terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Aguirre, a cólera dos deuses

O cinema de Werner Herzog é um cinema de conflito, o conflito entre o indivíduo e o meio. Seus protagonistas são todos sonhadores, loucos, solitários. Talvez por isso ele goste tanto de filmar em locações e tenha feito tantos filmes com Klaus Kinski, o ator mais desvairado de todos.

Em Aguirre, um de seus filmes mais célebres, Herzog leva sua equipe para a Amazônia a fim de filmar os sonhos e a loucura de um homem que fez tudo para levar adiante seus delírios de grandeza. Dom Lope de Aguirre (Kinski) é um oficial da expedição de Pizarro na América do Sul, empreendida para encontrar El Dorado. Ao se encontrarem isolados na floresta, os exploradores decidem enviar uma equipe rio abaixo para encontrar uma saída. Aguirre é escolhido para ser o segundo em comando, logo após Dom Pedro de Ursua (interpretado pelo cineasta brasileiro Ruy Guerra), e assim eles partem.

Ao longo da jornada, eles serão atacados por índios, abandonarão companheiros à própria sorte, e Aguirre conspirará para tomar o comando e dar à expedição os destinos que lhe parecerem mais apropriados. Por fim, todos acabarão loucos e mortos, e Aguirre terminará o filme solitário e destruído, contudo ainda acreditando que será o imperador do mundo.

Por essas características, pode-se traçar paralelos entre essa obra e o romance Moby Dick (do qual falarei mês que vem). Em ambas, um homem move um grupo de pessoas adiante para de alguma forma saciar uma obsessão monomaníaca. Entretanto, enquanto o capitão Acab é um homem atormentado por não conseguir se livrar de sua obsessão, Aguirre parece antes um louco que acredita estar enxergando o pote de ouro no fim do arco-íris.

Outro paralelo que pode ser traçado entre as obras é com relação ao conflito entre o homem e a natureza. Como já citado no início do texto, Herzog gosta do tema homem versus ambiente. Em Fitzcarraldo, o homem enfrenta a natureza com impulso civilizatório. Em O Enigma de Kaspar Hauser, por outro lado, o personagem-título confronta sua simplicidade/ingenuidade/ignorância com as idiossincrasias da civilização. Já em Aguirre, a Natureza continua sendo a inimiga, mas no caso se a enfrenta com ambição e loucura, sendo ela um símbolo do desconhecido, de uma fonte de riquezas de todo tipo, dos deuses.

O primeiro e o último planos denotam isso. Logo no ínicio, vemos de longe uma paisagem, e quando a câmera se aproxima revela uma minúscula fileira de homens descendo por uma montanha. Assim, Herzog mostra o homem diminuído ante a imensidão do mundo. No final do filme, Aguirre está erguido sozinho em seu barco, único sobrevivente e ainda assim lançando desafios e impropérios contra a natureza. Nesse momento, a câmera o fita mais de perto, mas depois se afasta e gira ao redor de Dom Lope, mostrando que por todos os lados só o que há é árvores e céu, que ele está sozinho, que a natureza o derrotou.

Entre esses dois momentos, vemos a civilização humana imiscuir-se no meio selvagem, com todas as suas violências, traições, ganâncias, delírios de grandeza, conspirações e (ai, os paradoxos) selvageria. E tudo isso personificado na imagem de Aguirre, o homem que se achava invencível, o que homem que se achava a cólera dos deuses, o homem que se achava Deus, mas acabou no fim derrotado e sozinho, esperando em silêncio a morte chegar.

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Um comentário:

tati fadel disse...

eu gosto mais de Fitzcarraldo. Assistiu?