quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Roda #12 - Coincidências, Parábolas e o Universo


por Lobato Légio

Ontem, vejamos... Sim, ontem. Foi ontem que, após caminhar por páginas e horas de leituras quase atentas, um círculo se fechou sobre mim. Ontem, terça-feira de Carnaval, eu, lendo um grande livro, colosso a ser escalado pelos amantes das letras, deparei-me com uma coincidência inegável. Certas coincidências são contestáveis, é preciso exagerar muito para enxergá-las. Algumas são uma questão de interpretação: tanto se pode dizê-las coincidências supremas como dois fatos sem relação. Outras, porém, e é dessas que falo, são tão claras em sua relação que paradoxalmente tornam-se obscuras, inexplicáveis, e causam assombro. Ontem, enfim, vivi uma dessas coincidências. No momento a que me refiro, lia o último trecho do quinto capítulo do supracitado grande livro, quando me dei conta de que aquele capítulo se passava na noite de uma terça-feira de carnaval. Ora, aquele que leu até aqui se recorda, com certeza, de que eu lia esse mesmo trecho, eis a coincidência, na noite de uma terça-feira de Carnaval. Sem premeditação alguma, portanto, incidiram, concomitantemente, em meu espírito, dois espaço-e-tempo diferentes, o espaço-e-tempo exterior a mim e aquele do livro que entrava por meus olhos. Sem premeditação, repito, ou previsão possível, aqueles dois ciclos temporais se tocaram, produzindo uma coincidência.

Mas que forma tem uma coincidência no Universo? Digo, se o Mundo fosse composto de símbolos, que símbolo representaria a Coincidência? Qual seria seu desenho? Para encontrar a resposta, imagine o gráfico que descreve uma equação de segundo grau, e retire o plano cartesiano: aí tens a figura da Coincidência. Uma meia parábola, duas linhas que vem do infinito mas estão predestinadas a se encontrar. Não, não são retas paralelas que súbitos alteram seu curso, não. São caminho que seguem, constantes, seu tracejado inescapável, o trajeto que leva a um único destino: a incidência concomitante no mesmo ponto.

E se uma meia parábola é uma coincidência, que será a parábola inteira? Uma parábola inteira é um conto moral, de significado ao mesmo tempo flagrante e misterioso, uma história freqüentemente recheada de grande sabedoria, que pretende expressar uma maneira de ser e de se comportar frente ao mundo. Ora, se metade da parábola é uma coincidência, a incidência concomitante de personagens, acontecimentos, componentes do cenário, estados físicos e psicológicos e integrantes imateriais, contra todas as expectativas, no mesmo instante simbólico, a outra metade é o significado que essa união, essa coincidência adquire. A união de uma coincidência e seu significado: eis a parábola inteira.

Destarte, é razoável supor que, se a parábola simbólica apresenta tal aspecto, uma outra parábola, tão imaginária quanto, também apresente. Falo das parábolas celestiais, os trajetos que os corpos celestes percorrem no espaço. Essas parábolas compõem o Universo e, à maneira fractal, são a imagem reduzida de como o Todo do Universo, a soma de todas as parábolas, se apresenta. As parábolas do céu possuem, como as simbólicas, dois centros, e esses centros, tanto numa quanto noutra são opostos, posto que um é “material”, sólido, e o outro é imaterial, ou mesmo vazio, mas só à primeira vista. Pois quando vemos o Sol que se ergue num dos centros da parábola que nossa terra-mãe, a Terra em si, percorre todos os anos, nos espantamos, por seu brilho e solidez que mal podem ser contemplados, tamanhos eles se apresentam. Mas, ao dirigir os olhos para o outro centro, e encontrá-lo vazio, desdenhamos dele, e chegamos mesmo a considerá-lo nulo, quando na verdade deveríamos pensar nele, e ser curiosos a respeito, e tentar descobrir seu papel. E ao fazê-lo, acharíamos sensato considerar que não é porque não vemos nada ali que não há nada de fato. Desse modo, com a mente limpa de julgamentos apressados, seríamos capazes de sentir o que de fato há no segundo centro da parábola, pois da mesma maneira que, ao fechar os olhos e voltá-los para o sol, somos capazes de sentir sua presença, ao abrir os olhos e voltá-los para o segundo centro, seremos capazes de perceber que ele está ali. Assim é a parábola: o Sol, a Coincidência, esses são incontornáveis. Mas o Significado, o Segundo Centro, esses precisam ser buscados, pois se mesmo de olhos abertos eles não se apresentam facilmente, que dirá de olhos fechados, virados para dentro, voltados para a escuridão que lá reside.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...

Outro Lobato muito bom, com um toque de astrologia.
Coincidencias sao espantosas, mesmo quando sao buscadas.