terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Fale Com Ela

Na arte, o trivial torna-se único, o comum torna-se excepcional, o momento se transforma em eternidade. Às vezes, a única tarefa de uma obra de arte é conceder as condições ideais para um evento corriqueiro e ver o que acontece, mover as cordas de maneira precisa para formar um quadro em que a vida, embora ficcional, flui perfeitamente, e acaba desembocando em nosso coração...

Alguns artistas preferem ser mais frios, outros mais céticos, outros mais realistas, mas nenhum nos toca tanto quanto o que nos toma pela mão e nos vai conduzindo por nossa própria vida, por nossas próprias experiências, transformando-as em nossa memória em obras de arte, assim como é obra de arte aquilo que apreciamos na tela, na página, no palco...

Pedro Almodóvar é um dos principais cineastas a surgir a partir da década de oitenta, e um dos maiores talentos do cinema espanhol em todos os tempos. Em Fale Com Ela, ele dirige uma de suas obras mais emblemáticas, a história de quatro vidas que [insira o barulho da agulha arranhando o disco milhões de vezes tocado do clichê] se cruzam e constroem entre si suas significâncias. Ou mais ou menos isso. Na verdade, temos quatro personagens. Alicia, bailarina, filha de um psicólogo, sofreu um acidente de carro e entrou em estado vegetativo. Benigno, um trintão que por vinte anos cuidou de sua mãe adoentada, sem se relacionar com mais ninguém, sempre observava Alicia na academia de balé da janela de sua casa, e torna-se enfermeiro da moça, por quem nutre uma paixão platônica. Lydia, toureira renomada, está vivendo um momento complicado na vida, após romper um relacionamento com o maior toureiro da Espanha, e acaba se envolvendo com Marco, jornalista apaixonado por música brasileira que saiu de um relacionamento recentemente e se emociona muito fácil. Então, Lydia acaba sendo atingida por um touro e também entra em coma, o que leva esses quatro personagens a se encontrarem na mesma clínica. A partir daí, eles vão começar a se relacionar e coisas vão acontecer...

É impressionante a sutileza com que Almodóvar trata o tema. Esse é o primeiro filme dele que eu vejo, e imagino que seja uma marca sua. A despeito dos aspectos técnicos, que são primorosos (fotografia belíssima, trilha sonora, com participação ao vivo de Caetano Veloso, espetacular, etc.), a maneira com que ele conta sua história é ao mesmo tempo tranqüila e divertida. Sem ser didático, ele vai mostrando os acontecimentos e deixando para nós inferirmos algumas relações entre sentimentos e ações. Como o próprio diretor declarou, o filme é sobre comunicação e solidão, e ele exemplifica isso de maneira tocante e preciosa. Os personagens, mesmo os que cometem as piores asneiras, tornam-se simpáticos aos nossos olhos, nos atraem de alguma maneira. Sem arroubos sentimentais, ele naturalmente deixa que o sentimento tome conta da tela, com passagens sutis mas plenas de amor, de carinho.

Embora seja, por seu enredo, trágico, o filme é, por sua condução, caloroso, gostoso de assistir e ao mesmo tempo fomentador de idéias, de pensamentos novos, de reflexões sobre a vida, o amor, e tudo mais.
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