
sexo, mentiras e videotape (grafado em minúsculas no pôster original), produção independente e obra de estréia do diretor Steven Soderbergh, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 89, e é considerada por muitos a obra máxima desse estranho diretor americano. Munido de praticamente só quatro atores e quatro personagens, Soderbergh partiu para cima de um tema pouco abordado no mainstream norte-americano: o sexo. O puritanismo dos órgãos reguladores de cinema dos EUA é notório, mas Soderbergh, fazendo um filme independente, não teve de se sujeitar a muitas imposições de estúdio. No entanto, isso não significa que o filme seja erótico ou algo do gênero: o foco aqui é, de fato, falar de sexo.
Ann Millaney é casada com John Millaney, mas nunca gostou muito de sexo e nos últimos tempos tem sentido nojo de ser tocada. John, por sua vez, trai a esposa com a cunhada, Cynthia, que tem jeito de ninfomaníaca amalucada, mas revelará ter tutano durante o filme. E o agente que chega pra desestabilizar essa organização já precária é Graham, antigo amigo de John que vem passar uns dias em sua casa.
Desde o princípio, a ação do filme é pautada nos diálogos. Ann conta seus problemas e pensamentos ao terapeuta. Cynthia fala livremente sobre a irmã com o amante, que além de contar detalhes da vida íntima de casal tem um estilo expansivo nos diálogos em geral. Quem foge um pouco à regra é Graham, que no início do filme aparece sozinho e, embora não tenha muitos freios para dizer o que pensa, prefere a quietude. As cenas de sexo propriamente dito, por sua vez, aparecem só em alguns pontos do enredo, e nunca são apelativas: são, digamos, filmadas de maneira eficiente, para passar a mensagem, sem puritanismo ou romantismo, mas também sem apelar para a pornografia.
O que de mais “pornográfico” existe no filme é justamente uma outra manifestação da fala, do desabafo sexual: Graham, após ser rejeitado por uma antiga namorada, tornou-se impotente, e começou a filmar mulheres falando sobre sexo, para depois atingir o prazer onanista por meio da assistência dessas fitas. Ann, que desde o princípio ficara um pouco fascinada por Graham, descobre o conteúdo das fitas, e então o enredo tem início de fato. Desse modo, alternando algumas cenas de ação com outras de monólogos e diálogos, Soderbergh escancara seus personagens, suas ações e motivações.
E o mais importante: fala se sexo sem meias palavras. O tema, podem contar, possui mais metáforas do que a morte. O número de expressões que podem adquirir um sentido secundário relacionado ao ato sexual é gigantesca. Com alguma inovação formal, o diretor analisa, subtextualmente, o fascínio da imagem, da narração, ao mesmo tempo que, no primeiro plano, descortina as obsessões de seus personagens, e até mesmo suas “perversões”, levando-os até a catarse e a libertação de suas amarras auto-impostas. Há algo de conservador na visão que o diretor tem sobre o tema, é verdade, mas há também algo de construtivo, de conciliatório, na medida em que não tem medo de falar sobre sexo e sobre gente - que faz sexo - e como essa gente pensa e vive o assunto, além de tocar, sutilmente, a velha fronteira do amor, da paz interior e da felicidade.
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