segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Leituras: Setembro de 2008

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Excepcionalmente, estou publicando as Leituras do Mês não na primeira quarta-feira, mas na última segunda, devido a um conflito de programação com a coluna quinzenal A Roda, de Lobato Légio. Nos próximos vezes, porém, as Leituras continuarão aparecendo de quarta-feira. Nesse mês, li muito menos do que eu queria, mas também, não era pra menos: viajei, tive um monte de compromissos e, como se não bastasse, isso ainda coincidiu com uma não-fase de leitura para mim. Enfim: acabei lendo pouco, mas, pelo menos, lendo bem: meus minutos passados em frente aos livros foram para apreciar a poesia de um dos maiores gênios da língua portuguesa, Fernando Pessoa. O poeta que era uma peça de teatro, o poeta que, como um Dom Sebastião surgido em meio à névoa formada pelo vapor das máquinas e pela fumaça das bombas do início do século XX buscou resgatar a soberania do povo português, não sobre o mar, sobre a terra ou sobre os homens, mas uma soberania espiritual, uma glória da alma. Talvez sua maior obra, a única publicada em vida em português, e uma das que ele-mesmo, ortônimo, assinou, Mensagem trata exatamente disso: do passado glorioso de Portugal e de seu futuro luminoso. Já O Guardador de Rebanhos, a outra obra por mim lida, é totalmente diferente: longe de falar sobre história, mitologia ou as glórias da alma, se agarra na satisfação dessa alma, na satisfação da matéria que existe, sabe que existe, e portanto é feliz.

Mensagem, por Fernando Pessoa: A epopéia Mensagem tem muitas fontes. Foi composta como uma epopéia nacionalista, e inscrita no Prêmio Antero de Quental. Não ganhou, mas por uma razão demasiado trivial, digna de qualquer premiação que busque quantificar valor literário: era pequena demais. Pequena, contudo, tão somente em tamanho, posto que o alcance de suas idéias e de sua forma eram (e ainda são) enormes, sem fim. O título deriva da frase latina (e verso de Virgílio) mens agitat molem, o espírito move a matéria, e se encaixa plenamente no conceito do poema. Logo de cara, somos confrontados com um texto antológico, que serve de introdução. Pessoa cita os navegadores antigos, "Navegar é preciso; viver não é preciso.", e toma para si o espírito dessa frase. Ele quer que sua vida seja grande, luminosa, nem que seu corpo e sua alma tenham de ser a lenha desse fogo. Ele quer tornar sua vida de toda a humanidade, nem que tenha de perdê-la como dele. Depois, em outro texto, esse propriamente de Mensagem, ele analisa as qualidades necessárias para a interpretação dos símbolos, e então, sem perdão, começa a jogar símbolos na nossa cara, paulatinamente, de uma maneira que só um gênio da poesia poderia fazer. Difícil escolher as poesias mais marcantes, Padrão e Mar Portuguez com certeza possuem uma posição de destaque (ao menos para mim), mas outras, como O Monstrengo e Nevoeiro também me marcaram muito. Ao final, ficamos com a sensação de que aquilo é inesgotável. Ainda que sempre nos diga a mesma coisa (e não irá dizer), temos a certeza de que nunca nos cansaremos de ouvir as palavras de Fernando Pessoa.

O Guardador de Rebanhos, por Alberto Caeiro: Apenas mais uma das facetas da genialidade de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro foi o poeta pastor, o camponês ignorante das erudições humanas, mas extremamente consciente de sua condição enquanto ser vivo pertencente à natureza. Adepto da máxima simplicidade, escrevia sem firulas, sem rodeios: era direto, era simples, era claro, límpido como um riacho de águas diáfanas. Talvez aí residisse seu grande trunfo: seus versos transpiram uma sabedoria que parece estar além do nosso alcance. Como um buda que já toca com as pontas dos dedos o nirvana, Caeiro deixa-se estar, e conhece, sem se preocupar, a única verdade: a de que ele, e todas as coisas ao seu redor, existem, e isso lhe basta, e deveria, também, bastar aos outros.
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