quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Pílulas Cinematográficas, Edição 13: Especial Orson Welles

.
Na véspera de uma sexta-feira 13, a décima terceira edição das Pílulas! Hoje, mais uma edição especial, dessa vez com os filmes de um diretor único: Orson Welles. Welles é uma figura estranha. Seu primeiro filme é o melhor de todos os tempos por excelência, e o segundo poderia ter chegado lá, não fosse a interferência do estúdio. Ele tem ainda, em sua filmografia, ao menos duas obras-primas do cinema noir, duas obras-primas baseadas em Shakespeare, e uma obra-prima expressionista. Entretanto, o diretor nem sempre é lembrado como um dos maiores de todos os tempos, o que de fato é. De qualquer forma, com esta edição das pílulas presto pela primeira vez tributo ao gênio de Welles, que, indiscutivelmente, transformou o cinema que veio depois dele.
_____________________

Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941): Nove em cada dez listas de melhores de todos os tempos o colocam no topo, e a razão disso é bem simples: nunca um filme inovou tanto. Aproveitando-se de sua experiência no rádio e no teatro, Welles imprimiu no filme inovações na edição do som, utilizando-o para marcar a transição de uma cena para a outra. Além disso, inovou também nos ângulos de câmera, na montagem e, sobretudo, na narrativa. Ao contar a história da vida de Charles Foster Kane (corajosamente inspirada em um personagem real – William Randolph Hearst), Welles não poupou flashbacks nem a platéia, exigindo dela menos passividade e mais cérebro para acompanhar o que se desenrola na tela. Acumulando as funções de diretor, produtor, ator e co-roteirista, Welles realizou todas com perfeição, entregando ao público uma obra perfeitamente engendrada, infinitamente original e, cada vez mais, mítica.
___________________

A Dama de Xangai (The Lady from Shanghai, 1948): A primeira obra-prima noir de Welles foi um fracasso retumbante, mas afinal, as bilheterias nunca foram mesmo muito amigas dele. Aqui, pela primeira vez, Welles investiga a fundo as crueldades da alma humana, e o faz em grande estilo. Rita Hayworth, linda e loira, interpreta uma femme fatale misteriosa, inescrutável, que envolve Michael, o personagem de Welles, em uma intrincadíssima trama de traição e suspeita. Com habilidade, Welles revela o aspecto "tubarão" do ser humano, sem no entanto deixar de investigar os motivos e mecanismos que levam as pessoas a agirem como bestas ouriçadas pelo sangue dos iguais. No final, ainda somos presenteados com uma cena emblemática, cheia de significado e beleza.
____________________

A Marca da Maldade (Touch of Evil, 1958): Dez anos depois, Welles volta ao noir e aos recôncavos escuros do ser humano (metafisicamente falando, por favor). Mas dessa vez ele está ainda mais sombrio. Num memorável plano-sequência, ele inicia o filme apresentando-nos várias informações importantes que terão seu reflexo durante a narrativa. A partir desse ponto, personagens apresentados, ele se aprofundará neles, exercendo seu talento quase incomparável de sondar o caráter e as motivações dos personagens utilizando-se da linguagem cinematográfica. Nesse filme já parece haver uma guinada em seu discurso sobre as ações humanas, ao introduzir as instituições e mecanismos sociais como símbolos da corrupção, e os seres humanos como meros peões que, embora possam, sim, fazer as tais escolhas, às vezes simplesmente estão no lugar errado, na hora errada, fazendo a pior coisa possível...
_________________

O Processo (The Trial, 1962): Adaptação do romance de Fraz Kafka, O Processo é uma obra expressionista condizente com o livro do autor tcheco. Anthony Perkins, o Norman Bates de Psicose, interpreta Josef K., que certamente foi caluniado por alguém, visto que certa manhã o prendem, sem que tenha feito qualquer mal. De uma hora para a outra, K. é introduzido no mundo da Lei e dos tribunais, e conhece personagens típicos desse mundo. Em momento algum ele descobre de que é acusado, e mal tem direito de defesa. O romance de Kafka permaneceu inacabado, mas o escritor chegou a escrever um capítulo que poderia ser o último do livro, com K. sendo executado por dois oficiais da polícia a facadas, “como um cachorro!”. Welles optou por alterar um pouco esse final, mantendo K. desafiador até o último segundo. No filme, os policiais não têm coragem de esfaqueá-lo, e acabam sendo alvos da pilhéria de K.. Por fim, eles jogam uma dinamite no buraco em que o homem estava e o explodem. Welles justificou essa adaptação como uma atualização do romance para depois do Holocausto, mas o fato é que o filme é uma visão pessoal do diretor sobre a obra de Kafka. Extremamente claustrofóbico e escuro, o filme é visualmente impactante, e memorável. A interpretação de Perkins é fabulosa, e o clima que Welles impõe ao filme é exato. Ver a obra como uma alegoria contra a Lei e o sistema penal é reduzi-la, embora sem dúvida ela passe por isso. O mais correto (e impactante) é absorvê-la como se fosse a própria escuridão que ela tange, e entender que lá se esconde toda a culpa, a da alma, a do corpo, a do ser humano, do cidadão, do inocente...
.

Nenhum comentário: