quinta-feira, 26 de março de 2009

Adaptação

Logo que terminei de ver Adaptação, comecei a pensar sobre o que escreveria na crítica do filme. Com uma certa freqüência fico angustiado nessa situações, tentando compilar impressões e informações sobre o filme num modelo coeso de texto. Apesar disso, porém, sempre escrevo, saia o que sair desse esforço. Dessa vez, até que consegui um resumo interessante do filme. É um filme metalingüístico, que fala de adaptação em vários sentidos. A adaptação das espécies, darwinianamente falando, é só uma pontinha, uma citação, mas as adaptações que realmente importam nele são a dos seres humanos, capazes de mudar muito rapidamente, ainda que isso seja um processo doloroso; e a que de certa forma é a principal do filme, a condutora do enredo, a adaptação de um livro para as telas de cinema, por um roteirista passando por um bloqueio criativo.

Geralmente eu começo com uma introdução sobre o tema, e depois dou a sinopse. Então nada melhor do que construir minha própria sinopse, que não é exatamente a parte mais divertida da brincadeira, principalmente porque eu exagero, mas é necessário. Acho que posso usar essa aqui: Por sua construção fragmentada e circular, Adaptação é um pouco difícil de resumir cronologicamente, mas basicamente é a história de um roteirista, Charlie Kaufman, que é contratado para escrever a adaptação do livro O Ladrão de Orquídeas para o cinema. Charlie tem um irmão, Donald, que também deseja ser roteirista, mas, do ponto de vista de Charlie, só tem idéias óbvias. O problema é que Charlie está passando por um bloqueio criativo, e isso tem a ver com sua própria personalidade ultra-tímida e sua dificuldade em aceitá-la. À medida que lê o livro, ele começa a se sentir atraído pela autora, Susan Orlean, e a imaginar como foi o processo que a levou a escrever aquelas páginas, e o que ela sentiu ao fazê-lo. Atormentado por esses pensamentos, Charlie, após um revelador encontro com um professor de roteiros que ele antes abominava, decide contar, no roteiro, a história da adaptação, mostrando em paralelo sua própria vida, a vida de Susan e os acontecimentos contados no livro. Em resumo: o enredo do filme é a história de sua própria criação.

Eureka! Se o filme conta como ele mesmo foi concebido e criado, a resenha desse filme tem que ser igualmente original e inteligente, não? Desse modo, decidi que a resenha de Adaptação iria contar a história de como eu imaginei a resenha e as idéias que iria colocar nela. Assim tudo ficaria bem. O único problema é que eu comecei a lembrar de uns truquezinhos que o Kaufman, o verdadeiro gênio, usou no filme. A vida de Charlie, sendo o fracasso queria, só poderia render um roteiro ruim mesmo né? Daí ele encheu o filme de narrações em off, que o tio dos roteiros disse ser um crime. Tem também o fator humano da coisa, já que o filme, afinal de contas, é sobre isso. Eu poderia criar um irmão imaginário pra mim, que nem o Charlie fez, mas não acho que daria certo. Até porque uma resenha não é uma história. Eu poderia pedir uma ajudar pro Sr. Lobato Légio e ver o que ele me diria, mas ele não conversa muito comigo. Então resolvi me contentar com minha limitação e deixar o trabalho de gênio para os gênios.

Mas tem também, como normalmente acontece, umas idéias esparsas que eu penso em incluir na resenha mas nem sempre tem espaço para elas. Daí acontece que ou elas ficam deslocadas ou ficam de fora mesmo. Mas eu vou tentar encaixar elas em algum lugar, até porque não é muita coisa. Uma coisa é que esse é o segundo filme do Spike Jonze com o Kaufman. Outra é que o Donald Kaufman, “irmão” do Charlie, foi a primeira pessoa de mentira a ser indicada ao Oscar de Melhor Roteiro, o que com certeza significa alguma coisa – aliás, o filme é dedicado a ele. Outra é que, diferente de Quero Ser John Malkovich, a história desse filme não é surreal, mas plenamente possível de existir. O que há de original nesse filme é a estrutura e, claro, o tema. E a última é que, como em Quero Ser John Malkovich, o humano se sobressai ao “excessivamente criativo”, vulgo bizarro, e torna-se o mais importante, ou seja: embora os truques inteligentes de Kaufman sejam muito legais, o que realmente faz do filme algo significativo é a forma como ele lida com os dramas de Charlie e de Susan, e principalmente a delicadeza e sensibilidade com que trata de Donald, o único protagonista que não existe “de verdade” e ao mesmo tempo o mais carismático, a ponto de sentirmos profundamente a morte dele. Acho que é isso que eu vou ter que encaixar, mas talvez dê para fazer um parágrafo exclusivamente com essas “sobras”.

Dito isso, já tenho bastante coisa para escrever a resenha. Vou deixar bonitinho e bem organizado depois para postar no blog. E acaba de me ocorrer um parágrafo interessante para fechar a resenha:

A adaptação de Darwin acontece à nossa revelia, e a de Lamarck não tem nenhum efeito sobre outros seres. Nós humanos, porém, temos o dom de mudar, de nos adaptar, e esse dom é ao mesmo tempo uma sina e uma necessidade inescapável. Assim, nada mais natural que aceitarmos isso e fazermos de nossos percalços oportunidade para abandonarmos o que não nos serve mais e até mesmo construir a partir deles o caminho para o nosso futuro.
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2 comentários:

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João G. Viana/Pudim disse...

Enquanto lia a sua resenha, pensei: nossa, eu tenho que comentar isso, ficou muitíssimo interessante.
Mas, conforme é de rotina, eu nunca consigo colocar em palavras a minha admiração pelo que você escreve aqui, e o comentário sai um lixo, como é o caso.
Até porque eu não sou habilidoso o suficiente pra continuar a brincadeira.
E tinha outra coisa que eu queria colocar no comentário, mas não sabia onde, então vou copiar o seu truque: quero muito ver esse filme.