigos reunirem-se em sua casa para seu aniversário: o amigo médico (de mudança para a Austrália), a mulher (que nutre uma paixão pelo médico), a filha mais velha, o carteiro amigo, e o filho mais novo, mudo por uma operação recente na garganta. Além deles, está por ali a cozinheira, uma mulher que vive sozinha no campo, e sua ajudante, uma jovem triste.

Logo que começa a festa, a cozinheira vai para sua casa. Os outros, porém, permanecem ali, num clima soturno, triste, inadequado para uma festa de aniversário. Tudo começa a piorar, entretanto, quando eles vêem na TV a notícia de uma guerra nuclear que começou. Pálidas de medo, todas as personagens começarão lentamente a se desesperar e mostrar suas verdadeiras faces.

Alexander, por sua vez, também viverá seu calvário. Desesperado por salvar sua família, vai até a casa da cozinheira, que o carteiro diz ser uma feiticeira. Ali, ele chora, implora pela ajuda dela, conta histórias da sua infância. Por fim, ajoelha-se e reza, e ela o aceita, e os dois se unem num ato sexual ao mesmo tempo libertador e reacionário, no sentido de que leva Alexander de volta, através do tempo e do espaço, para o âmago das coisas, ou de si mesmo.

Passada essa cena, Alexander acorda, num dia claro (seu aniversário?) no sofá de seu quarto. Terá tudo sido um sonho? O amor entre o médico e sua mulher, a festa, o fim do mundo, o ato sexual com a cozinheira, tudo um sonho? Não importa. No “sonho”, a mulher dissera que a casa era um lugar maligno, e Alexander, pio, sabe o que tem de fazer.

Numa cena antológica, belíssima, indescritível, ele bota fogo em sua casa, e a vê queimar, enquanto chega uma ambulância do hospício, que o tenta levar, mas ele foge, e enfim o capturam, o médico e a mulher quase entrando junto no carro-de-loucos. É o fim... mas ainda há dúvidas.

A cozinheira aparece, andando de bicicleta, seguindo a ambulância... por que seria? E ali, à beira do lago, o filho de Alexander está deitado ao lado da árvore que ele e o pai haviam plantado no início do filme. Mas espere... tudo não havia sido um sonho? Pela primeira e única vez, o filho fala: “No princípio era o Verbo. Por que, meu Pai, por quê?”.

Sim, O Sacrifício não é um filme óbvio. É, como os outros filmes de Tarkovsky, uma experiência filosófica, sensorial e espiritual, um conto da alma. Nesse filme, o diretor diz muito sobre a loucura, a falta de amor, os sonhos, a morte, Deus... mas essas coisas não são compreendidas integralmente por nossa mente, e sim por nosso espírito. Bergman, afinal, talvez estivesse certo. Para Tarkovsky, o mundo dos sonhos não tinha segredos. E justamente, penso eu, por ele deixar-se mergulhar nessa matéria onírica, de corpo e alma, e de lá sair encharcado de símbolos, signos e sabedoria para colocá-los em movimento e transmiti-los ao mundo.
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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Roda #4 - Mil perdões







por Lobato Légio

Caríssimos leitores: perdoai-me. Nós, que labutamos na difícil lida da escrita, deveríamos ficar trancafiados de duas a três horas por dia, ao menos, para nos dedicarmos a esse ofício. Tal não acontecendo, ocorre o que ocorreu com a minha coluna - digníssima, prestimosa coluna: eu fiquei sem escrever, e vocês ficaram sem ler. Mas não há drama, tudo isso é fruto de minhas escolhas.

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Morasse eu ainda em minha cabana, teria muito tempo para dedicar-me ao Ofício. Mas me mudei, e aqui estou: vivendo em meio ao caos, buscando os fragmentos de minha própria identidade em meio ao som e à fúria da vida contemporânea, escrevendo como posso, catando os cacos de minhas memórias e influências para oferecer a vocês, e ao dono deste espaço, algo digno de nota.


Tuma disse, semana passada, ser o motivo de minha ausência uma crise existencial. Eu mesmo não seria tão dramático ao me referir àquele conjunto de experiências pelo qual passava então, mas ainda assim achei o termo válido.

Tratou-se, mais apropriadamente, de um período de confusão mental e falta de inspiração - o que, de qualquer forma, para um escritor como eu, seria algo como um crise existencial, daí eu concordar com a denominação dada por Tuma, embora não a reforce -, fruto da fragmentação já citada no início deste texto.

Como vocês talvez não saibam, tenho outras tarefas cá no Brasil além de escrever para este diário-de-rede. Ora, minha mudança para o país é recente, assim como é recente minha iniciação no tipo de serviço ao qual me refiro. Além disso, o clima, os costumes e o silêncio deste lugar são muito diferentes dos que eu me acostumara em minha aldeia.

