Geralmente, quando escrevo uma crítica, procuro enxergar o que o filme oferece de texto, contexto e simbologia para extrair um sentido dos acontecimentos, falas e personagens. Isso nem sempre é fácil, posto que muitos filmes não tem essa característica de expressão de idéias muito marcante. Que dizer então do cinema de Howard Hawks, mítico diretor estadunidense que disse “Nunca fiz nenhum filme com mensagem e espero nunca fazer”? Obviamente, “mensagem” é bem diferente de “sentido”, mas o objetivo de Hawks na direção era contar uma boa história, e isso sempre ficou bem claro.
Essa característica se reflete no próprio estilo do cineasta, que era, praticamente, não ter “estilo”. Mas isso seria uma bobagem de se dizer, visto que sua obra é muito marcante e própria, e possui sim a marca de seu próprio estilo de fazer as coisas. O que ocorre é que ele tentava contar suas histórias de maneira simples, sem um estilo visual marcante ou rebuscado. E isso ele fazia muito bem, o que o credencia entre os grandes cineastas de todos os tempos.
Onde Começa o Inferno é, pois, um filme fantástico. O título brasileiro, embora soe maravilhosamente, não tem lá muito a ver com a história do filme, o que de resto se tornou clássico nos títulos de faroeste (e de outros tipos de filme, também) no Brasil. O título original (Rio Bravo), embora mais simples, é direto e eficiente: na cidadezinha de Rio Bravo, Joe Burdette se envolve numa confusão e acaba matando um homem desarmado. O xerife local, John T. Chance (John Wayne, em mais um papel memorável) o prende na delegacia, à espera do delegado regional passar e levar o criminoso para a forca. O problema é que o irmão de Joe, Nathan, é um homem rico e poderoso, cheio de pistoleiros contratados, que fará de tudo para libertar o irmão. E o problema maior é que, para defender a cidade e manter Joe preso, Chance conta com apenas um pequeno grupo de ajudantes, quais sejam: Dude (Dean Martin, numa excelente atuação dramática), antigo auxiliar de xerife que, após fugir com uma mulher, volta só e desolado, e torna-se um bêbado; Stumpy (Walter Brennan, vencedor de três Oscar de melhor ator coadjuvante, simplesmente espetacular no papel, que por si só já é ótimo), um velho resmungão e irascível que acaba funcionando como principal personagem cômico do filme; Colorado (Ricky Nelson), um jovem pistoleiro que não tem muita vontade de se envolver mas acaba ajudando muito o xerife; e Feathers (Angie Dickinson, carismática e provocadora), mulher bela e desbocada que se envolve com Chance.
Como se vê, é uma situação tensa, que Hawks administra primorosamente. De modo singular para um faroeste, ele desenvolve exemplarmente o psicológico dos personagens, dando espaço tanto para o cômico (as cenas com Stumpy e o dono do hotel) quanto para o dramático (o problema com o álcool de Dude), tanto para a ação (os tiroteios e perseguições) quanto para o romance (a relação de Chance e Feathers), além das diversas cenas extremamente tensas que pontuam o longa, com o suspense nos fazendo prender a respiração. Isso torna o filme um pouco longo (2:20h), mas nada cansativo, justamente por essa alternância de momentos e ritmos distintos. O cinema, afinal, não é feito só de fotografia ou enquadramentos excepcionais. É feito também de montagem, direção de atores, e, principalmente, de roteiro e personagens, e Hawks foi um contador de histórias como poucos.
No fim, embora não terminemos o filme com uma “mensagem” propriamente dita, ou uma idéia instigante que foi revelada, saímos dele para a realidade com uma sensação reconfortante de ter visto uma ótima história ser contada, uma história do velho tipo, sobre amizade, lealdade e coragem, além de amor, claro, e outras coisinhas mais. E o que é melhor: tudo isso contado no mais natural e fluido estilo cinematográfico, desses de dar água na boca.
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Um comentário:
Falou tudo! Põe em sua lista os filmes do Leone. São os melhores faroeste, no nível de hawks, ford...
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