sábado, 1 de março de 2008

Sangue Negro

É possível analisar a cinematografia de cada país baseado em temas que cada um apresenta como mais fortes. Nesse viés, o cinema americano seria o do Übermensch, do super-homem. Seja representado na figura do herói de guerra sanguinário, na do herói fantástico, ou simplesmente na do empreendedor. O que é comum é que haja um alguém que lute contra alguma coisa, em geral um sistema, uma sociedade, ou a própria natureza. Pode-se falar também, do cinema americano como o do conflito, da disputa entre dois homens. Essa característica fica bem marcada quando pensamos no faroeste, gênero típico dos EUA, que mostra muitas vezes indivíduos em conflito entre si, mas também contra algum tipo de entidade suprapessoal, como o deserto, a lei, etc.

Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), um dos brilhantes filmes do Oscar 2008, em grande parte mistura esses dois gêneros. Em princípio, há um empreendedor, representado na figura de Daniel Plainview, que trava sua luta contra a própria terra (e otras cositas más), buscando a riqueza acima de tudo, porém não a riqueza gratuita, e sim com uma finalidade muito precisa para ela. Mas em dado momento ele também encontrará um outro empreendedor, de natureza ao mesmo tempo semelhante e diversa da dele, e logicamente ambos entrarão em choque.

No início, temos um longo e silencioso trecho, em que acompanhamos o começo da trajetória de Plainview. Sem música ou diálogos, o vemos escavando o solo à procura de ouro em sua mina de prata, e encontrando petróleo. Alguns anos depois, um de seus empregados morre, e ele acaba adotando o filho do morto, tomando a criança como herdeiro e sócio. Finalmente, quando Plainview já é um prospector firmado, um jovem oferece-lhe uma informação em troca de dinheiro: há um oceano de petróleo sob a região onde ele morava. Assim, Daniel e o filho partem para lá.

São esses acontecimentos que introduzem o corpo do filme. Em Little Boston, a região donde manará petróleo, a Terra Prometida de Plainview, este encontrará um adversário. O pastor e auto-intitulado profeta Eli Sunday, fundador da Igreja da Terceira Revelação. O embate entre eles se dará desde o início, talvez por se reconhecerem como iguais. Um com a promessa de riqueza, e o outro com a promessa de salvação, os dois lutarão, física e psicologicamente. E nesse caminho, como previa o título original, infelizmente alterado, “haverá sangue”.

Tecnicamente, o filme é perfeito. Planos longos, grandiosos, simétricos, se unem com perfeição à trilha sonora arrebatadoramente genial de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead. A trilha é tão excepcional que mereceu menção em quase todas as críticas do filme, e mesmo os espectadores casuais perceberam sua grandiosidade. Outro destaque são as atuações. Primeiramente, há Daniel Day-Lewis. Seu Oscar foi mais do que merecido, é a melhor interpretação em anos no cinema (Hollywoodiano ao menos). Ele simplesmente é Daniel Plainview. Day-Lewis faz o personagem existir, e nos convence de sua veracidade. Destaque também para Paul Dano, que como o pastor Eli Sunday, se torna um inimigo a altura de Daniel. Mesmo o ator mirim Dillon Freasier impressiona. Num papel extremamente complexo para um garoto, ele convence.

Mas a técnica é simplesmente a forma perfeita para um conteúdo fortíssimo. O filme é longo, tem quase três horas, e para os que não estão acostumados, pode ser bem cansativo. Mas, naqueles momentos em que o tom do filme sobe, em que o lento observar explode e salta da tela, é que o filme mostra sua coragem e sua força. Nos deixam grudados na cadeira, prendendo a respiração, esperando pelo instante seguinte. A medida que o filme avança, e o sangue escorre - pelo chão, por dentro, sob a terra -, ele se torna mais arrebatador, culminando numa seqüência memorável e impressionante. Dessas que não saem da cabeça por muito tempo e entram para a história da sétima arte.

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