Por conseguinte, acabei por entrar neste torvelinho, em que toda minha energia criativa era sugada pelo meu trabalho oficial, e tanto minha vida pessoal quanto criativa acabaram por se tornar mortiças. Felizmente, com rapidez recuperei a energia, e por isso posso, hoje, escrever aqui de novo.

Desde já, agradeço a paciência de todos vocês, meus leitores, com esse contratempo. Continuem comigo, que em breve, muito em breve, virão as coisas as quais lhes havia prometido.
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terça-feira, 11 de novembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Grandes Inícios de Livros 1 (de 5)

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A partir de hoje, postarei trechos iniciais de livros (pode ser uma frase, um parágrafo, ou mais) dos quais gosto muito. A idéia é, depois disso, fazer também uma reunião com os melhores desfechos. Os trechos serão postados um por semana, às segundas, sempre com uma informação sobre o livro do qual foi retirado.

Hoje, começamos com o primeiro capítulo (bem curto, por sinal) de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov, da qual já tratei aqui. Nabokov foi um mestre do estilo, e, mesmo sendo russo, aprendeu o inglês e tornou-se um dos maiores estilistas da língua, estando no mesmo nível de muitos estilistas clássicos e legitimamente ingleses.

Obviamente, e ainda mais com livros muito calcados no estilo, muito se perde na tradução. Contudo, não postarei os trechos originais aqui, para manter a lista mais acessível. Só que é fácil de achar na internet o texto original, então procurem. E nesse caso, especialmente, temos a sorte de contar com um tradutor como Jorio Dauster para Nabokov, um verdadeiro artista da transcriação.

Aproveitem, então, o trecho, e, também peço, procurem ler o romance todo. É espetacular!
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Lolita, de Vladimir Nabokov. Tradução de Jorio Dauster. Parte 1, Capítulo 1:

“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.

Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.


Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor que um assassino para exibir um estilo floreado.


Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins –os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.”

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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Citação de Sexta: Minha ruínas...


"Em fragmentos tais foi que escorei minhas ruínas."

- T.S. Eliot, The Waste Land
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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Pílulas Cinematográficas, Edição 8

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Nessa edição das Pílulas, realmente nada em comum entre os filmes. Um deles é uma obra-prima do horror de um dos maiores gênios do cinema. O outro, uma interessantíssima reflexão sobre a representação cinematográfica. O último, finalmente, é uma envolvente e emocionante história passada na França do século XVIII. E um recado: semana que vem, o blog volta à programação normal. Cinema, agora, só às quintas-feiras. Pelo menos até a próxima onda de filmes...
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O Iluminado (The Shining, Stanley Kubrick, 1980): Em diversos rankings, O Iluminado consta como um dos melhores filme de terror de todos os tempos. E não é difícil perceber o porquê: em primeiro lugar, foi adaptado do livro mais assustador de Stephen King, mestre do horror na literatura. E em segundo, foi adaptado para a tela grande por um dos maiores e mais importantes cineastas de todos os tempos, Stanley Kubrick. Utilizando-se de seu talento completo, Kubrick compôs uma obra ambígua, misteriosa e que dá muito, muito medo. Por um lado, o enredo ajuda muito: ficamos o tempo todo com a dúvida sobre se Jack Torrance está enlouquecendo sozinho ou sendo atormentado por espíritos malignos. Por outro, a realização é primorosa: as atuações são todas espetaculares, a iluminação cria um clima fantasmagórico, a música é precisa em seu intuito de incomodar... enfim: Kubrick criou com este filme uma obra de horror única (que não se utiliza da escuridão, por exemplo), referência para todos aqueles que quiserem meter medo em alguém.
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O Desprezo (Le Mépris, Jean-Luc Godard, 1963): O filme já começa surpreendendo pelos créditos: ao invés de aparecerem escritos na tela, são narrados, pelo próprio diretor, enquanto vemos uma equipe realizando algumas filmagens. No fim, a câmera se volta para nós, e somos sugados para o mundo da imagem. As primeiras cenas mostram um casal na cama, mas têm algo de peculiar: ao invés de vermos a imagem colorida, com os três filtros sobrepostos, vemos somente a que foi filmada com o filtro azul, e depois a que utilizou o vermelho. Com isso, Godard deixa bem claro qual é o tema de seu filme. À medida que o enredo se desenvolve, vemos que aquele casal está envolvido nas filmagens da Odisséia, por Fritz Lang (interpretado pelo próprio), e, mais sutilmente, está sofrendo dos mesmos problemas (em certa medida) que Ulisses e Penélope têm (ou os personagens supõem que eles têm) na obra de Homero. Com o tempo, essa confusão entre o filmado (por Godard), o filmado (por Lang) e o vivido (por todos) vai se tornando mais profunda, e a linha que divide cada segmento, se tornando mais tênue, até o final trágico e inconclusivo. Enfim, uma obra essencial. E não era pra menos: com Jack Palance, Brigitte Bardot e Fritz Lang atuando sob a tutela de Jean-Luc Godard, tinha como dar errado?
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Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, Stephen Frears, 1988): Tenho que confessar uma coisa: a ambientação “nobres no século XVIII” me dá nos nervos. As perucas, o pó de arroz, os tons pastéis: todos esses elementos provocam em mim um certo sentimento de repulsa. Entretanto, isso não me leva a desgostar imediatamente de um filme ambientado na época. Foi o que aconteceu com esse longa. Embora, em seu início, tenha chegado a temer pela minha opinião, ao ver as carruagens com cavalos enfeitados e as sapatilhas, logo fui fisgado pela trama e as duas horas do filme passaram voando. O filme de Stephen Frears é, de fato, perfeito: o enredo, as atuações, o ritmo. Tudo se encaixa perfeitamente para contar a história das intrigas amorosas de alguns nobres franceses, baseada no romance epistolar de Chordelos de Laclos. Glenn Close, em especial, está espetacular, mas John Malkovich não fica muito atrás. Um desses filmes que podem ser vistos muitas vezes, descompromissadamente, mas sempre nos mantém ligados do primeiro ao último segundo.
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Extra: Chegada do Trem à Cidade (L'Arrivée d'un Train à La Ciotat, Auguste e Louis Lumière, 1895): Primeiro filme exibido publicamente, Chegada do Trem à Cidade é lendário. As pessoas, diz-se, pensaram que o trem sairia da tela e adentraria a sala de projeção, saltando sobre todas elas. Imaginem o fascínio, o medo e a surpresa de quem estava lá. Nas palavras de George Meliès, monstro sagrado do cinema: "A mostra começou com uma fotografia estática que depois de alguns segundos começou a se mover. O trem apareceu e acelerou em direção ao público. Nós estávamos estonteados por este espetáculo." Sem mais palavras, fiquem com o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=1dgLEDdFddk
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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Leituras: Outubro de 2008

