quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Laranja Mecânica

Adaptar literatura para o cinema nunca foi tarefa fácil, nem vai ser. Aliás, há um certo consenso que proclama a dicotomia de boa literatura não fazer bom cinema, mas baixa literatura produzir sim bons filmes. Há um cineasta, entretanto, que apesar de não ter escapado dessa sentença, construiu muitas de suas obras da matéria literária, com resultados nada menos que geniais. Estou falando, é claro, de Stanley Kubrick.
Dos filmes do diretor, ao menos 9 (quase a totalidade) foram inspirados em romances ou novelas. Entre os mais famosos (considerando livro e filme), estão Lolita, O Iluminado, De Olhos Bem Fechados, 2001 – Uma Odisséia no Espaço e A Laranja Mecânica. O primeiro é um bom filme, mas é só. Considerando que o espetacular romance no qual ele se baseia é um clássico da literatura, altamente apoiado no estilo para contar sua história, não é de surpreender que Kubrick tenha alcançado pouco êxito, traduzindo tão somente a história para as telas. Acredito inclusive que reside aí a dificuldade de se adaptar os grandes livros para o cinema: neles, a forma é mais importante que o conteúdo; o modo de se dizer algo é tudo. Por isso, uma boa adaptação de um cânone literário teria obrigatoriamente de traduzir para a linguagem cinematográfica o estilo do livro, o que é algo extremamente complicado. Mas estou fugindo do assunto, isso é tema para outra conversa.
As outras adaptações supracitadas são todas grandes filmes, embora enquanto adaptações apresentem diferentes níveis de sucesso. O Iluminado, e isso é consenso entre fãs do filme, do livro, e o próprio Stephen King, não é uma adaptação fiel do romance homônimo do qual tira sua história. O filme exclui toda menção direta a certos fatos sobrenaturais que fazem parte do livro, e com isso acaba constituindo, mais do que um filme de horror, uma história verdadeiramente aterrorizante sobre a loucura. De Olhos Bem Fechados, adaptação do Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler, atualiza a história, mudando seu espaço da Viena do fim do século XIX para a Nova York do fim do século XX. Também faz diversas outras alterações na história, mas de modo geral é considerado um grande filme.
Resta-nos então dois casos muitíssimo especiais. O primeiro, 2001 – Uma Odisséia no Espaço, não é exatamente uma adaptação literária. Na verdade, o livro e o roteiro do filme foram escritos, em cooperação e concomitantemente, por Kubrick e Arthur C. Clarke, de modo que a obra cinematográfica é uma adaptação perfeita, posto que foi concebida como gêmea da obra literária. E o segundo, que por sinal é o tema principal desse texto, é A Laranja Mecânica, que foi adaptado do romance distópico de Anthony Burgess. O livro é muito bom, e possui uma linguagem toda própria, pois é narrado por seu personagem principal, e portanto está impregnado das gírias que ele usa. O filme, contudo, é ainda melhor, e mais significativo para a história da arte.
Basicamente, o filme é a história de Alex DeLarge, um jovem que vive em uma cidade não identificada propriamente, em algum ano no futuro. Ele lidera sua gangue, saindo todas as noites para tomar leite com drogas e praticar a ultraviolência, a violência pesada e sem motivo. Em dado momento do filme, ele é traído e preso, e para sair da prisão se oferece para um programa científico que teoricamente acabaria com a violência dos criminosos. Assim, é submetido a uma terapia de choque, onde recebe compostos no sangue, e depois é forçado a ver filmes cheios de violência. Quando sai, porém, encontra um inquilino morando com seus pais, e, depois de sair de lá, é agredido por pessoas que conheceu antes da prisão, chegando a tal ponto que tenta o suicídio. Sobrevive, tem a lavagem cerebral revertida, e no fim promete apoio a um político que o ajudara.
De maneira geral, o filme é isso, uma história já um bocado perturbadora, mas é nos detalhes que sua força se multiplica. Algumas frases, algumas cenas, algumas imagens se tornam especialmente marcantes. A proposta do filme é fazer uma caricatura do mundo real, para assim, como é próprio das caricaturas, ressaltar as partes mais marcantes desse mundo, e nos jogar na cara que aquilo estava na nossa frente e nós não víamos. Uma caricatura misturada com soco no estômago, como é Laranja Mecânica, tem o efeito de tirar nossa mente da massa anestesiada e amortecida e nos fazer ver as coisas de cima e de perto, de modo a verdadeiramente enxergar o que está acontecendo.
A violência sendo praticada por todos, em diversas formas - polícia, estado, juventude, vítimas (!) -; o questionamento sobre o que faz de um se humano algo vivo e único e a partir de que momento ele torna mecânico e automatizado; e muitos outros são os temas que recheiam e adensam essa obra-prima inigualável. Mesmo tendo mais de trinta anos, a grande obra de Kubrick é urgente e necessária, para nos tirar de nossa indiferença e nos botar rendidos, de joelhos, frente à verdade da crueldade, violência e sadismo que dormitam, subreptícios, em cada ser humano.

Um comentário:

Francisco disse...

grazhny malchick, o filme é puro horrorshow. minha devotchka assistiu comigo e concorda com a minha opnião, um filme que fica no nosso gulliver por um bom tempo, e uma trilha sonora espetacular.