quinta-feira, 6 de março de 2008

Exílio (parte III)

Um final tosco para algo que não me alegrava. Pode-se pensar ser melhor o nada que o de má vontade, mas não chega a isso. Só mal feito, mal trabalhado, mal escrito. Quem se importa, afinal? Será devorado pelas chamas do tempo, quando os séculos desfizerem-se em cinzas.

____________

Um episódio interessante da minha infância: acordar e ver o céu logo adiante de meus olhos. O teto que me protegia ausente. Um intermitente chocalhar de meus órgãos internos, a própria manhã dourando meus cabelos. Amarrado às costas de meu pai, carga do homem que cruzava trilha no campo. Eu nunca mais vi minha mãe, depois daquele dia. Penso que morreu. Talvez ali mesmo. Porque fugíamos, nunca soube. Mas a inconstância que me fazia enjoar, a claridade enervante, a luz do sol. A surpresa deu lugar ao medo, e o medo ao ódio. Horas servis, de um silêncio enraivecido, entoando pequenas orações de destruição contra a bola amarela que me arrancara dos sonhos e me jogara naquele jogo indefinido.

Não pensei nisso na hora, é certo. Veio-me à cabeça depois... nas lembranças de um momento difuso. E me retornava à mente agora, quando o homem encapuzado entrava pela sala e me chamava de Jericó. Era como se todo aquele ódio, aquele sentimento destrutivo guardado por tantos anos, houvesse simplesmente espairecido, vazado pelos meus poros, me deixando respirar. Jericó, um apelido que meu pai me dera, um codinome, cognome, para nos comunicarmos, após a jornada. Jericó, e o Sol, e um homem encapuzado me olhando nos olhos, parado no meio da sala. Pergunta típica. Quem é você?

Amigo de seu pai. Procuro você por muito tempo. Desde que ele morreu, me pediu para encontrá-lo. E dar-lhe isso: um colar, com a minha foto antiga, e a de minha mãe. Ele me olhou nos olhos, profundamente, como se procurasse algo, e partiu. Seus pés não levantavam poeira. Seu semblante não projetava sombra. Sua imagem desapareceu. Uma miragem devorada pelo sol. Meu grande inimigo...

Os livros foram todos ao chão. Álcool, fósforos. Observei minha fortaleza queimando, fornalha frágil, como outra qualquer. Dia da Ira! Em que os séculos se desfarão em cinzas! Os versos me voltam à mente, hinos, ódio salmodiante. Os meus séculos são revoltos pelo vento, as brasas se avivam, a casa desaba sobre si mesma. Os jovens que costumavam ter medo de mim... contra quem eu dirigiria meu ódio um dia, ao redor observando, olhos fixos. De nada adianta mais. Tudo será levado, no fim das contas. Eu pensei que minhas orquestrações poderiam trazer alento ao descompasso do mundo. Só antecipavam o inevitável.

Volto-me, ignorando as pessoas travestidas nas calçadas. As cinzas já sobem aos céus. Os séculos revoltosos. Miro o poente e encaro sua imensidão. Com determinada resignação, levanto meus pés do chão e volto a deitá-los sobre a terra. Passo a passo. E caminho para o sol.

Nenhum comentário: