quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A Noite Americana

Fazer cinema, definitivamente, não é fácil. Quem pensa que é só o diretor pegar uma câmera, arrumar uma locação, chamar os atores e mandar ver, pra depois editar, colocar a trilha e ficar tudo bonitinho, está muito enganado. Essa visão é extremamente reducionista em relação ao trabalho hercúleo que pessoas que trabalham com cinema têm.

Mais uma vez, venho a vocês falar sobre um filme que homenageia a sétima arte e arregaça o coração para gritar aos quatro ventos seu amor pelo cinema. O filme em questão é A Noite Americana, clássico vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro do ídolo nouvellevagueano François Truffault. Tendo por plot a filmagem de um longa-metragem, o filme aborda duas “tragédias”: a da história do filme, que nós sentimos ser um pouco ruinzinha (o enredo, aliás, é basicamente o mesmo de Perdas e Danos); e a da equipe e elenco, muito mais real e, por conseguinte, mais comovente.

Entretanto, apesar de todas essas “tragédias” o filme é, em sua essência, uma comédia, e das boas. Não a comédia atual, de chorar rios vendo, e sim a mais clássica, de situações inusitadas e engraçadinhas. Truffault é mais um apaixonado pelo cinema e usa todo o seu conhecimento, sua técnica, enfim, seu conhecimento de causa para fazer desse um filme perfeito.

Nós temos aqui o conflito dos atores: Alphonse é extremamente carente (ou coitado, como preferir) e seus casos amorosos nunca dão certo; Alexandre viveu a era dos Grandes Estúdios em Hollywood e foi o grande garanhão-do-pedaço. Ele age como a sabedoria no meio do elenco, é o personagem mais cativante, mas também viverá seus percalços; Severine também foi uma diva dos Grandes Estúdios, mas agora, não consegue conviver com a velhice e a perca da beleza e tem uma certa quedinha pelo álcool. Seu perfil lembra muito a de Norma Desmond em O Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, que tem temas semelhantes, mas neste o humor é negro e, portanto, muito mais trágico, enquanto que naquele o humor é mais alegre e irônico, com uma pitada de melancolia; Finalmente, temos Julie, musa atual do cinema americano que passou por uma crise nervosa e ninguém sabe se poderá contar com ela.

E é agora que entra o grande trunfo do filme: não são só atores que tem problemas e conflitos. A equipe técnica existe, é grande e também é composta de seres humanos. A começar por Joelle, a assistente de direção que faz as vezes de roteirista, figurinista e até contra-regra. Ela é a perfeita imagem da total entrega ao trabalho, ao cinema. Liliane é a namorada de Alphonse que conseguiu graças a ele o encargo de trabalhar com o roteiro na hora das filmagens. A relação deles é um dos turning points do filme. Há também o contra-regra, o câmera, o assistente de direção, o produtor, o compositor da trilha sonora, enfim, todas as pecinhas que fazem com que aquelas duas horas de metragem cheguem a você no cinema. Finalmente, há Ferrand, o diretor, grande personagem-símbolo do filme, interpretado pelo próprio Truffault que sonha com sua meninice, quando roubava fotos de filmes no cinema, Cidadão Kane no caso, e tem de lidar com absolutamente tudo que envolve o filme, tudo mesmo! Que arma tal personagem irá usar, a cor disso, a iluminação daquilo, o enquadramento de tal cena, a direção dos atores, os temas do filme, os cenários, os figurinos. Ele é o grande general que comanda a todos com amabilidade mas tem sempre que tomar a decisão.

São com ele que grandes cenas de homenagem acontecem, como o supracitado furto das fotos de Cidadão Kane, e também uma outra cena que transpira amor pela sétima arte: o compositor liga para ele pedindo sua opinião sobre o tema de amor do filme. Enquanto ele toca, Ferrand abre um pacote de onde tira livros sobre vários diretores, como Luis Buñuel, Ingmar Bergman, Alfred Hitchcock, Jean-Luc Godard, Michelangelo Antonioni e Robert Bresson. Mais metalingüístico impossível.

O nome do filme – como vocês devem estar curiosos pra saber – é o efeito de filmar cenas noturnas durante o dia usando um filtro especial (daí o título em inglês, Day For Night). È uma grande metáfora de todos os efeitos especiais usados para levar ao espectador a imagem mais real possível. Desde a trucagem, a perspectiva forçada, o stop-motion e tantas inúmeras outras contribuições de George Meliés ao cinema, até os cenários falsos, os trilhos de câmara e a maquiagem. Chegando mais profundamente à própria dedicação do famoso “cast and crew”, “elenco e equipe”, para transformar um mês de trabalho árduo na diversão semanal de milhões de pessoas.

A Noite Americana, afinal, é um filme que ama o cinema de muitas formas. Ela não só fala sobre filmes em si: sua história, seus ídolos, seus deuses. Mas também sobre o que está por trás dele: as pequenas histórias de cada um, os problemas, as frustrações, que somados formam algo indelével, provando, dessa forma, que a arte pode sim ser maior do que a vida.

2 comentários:

Sib disse...

desculpa, nao tenho muito saco para ler críticas longas de cinema...
você comeca o nosso texto?
se as A.A. quiserem, posso por em prática amanha. se elas nao quiserem, sei lá quando vou poder.
beijos
aliás, sobre o que a gente vai escrever?
(comece a história e me fale mais ou menos como sao os personagens xD)

Jeh/JK disse...

Que filmão!!!
Deve ser muito legal ficar acompanhando o desenrolar do filme enquanto acompanha a vida das pessoas que trabalham nele e "para" ele :B
Como eu disse no comentário do outro post, VAI PRA LISTA!
(HUHAuhAUHAuhUAHUH nunca vou ficar entediada na locadora xDD)