terça-feira, 24 de março de 2009

Quero Ser John Malkovich

De que vale a inovação? Ela é, por si só, uma qualidade maior? Uma obra de arte inteiramente construída sobre a inovação pode ser considerada uma obra-prima? Essa discussão é freqüente nas rodinhas de amantes e estudiosos da arte, e pode até ser incluída entre aqueles temas polêmicos sem consenso à vista. No entanto, se o consenso geral não existe nem nunca vai existir, isso se deve principalmente ao fato de que, para pensar a arte, é sempre melhor analisar um objeto artístico do que ater-se a regras que, de resto, não contemplam integralmente obra alguma. Assim, pensar a arte é analisar a obra, e entender como ela é, e porque ela é daquele jeito.

Pois bem. O tema dessa resenha é o filme Quero Ser John Malkovich, dirigido por Spike Jonze e, mais importante, escrito por Charlie Kaufman, e o intróito serviu para apresentar um tema de relativa importância para o contexto desse filme. O tema do filme em si, entretanto, é outro: E se você pudesse ser outra pessoa? O que é “ser”, afinal? Vejamos: Craig Schwartz (John Cusack), um titereiro (manipulador de marionetes) desempregado, é casado com Lotte (Cameron Diaz) mulher apaixonada por animais que trabalha em um pet shop. Craig arranja trabalho como arquivista em uma empresa localizada no andar 7 ½ de um edifício, onde as pessoas têm de andar curvadas devido ao baixíssimo pé-direito. Lá, Craig encontra uma mulher misteriosa, Maxine, por quem começa a ter uma queda. Um belo dia, ao mover um arquivo, Craig encontra uma porta secreta, e, ao adentrá-la, tem acesso à mente de John Malkovich (o ator), onde permanece por 15 minutos antes de ser jogado às margens de uma auto-estrada. Fascinado pelo acontecimento, Craig decide compartilhá-lo com outras pessoas, e tendo Maxine por sócia passa a cobrar pelo acesso, durante os tais quinze minutos, à mente do ator.

No início do parágrafo anterior, disse que, mais importante do que o diretor, era o roteirista do filme, Charlie Kaufman. Explico: Kaufman, nos últimos anos, se tornou um caso raro na indústria cinematográfica. Em um meio onde a figura do autor reside no diretor, ele se firmou como uma exceção, um escritor de filmes que, até certo ponto, é mais importante que os diretores com quem trabalha. Não que os diretores de seus filmes não sejam importantes: são. Mas a criatividade dos roteiros de Kaufman continua o elemento mais importante. Quanto à marca dos diretores, é facilmente discernível, já que até hoje Kaufman só trabalhou com quatro diretores: Jonze, Michel Gondry, George Clooney e ele mesmo. Dois filmes com cada um dos primeiros e um com cada um dos últimos. Jonze, especialmente, é um contraponto que equilibra as maluquices divertidas de Kaufman. Quero Ser John Malkovich, pode-se dizer, é um registro realista de uma história surreal, assim como alguns filmes do Lynch são registros surreais de histórias realistas. Essa distensão ajuda muito a manter o equilíbrio do filme, causando estranhamento e surpresa, dois elementos importantes para a arte.

Mas voltemos: como se pode ver pela sinopse, o filme é completamente maluco, e sua graça vem principalmente dessa bizarrice. Mas é preciso cuidado: embora seja, em certos aspectos, uma comédia, o filme é na verdade bem depressivo, com personagens acabados e desesperados, a ponto de cometerem atos terríveis para sair do fosso. Isso porque a grande questão do filme é justamente a da busca da identidade. Só que essa busca, como bem ilustra o túnel que leva à mente de Malkovich, é um caminho sujo e escuro. E ao trilhar esse caminho, acabamos nos machucando, e mesmo que no final dele possamos encontrar prazer e rejúbilo, também podemos sentir-nos definitivamente deslocados, inadequados, e acabarmos tentando manipular a nós e aos outros para reorganizar o mundo, ou simplesmente desistir e afundarmos na melancolia. Desse jogo entre inveja, prazer, desejo e identidade o filme tira sua força e, embora a língua com que fale disso tudo nos seja estranha, conseguimos entender, de alguma maneira, o que ele quer dizer.

E então chegamos onde eu queria: a língua que o filme fala, a originalidade gigantesca deste que é um dos roteiros mais criativos que Hollywood já viu. Que o filme é incrivelmente original, isso não se discute, mas a pergunta é: isso basta para fazer dele – e somente dele; não estendo o argumento a mais ninguém – uma grande obra? E a resposta é: não. O filme é, sim, uma grande obra, mas não somente pela originalidade. O problema é que, às vezes, ao se ser original demais, não se sabe aonde ir com toda aquela inovação, e em alguns momentos o filme derrapa um pouco nesse sentido, embora não chegue a rodar. Mas é do elemento humano, do registro seco e da habilidade em conciliar ousadia e significância que o filme cresce para se tornar uma grande obra. A originalidade, aqui, não basta: é necessário fazer alguma com ela. E Kaufman e Jonze, juntos, conseguiram usar a originalidade e o estranhamento como uma caminho para o destino que tinham em mente, para falar da questão da identidade do ser humano - tema universal e atemporal - e, de quebra, tirar um sarrinho do mundo das celebridades.
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Um comentário:

Juka disse...

Caara
o primeiro filme confuso que eu entendi de primeira. e eu tinha menos de 10 anos quando assisti.
foi meu filme preferido por muito tempo.
quase nao acreditei quando li o titulo do post.

AMAZING *-*

quero assistir de novo, assiste comigo?? :D

saudades de vc, Thomaaz!