segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Um Conto de Duas Pessoas (III)

Outro trecho desse "Conto de Duas Pessoas". Não se esqueça de continuar conferindo no [Tudo e Nada].
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[...] Seus passos decadentes imprimiam ao solo o leve murmurejar de vidro estilhaçando. Cada flexão, cada passada era mais um arranhão no piso. Lentamente, o próprio movimento espanou os cacos de seu rosto, e seus olhos puderam se abrir mais a contento, enxergando agora bem mais que o borrão lusco-fusco escarlate que antes lhe tomava a visão. A igreja continuava adormecida na penumbra. Os bancos se sucediam como um exército em ordem de batalha, observando impávidos seus movimentos deprimentes. A única iluminação vinha de suas costas, da luz bruxuleante, sinistra que emanava das velas e iluminava tão somente a nave principal. As naves laterais permaneciam enterradas na escuridão. Somente seus santos guardiões suportavam alguma luz, fracos raios do sol, do crepúsculo que tocava delicado as colunas ebúrneas edificadas sobre a pedra e a terra, sustentadoras do edifício.

O moço se virou lentamente para o altar, donde emanava a luz do templo. A cruz se erguia imponente e majestosa sobre a mesa do altar. Um santo que o rapaz não conhecia observava a assembléia do alto do tabernáculo. À direita e à esquerda, nas naves laterais, lampejos permitiam enxergar sacrários secundários, para serem utilizados em caso de necessidade. Em ambos, lia-se IHS em letras douradas. Em ambos, um santo mantinha guarda, esperando imóvel pelos séculos dos séculos. Todo o ambiente parecia um quadro. Os raios multicoloridos do sol, paralisados como pedra. As chamas das velas, quase extintas. Mesmo o ar e o vento se encontravam imóveis. Da cruz que lançava sua sombra sobre o moço, o jovem Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum o observava com olhar de profundo sofrimento e angústia. Por um instante, o rapaz pensou ter visto a imagem lançar a ele um olhar sereno de compreensão, mas essa impressão logo se desfez junto à imobilidade vigente. Após um tempo, tempos e a metade de um tempo, o moço se virou novamente e caminhou a passos largos. Ao chegar às portas da catedral, tocou-as com dedos frios, disposto a ouvir contrito sua silenciosa elegia.

2 comentários:

Jeh/JK disse...

*esperando ansiosamente a continuação*
:B

Igrejas dão medo em qualquer pessoa, sinceramente XD Parecem feitas pra você se sentir pequeno e amedrontado diante do Senhor... ¬¬'

(ultimamente não consigo segurar minhas críticas sobre a Igreja Católica... basta uma brecha pra eu começar a cuspir palavras... Que horror! xD)

x**

Sib disse...

ecco, è pronto, caro mio! ;D
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