quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Pílulas Cinematográficas, Edição 7: Especial David Lynch

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A obra de David Lynch é única no cinema mundial, e por isso ele é considerado o mais criativo diretor americano vivo. Seus filmes são claustrofóbicos e perturbadores, recheados de elementos assustadores, que o credenciariam para dirigir um filme de terror (prova disso é que Stanley Kubrick fez toda sua equipe assistir a Eraserhead, o primeiro filme de Lynch, pois o gênio queria exatamente aquele clima para O Iluminado). Os temas preferidos de Lynch são o mundo dos sonhos (e pesadelos), as dicotomias (bem/mal, morena/loira, realidade/ilusão, vida/morte), a troca e confusão de identidades, o mistério, o sobrenatural, a cor azul e os coelhos. Ver um filme dele é ser fisgado, e ficar dias com o filme na cabeça, tentando adivinhar que diabos o diretor queria dizer com tudo aquilo. Eu, como se um não bastasse, vi três, e reproduzo abaixo as minhas opiniões a respeito, que muito propositadamente reuni pela internet afora, na ânsia de entender o mundo de Lynch.
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Estrada Perdida (Lost Highway, 1997): Primeiro filme dessa espécie de “trilogia freak” do diretor, aqui Lynch já começa a levar seu gosto pelo estranho às últimas conseqüências. Narrado utilizando a estrutura de uma fita de Möebius, o filme é ao mesmo tempo uma moeda (de duas faces... dãã). Fica em suspenso, e sem resposta, a pergunta sobre se o que vemos é uma única história contada de duas maneiras diferentes ou duas histórias que se confundem, ou ambos! O mistério, o medo, as dicotomias, as confusões de identidade: está tudo ali. Dezenas de perguntas ficam no ar, algumas são respondidas de maneira ilógica... com Estrada Perdida, Lynch inaugurou a série de filmes talvez mais criativos de sua carreira.
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Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001): Cidade dos Sonhos ser um filme colocado exatamente entre Estrada Perdida e Império dos Sonhos é muito significativo. Embora tenha uma estrutura que, observada por completo, à primeira vista é incompreensível, o enredo em si de Cidade dos Sonhos é extremamente linear, e, após desvendado, deixa em suspenso somente o necessário. É bom lembrar que a obra seria uma série de TV, que não vingou, e o último terço do filme, responsável pela confusão daqueles que assistem à ele, foi criado por Lynch para transformar o resto do material em um filme. Mas, embora seja assim, não se pode dizer que a Cidade dos Sonhos é incompreensível e sem sentido. Não vou ficar aqui analisando os pormenores do enredo e os segredos do filme, mas é só procurar pelo nome do filme em português ou inglês no Google que se encontrará inúmeras interpretações de alta qualidade. As que eu mais recomendo são essas duas, em inglês: Lost on Mulholland Dr. e "No Hay Banda." Mas, antes de acessarem esse links, vejam o filme! É uma obra-prima fascinante do cinema mundial e um dos melhores filmes da década.
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Império dos Sonhos (INLAND EMPIRE, 2007): Já em Império dos Sonhos, Lynch adere totalmente ao seu esquema de desconstrução, fragmentação e confusão. Se em Estrada Perdida a falta de sentido era somente parcial e em Cidade dos Sonhos ela funcionava em função do enredo, aqui ela adquire múltiplas personalidades, de tal modo que levou Lynch a ser indagado sobre se estava se sentindo bem mentalmente. Na verdade, o filme é uma espécie de mosaico de histórias-ecos umas das outras que se interligam de formas surpreendentes, mas em certa medida insondáveis. Nem mesmo o diretor e a atriz principal entram em consenso sobre quantas personagens ela interpreta no filme. Que chance nós mortais temos então? Por isso, o jeito é seguir o conselho de Lynch. Ao invés de ficar tentando entender cada detalhe, entremos na viagem e aproveitemos as sensações que o diretor é capaz de proporcionar, pois esse é o segredo de suas obras, e nenhum outro.
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