quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Roda #1 - Panorama do Vale de Legium, parte 1






por Lobato Légio

Eu não sou Lobato Légio. Nunca fui, nunca serei, não posso querer sê-lo. À parte isso, tenho em mim todos os Lobatos Légios do mundo.

O quanto de ser Lobato Légio me apetece é aquele tanto em cuja consciência mora a paz, a calmaria de um oceano equanimemente profundo do qual as ondas não encontram terra.

Mas, não sendo Lobato Légio, não encontro essa paz, em lugar algum, senão nas consciências alheias, múltiplas, que não me pertencem.

Só o que tenho é a angústia, o sentimento de necessidade e falta que me impede de ir longe do lugar onde meu coração habita, que limita meus horizontes e, portanto, me define.

Contudo quando, na noite silenciosa, ouço o bater de poderosas asas, acordo ofegante, e começo a correr pelos sonhos frágeis como quem foge da morte, e as cores dos mundos padecentes além das muralhas da minha terra espocam em círculos no ar, atraindo, irresistivelmente, o curso dos meus passos.

E então, desperto, arrasto meu coração, levando-o sobre os ombros a um lugar qualquer que o caminho alcance.

Nessa jornada, só o que anseio é descobrir, saber, ver, com os olhos bem abertos, as coisas intensamente. A curiosidade me move, a loucura me guia, e só o que permanece é o caos, a cacofonia de vozes, a confusão de imagens que escorrem, e vazam, e inundam todas as coisas.

Os sábios me dizem, os anciãos me ouvem, os calmos me abraçam e me levam pelos dedos. Todas essas paragens onde vive o conhecimento, por elas eu caminho, cajado nas mãos, conduzindo o rebanho meus pensamentos em cadenciada marcha, até encontrar um Sol que a Tudo ilumine.

No fim, torno à minha casa, ao meu refúgio no cimo da colina, e meu coração repousa. Deixo meu corpo descansar na cadeira, e recuperar na memória todas as sensações daquele lugar. Os cheiros, os frios e os calores, os duros e os macios.

E Aquele que vem morar na minha cabeça é o que tem a paz na consciência. E, cansado, deito para adormecer, mas não adormeço.

Os sussurros voltam, e um arrepio toca com as pontas frias dos dedos todo o meu corpo, as palavras que me entram pelos ouvidos vão se formando lentamente no salão de espelhos encobertos da minha mente, até que uma luz se acende e, mais uma vez, eu posso ver.

E sinto Lobato Légio correr em mim como um rio por seu leito, e lá fora um grande silêncio como um deus que grita.
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