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Esse mês, li um pouco mais que no último. Embora meu ritmo de leitura ainda não seja o que eu considero ideal, consegui ler três livros: dois romances e um livro filosófico. Gostei de todos, embora em diferentes níveis. Seguem abaixo os livros em ordem de preferência.

O Barão nas Árvores, de Ítalo Calvino: Calvino é um dos meus escritores preferidos. Sua prosa é leve, mas diversificada, e ele consegue mergulhar com extrema habilidade nos mais diversos temas da vida humana. Já falei aqui no blog sobre meu livro favorito dele, Se um viajante numa noite de inverno, mas O Barão nas Árvores se encaixa em uma outra linhagem dentro da obra do italiano. O romance faz parte da trilogia Os nossos antepassados, composta também pelos excelentes (e divertidos, e profundos) O visconde partido ao meio e O cavaleiro inexistente. Juntos, os três formam um conjunto ímpar, mas analisados caso a caso também são excepcionais. No caso de O Barão nas Árvores, acompanhamos a história de Cosme Chuvasco de Rondó, o rebelde filho de um barão que um dia resolve subir nas árvores para nunca mais descer. A partir daí, ele começará a enxergar muito melhor a vida dos habitantes daqui de baixo, e viverá sua própria vida sobre os galhos das florestas da Europa. Com um estilo composto por uma ironia fina e uma poesia irreverente, Calvino construiu nesse livro mais uma obra-prima encantadora, para ser lida e relida, e que possui um desfecho – em questões de enredo e forma – extraordinário e melancólico. Um dia posto aqui, para vocês verem.

Macunaíma, de Mário de Andrade: Uma aglutinação radical e anárquica dos Brasis, especialmente como eram vistos no início do século XX. Mário de Andrade reuniu aos poucos as mais variadas fontes de referências sobre o que havia no Brasil, e depois juntou tudo (com a ajuda dos sobrinhos) num livro que pode não ter pé nem cabeça, mas tem raízes fincadas profundamente no solo tupiniquim e estende seus ramos muito alto. Fazendo graça com a cultura popular e erudita, o folclore, a religião, a mitologia brasileiros, e até mesmo com a língua portuguesa, o escritor modernista fez uma obra-prima divertida e descompromissada, para ser lida dando risada e tentando fazer conexões entre as imagens que ele criou.

A Utopia, de Thomas More: Obra fundamental da nossa civilização, A Utopia é, embora muito citada, pouco lida. Não são muitos, que sabem, de fato, como é a sociedade que o filósofo imaginou. Eu, ao ler o livro, descobri, e, posso dizer, não é algo que mudou minha vida. Mas explico: a primeira parte do livro, que apresenta a discussão do interlocutor de More, Rafael Hitlodeu, com algumas pessoas em uma reunião na casa de um cardeal, é a que mais me agradou. Trata-se de um assunto extremamente (e infelizmente) atual, tratado com uma clareza e coerência de idéias impressionante. Entretanto, a descrição da Utopia em si, na segunda parte do livro, é atrapalhada por algumas coisas. Em primeiro lugar, por uma questão histórica de quando o livro foi escrito, a sociedade apresentada é machista e até escravista. Contudo, isso se perdoa, pois esse machismo e esse escravismo são moderados e até mesmo aceitáveis, especialmente em comparação àqueles que vigoravam na época. Mas, além disso, o próprio cerne da civilização utopiana é um pouco incômodo: todas as cidades são iguais, as pessoas se vestem de maneira igual, tudo é nivelado e asséptico... não me parece um bom lugar para se viver. Porém, mais uma vez, isso não desmerece o livro. Se até Oscar Wilde, um cínico por natureza, disse que um mapa do mundo que não tenha em si a ilha de Utopia não é sequer digno de consulta, é porque o sonho utópico é algo realmente extraordinário, e de fato: o que mais valeu no livro, para mim, foi seu tom sonhador, esse sentimento que percebemos subjacente de querer que as coisas como são melhorem, de saber que nossa sociedade-e-civilização pode sim evoluir, e alcançar um patamar melhor para todos os seres humanos, que respeite as individualidades e as diferenças, mas não deixe de olhar para o todo, para o Outro. Em tempos de um negro filho de imigrantes com nome estranho ser eleito para ser presidente dos EUA, isso é extremamente significativo.
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terça-feira, 4 de novembro de 2008

Explosões! Tiros! Medo! Surpresas!

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Nada dessas coisas, e um pouco de cada, estão presentes na novela Através do espelho obscuro, publicada diariamente no blog Nós Mesmos. Atualmente (capítulos 10 pra frente...) a trama está passando por uma grande reviravolta, elemento essencial para o destino do(s) personagem(ns) daqui pra frente. Não perrrrcam!
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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Bandido da Luz Vermelha

Fazer cinema no Brasil definitivamente não é fácil. É uma velha questão imposta a todos os potenciais cineastas do nosso país: como fazer cinema de primeiro mundo, vivendo no terceiro? Muitas respostas já foram dadas a essa perguntas, mas uma das mais emblemáticas está na obra-prima de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha.

Logo no início, os letreiros diferenciados anunciam um monte de informações, que serão retomadas em algum momento ao longo do filme: é o início de uma narrativa experimental e entupida das mais diversas referências. O cinema de Sganzerla é o marginal, a estética do lixo que surgiu principalmente entre os cineastas paulistas a partir da crise de representação referida no primeiro parágrafo.

Nós, brasileiros, vivemos no lixo... o Brasil é uma espécie de lixão continental.Em plena Guerra Fria (o filme é de 1968), a única “Guerra Total” com que nós, moradores da boca do lixo, temos de nos preocupar é aquela que já acontece em nossas cidades, a violência que está por todo lado. “O Terceiro Mundo vai explodir!”, proclama um anão profeta, e de fato: o amontoado de lixo que se acumula por toda parte vai acabar entrando em combustão, cedo ou tarde, e mandar tudo pelos ares.

No lixo, tudo está amontoado, fora de ordem, coisas das mais diversas origens estão juntas, unidas sem hierarquia, sem nenhuma espécie de organização. Para representar isso, Sganzerla fez um filme fragmentado, recheado de inúmeras influências, de pedaços do lixo que é jogado no terceiro mundo. A narração do filme remete, com um tom debochado, aos programas policiais do rádio. Há citação dos quadrinhos, da TV, de Godard... o filme é uma mistura bizarra e única da vanguarda e do popularesco, uma espécie de meio termo entre o cinema cabeça de Glauber Rocha e companhia e as pornochanchadas.

Ao mesmo tempo cômico, trágico, aventureiro, filosófico e pessoal, O Bandido da Luz Vermelha foi a solução que Sganzerla encontrou para fazer cinema no terceiro mundo. Sem os recursos – a tecnologia, o dinheiro, o aparato intelectual – do primeiro mundo, o cineasta foi longe para mostrar como o (seu) cinema do terceiro mundo é: uma mistura genial e estranha de tudo que vem de fora, que é jogado no lixão que chamamos lar. Como diz o personagem título, numa frase emblemática que resume bem a situação, "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba."
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