
Já em A Regra do Jogo, obra-prima do francês Jean Renoir, a abordagem é, ao mesmo tempo, um pouco mais humana e um pouco mais alegre, embora não deixe de ser ácida e dramática. Pois o filme de Renoir é justamente isso: um drama alegre, em que os medos e o sofrimento dos personagens é mostrado de forma natural e divertida, embora não menos contundente.
Filmada poucos meses antes da Segunda Guerra, a obra faz referências veladas à violência que se instaurava na Europa, e acabaria de vez com a longa vida da classe aristocrática. A principal delas é a cena – um tanto perturbadora – em que os nobres, curtindo a vida na mansão de verão de um deles, caçam coelhos e faisões para o jantar. O guarda-caça e os funcionários da propriedade libertam os animais criados em cativeiro, e os direcionam para um terreno aberto, onde as carabinas dos nobres aguardam para começar a matança. Sem pudores, Renoir mostra os bichos sendo alvejados, e a total indiferença dos nobres para com o acontecido.
A figura principal do filme, porém, é outra, é a tal regra do jogo que o título menciona: a mentira, o jogo de aparências, a dissimulação. Christine, a personagem principal, é uma austríaca, mulher de um aristocrata francês. Ela é espontânea, sorridente, amável. Mas suas atitudes carinhosas despertam muitas paixões, que ela não retribui, em princípio, pois é casada.
Com seu marido, então, vai para a casa de campo, onde começa a conviver mais intensamente com outros aristocratas e a classe plebéia que trabalha na mansão. A partir desse momento, Renoir retrata também o conflito de classes da Europa do entre-guerras (tema que também deu as caras no recente Desejo e Reparação), mostrando plebeus e aristocratas como pessoas muito parecidas, que têm os mesmos desejos e medos.
Do choque entre o sentimento e as aparências, a aristocracia e a plebe, a riqueza aparente e a decadência, Renoir extrai um filme magnífico, frequentemente citado como um dos melhores de todos os tempos, e cujo enredo culmina em uma pequena tragédia, mas muito exemplar: um dos amados de Christine é morto por engano, e outra das jovens aristocratas presentes começa a chorar, desesperada, em frente aos outros. Christine, já experimentada, permanece fria, e conduz a jovem, dizendo ao pé do ouvido: "Controle-se, os outros estão olhando." Com isso, encerra-se o filme. Com isso, coloca-se a última pedra no túmulo da aristocracia, deixando para trás somente duas coisas: a sentença sobre o que a aristocracia significava, emitida por Christine na última fala do filme; e as sombras, que lentamente vão saindo de cena, para não mais voltar.
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