quinta-feira, 2 de abril de 2009

Cinzas no Paraíso

O que é estesia? Para o dicionário, o sentimento do belo. Para mim, a palavra tem um sentido derivado e muito particular: o de “orgasmo” estético, o ápice do prazer contemplativo. Estesia é a completa rendição dos sentidos, o prostrar-se, desarmado, ante a beleza. E é exatamente isso que o cartaz de Cinzas no Paraíso (ou Dias de Paraíso, como foi lançado em DVD no Brasil), o segundo filme de Terrence Malick, proclama: “Your eyes... your ears... your senses... will be overwhelmed”: Seus olhos, ouvidos e sentidos serão desarmados, vencidos, engolidos.

Formalmente, o filme nada mais é que um passo à frente do estilo de Malick: a narração de uma garota, a forma seca de tratar os sentimentos, os momentos de contemplação, a observação do meio-oeste americano, a “América profunda”, a curta duração (90 minutos) e, sobretudo, a beleza – plástica e de outros tipos. Beleza que aqui atinge um ápice inacreditável, um patamar simplesmente inigualável. A fotografia compartilhada por dois gênios, Nestor Almendros e Haskell Wexler, a trilha sonora de outro gênio, Ennio Morricone, e a condução de Malick se unem para forma um filme único, obra-prima de beleza indizível e inigualável. É impossível expressar o “choque” estético causado por esse filme. A “estesia” só pode ser apreendida vendo-o, mesmo; não há meios de expressá-la de outra forma.

Somente isso já seria suficiente para fazer de Cinzas no Paraíso uma obra singular. O filme, no entanto, nos leva além. Como em Terra de Ninguém, o enredo do longa-metragem se revela aos poucos. Conhecemos o irmão da narradora, Bill, em uma cena que resume sua personalidade. Após ser provocado pelo chefe na fábrica onde trabalhava, atinge-o com uma pá e foge. Então, o vemos reunir-se à irmã e a uma outra moça, Abby, que ele diz ser também sua irmã mas é na verdade sua namorada. Os três vão para o Texas, onde encontram trabalho na fazendo de um senhor de terras. Encorajada por Bill, Abby se envolve com o fazendeiro, e os dois acabam casando. Acompanhamos então o desenrolar de uma clássica história de triângulo amoroso pelos olhos de Malick, assim como Terra de Ninguém era uma típica história de serial killer sob a visão singular do cineasta.

E a história, mais uma vez, termina em tragédia. A maioria das cenas é filmada nas horas mágicas – o ocaso e a aurora – o que colabora para a beleza do filme mas também representa a situação crepuscular daquela família texana. As pradarias dominam a visão e chegam a engolir o silêncio dos personagens, um indício de sua pequenez frente à natureza. O estilo seco de Malick contribui para outro aspecto que aponta nesse sentido, já que os dramas dos personagens pouco nos envolvem: antes, os vemos à distância, relegados aos seus erros e a servir a suas próprias naturezas. No entanto, essa característica em particular é também sinal de uma outra coisa, pela qual o diretor tem muito apreço: a importância do narrador. É pelos olhos de uma criança que vemos as paixões e a tragédia dos adultos, de Bill, Abby e do Fazendeiro, e por isso essas coisas nos parecem distantes. A criança concede menos atenção ao que não compreende.

Não por acaso, os narradores dos dois primeiros filmes de Malick são garotas, mulheres jovens, ou antes mulheres já maduras lembrando de acontecimentos de sua infância/juventude. E esses acontecimentos também são semelhantes, posto que envolvem o instinto humano e a tragédia, e como uma criança, uma menina, passa por esses eventos, e muda a partir deles.Temos então, nos dois filmes, uma toada semelhante: a criança que, jogada em meio à Natureza e à natureza do homem, se transforma, e aprende sobre como se parecem os dramas e paixões do ser humano em frente à imensidão do Mundo.
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