quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O chamado

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Lia um livro quieto e contente. Deitado na cama, virava as páginas rapidamente, ansioso de presenciar as próximas cenas. Os olhos passavam pelo texto até o fim da página, e então retornavam ao topo, só para descer novamente. Do meio de substantivos, verbos, conjunções, adjetivos e letras emaranhadas que se exibiam aos seus olhos, surgiu uma palavra que ele não conhecia.
Meio lerdo e preguiçoso, levantou-se e foi até o computador procurar o significado. Entrou no dicionário online pelo menu dos favoritos e digitou as mesmas letras que compunham a palavra misteriosa, na mesma seqüência. O resultado logo carregou e enquanto passava os olhos pela tela pensou ter ouvido chamarem-no.
Como sempre fazia, abriu a porta já dizendo que foi e encontrou a irmã e o pai na sala. A voz que ouvira era de mulher então perguntou pela mãe e rindo-se a irmã respondeu que ela não estava em casa. Também rindo, ele falou que a voz que o chamara parecia a da avó. O pai disse que ele tinha imaginado aquilo mas ele ficou preocupado.
Já ouvira histórias de pessoas que ouviam parentes próximos chamarem e depois iam descobrir que eles tinham morrido por volta daquele horário. Um pouco nervoso um pouco rindo, ligou para a avó, para assegurar-se de que nada mesmo tinha acontecido. A mulher atendeu-o com a voz carinhosa de sempre e ele logo desligou.
Esquecendo-se daquilo voltou para o quarto e retomou a leitura apressada do livro. Queria terminar de lê-lo ainda aquele dia. Já passara muitas páginas quando de novo ouviu chamarem seu nome. Dessa vez, a voz parecia ser a da mãe, e chamava baixo. Saltou da cama abriu a porta com rapidez e foi para a cozinha ver se a mãe tinha chegado.
A irmã, antes mesmo dele chegar até lá, adivinhando suas intenções gritou ninguém te chamou. Já rindo ao encontrá-la tomando água, disse que tinha ouvido uma voz chamando-o novamente, e ponderou que talvez fosse algum barulho de cano ou estampido de lâmpada que ele confundira com o próprio nome.
De novo voltou para a cama e retomou a leitura do livro, fazendo anotações e conjecturas enquanto a história seguia. Perto das dez terminou de lê-lo e como sempre acontecia foi tomado por uma indescritível sensação, mistura de curiosidade pelo além-fim e de nostalgia pelo que já passara. Abriu a porta do quarto, foi beber água e escovar os dentes, o pai desejou-lhe boa noite e com seu passo pesado voltou para o quarto.
A tela acesa do computador o convidava para um intercurso e sem pestanejar ele sentou na cadeira e começou a navegar pela internet. Acessava sites, notícias, blogs, fóruns... sua conduta típica quando estava na frente do computador.
Concomitante a tanto texto imagem e propagandas faiscantes, o episódio das vozes chamando por seu nome voltava-lhe lentamente à cabeça. Agora se lembrava de que na infância quando brincava com os amigos ou jogava bola era freqüente ouvir chamarem seu nome e procurar em vão pelo dono da voz. Achou engraçado aquela recorrência, mas no fundo ficou um pouco preocupado pelos chamados voltarem depois de tanto tempo em silêncio.
Quando a mãe veio desejar-lhe boa noite, ele a abraçou bem forte e disse que a amava. Já de madrugada desligou o computador e ao deitar resolveu que iria até a casa da vó no dia seguinte. Embora racionalmente considerasse que simplesmente havia tomado um som qualquer por seu nome, no fundo ele tinha medo de que alguma voz do além tivesse voltado a procurá-lo.
Por um minuto, imaginou que aquele chamado talvez tivesse vindo através do tempo, e que um dia com certeza sua vó e sua mãe o teriam chamado, ou chamariam, daquele jeito. Mas o sono logo veio e esses medos e suposições se perderam no sono...

Acordou de repente, com a impressão de que alguém o chamara. A casa estava vazia, nem sua mãe, nem sua irmã nem seu pai haviam dito seu nome.
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