quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A Roda #7 - Panorama do Vale de Legium, parte 4


por Lobato Légio

Inelutável a atração que Ponto provoca nas mentes humanas. Chama, bradando, e as envolve num amplexo poderoso. Muitas coisas evocam o mar, muitas coisas o mar evoca. De um mero momento, água caindo potente sobre a cabeça, respingando nas paredes, nasce uma idéia. É a consciência, que flui, e desemboca no mar.
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Há um ponto entre os ladrilhos. É uma encruzilhada. Há uma árvore morta. Tombada sobre o caminho que vem do norte. Há morte, no caminho do norte, me diz um corvo. Ele espreita, entre os galhos ressequidos de uma vida passada, hoje só um esqueleto no urzal. É longa a autoestrada. Autoestrada. Eu não tenho uma estrada. Os caminhos se bifurcam, não sei para onde. Qualquer um serve.

Água escorre da parede. O xampu me cega, e seu gosto ruim provoca uma careta. Uma carreta colide com a árvore morta a caminho da horta. O pára-choque entorta. Mais um cadáver.

Alô? – hesito – Preciso conversar.

Sim? – êxito – diga.

Silêncio. Estática. Sem lenço as lágrimas me escorrem ao chão. Elas vêm, em ondas. Eu não sou uma onda. Eu sou o mar. O mar. Imenso. Ordem. Onda. Chuá. Onda. Chuá. A arrebentação faz-me doerem as pontas dos dedos. Eu resisto. Agora é o gosto salgado que me oprime.

Não serei mais aquilo. Serei ira. Das profundezas, e a elas, vem uma voz, que ecoa e destrói as paredes de pedra da enseada. Os grãos de areia suplicam, aterrorizados. Oh não por favor oh não por favor. Rochas imensas caem sobre eles. Rochas pantagruélicas, transubstanciando-se em titãs do tamanho do mundo. Não do tamanho do mar.

Imagem do infinito: o mar. Sem bordas, sem praias, sem um porto seguro onde chegar. Sim, sim! Sou grandessíssimo. Titânico. Colossal. Me ergo e firo a tessitura da terra, para então cair no infinito.

Acordo. Nove nove nove. Seis seis seis. Um dois. Tuu. Tuu. Alô?

Tartamudeando, falo.

O tártaro é o Inferno. Lugar das almas penadas. O lago de fogo eterno. Imagem da eternidade: Cada grão de areia ou gota do oceano, pena dos pássaros ou pêlo dos mamíferos, escama de réptil ou folha das árvores. Cada quark, trinado de gaivota ou manhê. Num monte sem medida. Um pássaro, o corvo do caminho do norte. Vem, a cada giga-ano, levar uma partícula embora. Ao fim do monte, não se passou sequer um segundo da eternidade. Desespero eterno no tártaro.

Mude. Morte e vida cara e coroa começo e fim. Não há diferença. A destruição é a matéria que alimenta as estrelas. Mude. Não há mudança. Somos os mesmos. Somos a esmo. Somos, mesmo que. Mude. Ga-ga-ga.

Andei, andei, andei, andei. Nada nada nada nada encontrei. A estrada que vem do norte está plena de morte. A estrada que vem do oeste nada traz senão o ar marinho. Eu venho de lá? É por isso que almejo esse caminho? Não, não faz diferença. O oeste está fechado, do leste vem a peste, no norte há só morte e o sul é azul. Nenhuma rima ou canção é ouvida pelos lados do pôr-do-sol.

Falo. Não digo. Falo. O dom que recebemos daquele completo, repleto, inexorável, amoroso, divino, ouvidor, rápido Ser. Crescei-vos e multiplicai-vos. Ouvidor. Houve dor. O falo causou a dor. Você é! Eu faço. Ouço um grito, é a dor.

Acordo. Fiz um acordo com ele. Parei de gaguejar e disse: eu sou o mar. Oh não, por favor!
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...

Oooooooohh...
Clap, clap, clap
Unbelievable