quinta-feira, 5 de março de 2009

sexo, mentiras, e videotape

Com a crítica de hoje, inicio um pequeno ciclo de comentários sobre filmes verborrágicos, aqueles que se utilizam muito do monólogo e da narração para expressar idéias e contar histórias. No entanto, se os dois filmes da próxima semana são verborrágicos por buscarem uma aproximação da literatura (o que considero um retrocesso do ponto de vista cinematográfico, mas enfim, isso é pra semana que vem), o filme de hoje é verborrágico porque é essencial para ele ser assim, porque ele fala de comunicação, confissão, mentira e hipocrisia, temas que têm muito a ver com o uso do discurso.

sexo, mentiras e videotape (grafado em minúsculas no pôster original), produção independente e obra de estréia do diretor Steven Soderbergh, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 89, e é considerada por muitos a obra máxima desse estranho diretor americano. Munido de praticamente só quatro atores e quatro personagens, Soderbergh partiu para cima de um tema pouco abordado no mainstream norte-americano: o sexo. O puritanismo dos órgãos reguladores de cinema dos EUA é notório, mas Soderbergh, fazendo um filme independente, não teve de se sujeitar a muitas imposições de estúdio. No entanto, isso não significa que o filme seja erótico ou algo do gênero: o foco aqui é, de fato, falar de sexo.

Ann Millaney é casada com John Millaney, mas nunca gostou muito de sexo e nos últimos tempos tem sentido nojo de ser tocada. John, por sua vez, trai a esposa com a cunhada, Cynthia, que tem jeito de ninfomaníaca amalucada, mas revelará ter tutano durante o filme. E o agente que chega pra desestabilizar essa organização já precária é Graham, antigo amigo de John que vem passar uns dias em sua casa.

Desde o princípio, a ação do filme é pautada nos diálogos. Ann conta seus problemas e pensamentos ao terapeuta. Cynthia fala livremente sobre a irmã com o amante, que além de contar detalhes da vida íntima de casal tem um estilo expansivo nos diálogos em geral. Quem foge um pouco à regra é Graham, que no início do filme aparece sozinho e, embora não tenha muitos freios para dizer o que pensa, prefere a quietude. As cenas de sexo propriamente dito, por sua vez, aparecem só em alguns pontos do enredo, e nunca são apelativas: são, digamos, filmadas de maneira eficiente, para passar a mensagem, sem puritanismo ou romantismo, mas também sem apelar para a pornografia.

O que de mais “pornográfico” existe no filme é justamente uma outra manifestação da fala, do desabafo sexual: Graham, após ser rejeitado por uma antiga namorada, tornou-se impotente, e começou a filmar mulheres falando sobre sexo, para depois atingir o prazer onanista por meio da assistência dessas fitas. Ann, que desde o princípio ficara um pouco fascinada por Graham, descobre o conteúdo das fitas, e então o enredo tem início de fato. Desse modo, alternando algumas cenas de ação com outras de monólogos e diálogos, Soderbergh escancara seus personagens, suas ações e motivações.

E o mais importante: fala se sexo sem meias palavras. O tema, podem contar, possui mais metáforas do que a morte. O número de expressões que podem adquirir um sentido secundário relacionado ao ato sexual é gigantesca. Com alguma inovação formal, o diretor analisa, subtextualmente, o fascínio da imagem, da narração, ao mesmo tempo que, no primeiro plano, descortina as obsessões de seus personagens, e até mesmo suas “perversões”, levando-os até a catarse e a libertação de suas amarras auto-impostas. Há algo de conservador na visão que o diretor tem sobre o tema, é verdade, mas há também algo de construtivo, de conciliatório, na medida em que não tem medo de falar sobre sexo e sobre gente - que faz sexo - e como essa gente pensa e vive o assunto, além de tocar, sutilmente, a velha fronteira do amor, da paz interior e da felicidade.
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