sábado, 31 de maio de 2008

Corrente

Corre, meu rio, e que seu fluxo liberte esse dilúvio que me arruína. Deixe ver sua cavalgada em branco azul e conceda que seu destino seja um somente, ainda que infinito. Vejo-te serpentear, e com minhas mãos cuidadosas toco sua correnteza. Sem demora, mergulho em sua alma líquida, mas do retorno só trago essas pálidas gotas, reminiscências de meu sonho azul.

Sua lembrança me persegue, e me alcança, e me assalta. Pronuncio seu nome, que é graça e rio, e repetidamente, e de novo, e outra vez, e não me canso, tamanho o deleite que a eufonia de tão simples palavra causa. Em meus ouvidos, em minha pele, em meus nervos mais profundos.

Como rio, flui você em toda a parte. É na nascente, é na foz, é rio no começo e no fim, essa imagem do tempo. Não há como esquecer, é impossível. Se por montanhas passeio, vejo suas águas brotarem de uma simples fonte para se tornarem um colosso indivisível. Se caminho na praia, contemplo seu estuário e seu fim, seu abandono nas águas maiores do paimardeus, e é colosso, inesquecível.

Mas eis que vagas me assaltam, e a ressaca do desencanto turva meus olhos, e me fere, e me acaba. E vejo seus olhos de rio em tudo, e teus cabelos de rio em tudo, e te vejo, rio e tudo, tanto em início como em fim, e não posso escapar da sua presença.

Rediviva, vem num turbilhão, e cobre tudo que eu alcanço, tornando azul o mundo. Ainda resisto atrás de barragens, mas elas logo se partem, e se liquefazem, e as águas invadem meu cativeiro, e você me inunda, e eu me afogo, e já não sou mais.

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