quinta-feira, 1 de maio de 2008

Esse Desalento

“A palavra humana é como uma panela rachada onde batucamos melodias para os ursos dançarem, quando desejaríamos enternecer as estrelas.”
- Gustave Flaubert, Madame Bovary

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Surgiu como chove no verão. De repente assim, nuvens translúcidas cada vez mais cinzas vindo cobrir um sol já pálido. Veio se embrenhar aqui dentro, sem convite, sem aviso, sem espera. Foi de uma hora para a outra. Simplesmente estava lá. E então, não havia escapatória. Era somente esperar e fazer preces silenciosas, de joelhos na terra do santuário que em mim padece.

De logo, entrou pela porta da espera. É um longo postergar, o desejo afirmado, mas sempre adiado. Como se o universo conspirasse contra nós, as circunstâncias se amontoam, num monte cada vez maior. De um lado eu d’outro você. Eu tento sempre escalar, mas a mim parece que você somente espera repousante. Em muitos momentos, paro, tomo caminhos longos, desvio de desfiladeiros. E ainda assim, o topo se afigura cada vez mais distante.

Em outro momento, é na entrada do medo. Medo de muitos nomes. O receio, o hesitar. Essa pedrinha incômoda chamada ciúme, gestada e gerada tão somente em minha própria olaria, feita do barro que seus pés pisaram. A incapacidade de tomar uma ação. A mão se estendendo fraca, a boca se abrindo trêmula, o olhos se voltando para o objeto de desejo. Mas por fim tudo desaguando num estuário de confusão tartamuda.

E como resultado, de espera e medo, essa solidão fria desesperada, música das estrelas dando viço apaixonante ao monótono e interminável batuque para os ursos. Desespero sem arroubos: langor e silêncio. Assim, pois enquanto me movimento pela cidade acesa, quase dormindo atrás das janelas do carro, não penso em palavras para tamanho vazio. Mais uma vez, só me resta esperar e planejar uma nova conduta. Amanhã, e amanhã, e amanhã. Esse desalento que me retalha a alma.

Um comentário:

Sib disse...

"Essa pedrinha incômoda chamada ciúme, gestada e gerada tão somente em minha própria olaria, feita do barro que seus pés pisaram."
quiçá esta seja o trecho mais bonito que eu já li neste blog.