quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A Regra do Jogo

O tema da decadência da aristocracia é um dos preferidos dos cineastas europeus. Tanto que nas duas últimas semanas as críticas postadas aqui são de filmes famosíssimos que envolvem esses temas. Em cada um, porém, ele aparece de maneira diferente. Em O Leopardo, o que temos é uma narrativa lenta, silenciosa, melancólica, os últimos suspiros monótonos da classe nobre. Em A Doce Vida, a aristocracia é retratada sob uma ótica surreal, em que seus integrantes são sempre caricaturas de si mesmos, imagens distorcidas de seres humanos.

Já em A Regra do Jogo, obra-prima do francês Jean Renoir, a abordagem é, ao mesmo tempo, um pouco mais humana e um pouco mais alegre, embora não deixe de ser ácida e dramática. Pois o filme de Renoir é justamente isso: um drama alegre, em que os medos e o sofrimento dos personagens é mostrado de forma natural e divertida, embora não menos contundente.

Filmada poucos meses antes da Segunda Guerra, a obra faz referências veladas à violência que se instaurava na Europa, e acabaria de vez com a longa vida da classe aristocrática. A principal delas é a cena – um tanto perturbadora – em que os nobres, curtindo a vida na mansão de verão de um deles, caçam coelhos e faisões para o jantar. O guarda-caça e os funcionários da propriedade libertam os animais criados em cativeiro, e os direcionam para um terreno aberto, onde as carabinas dos nobres aguardam para começar a matança. Sem pudores, Renoir mostra os bichos sendo alvejados, e a total indiferença dos nobres para com o acontecido.

A figura principal do filme, porém, é outra, é a tal regra do jogo que o título menciona: a mentira, o jogo de aparências, a dissimulação. Christine, a personagem principal, é uma austríaca, mulher de um aristocrata francês. Ela é espontânea, sorridente, amável. Mas suas atitudes carinhosas despertam muitas paixões, que ela não retribui, em princípio, pois é casada.

Com seu marido, então, vai para a casa de campo, onde começa a conviver mais intensamente com outros aristocratas e a classe plebéia que trabalha na mansão. A partir desse momento, Renoir retrata também o conflito de classes da Europa do entre-guerras (tema que também deu as caras no recente Desejo e Reparação), mostrando plebeus e aristocratas como pessoas muito parecidas, que têm os mesmos desejos e medos.

Do choque entre o sentimento e as aparências, a aristocracia e a plebe, a riqueza aparente e a decadência, Renoir extrai um filme magnífico, frequentemente citado como um dos melhores de todos os tempos, e cujo enredo culmina em uma pequena tragédia, mas muito exemplar: um dos amados de Christine é morto por engano, e outra das jovens aristocratas presentes começa a chorar, desesperada, em frente aos outros. Christine, já experimentada, permanece fria, e conduz a jovem, dizendo ao pé do ouvido: "Controle-se, os outros estão olhando." Com isso, encerra-se o filme. Com isso, coloca-se a última pedra no túmulo da aristocracia, deixando para trás somente duas coisas: a sentença sobre o que a aristocracia significava, emitida por Christine na última fala do filme; e as sombras, que lentamente vão saindo de cena, para não mais voltar.
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