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Citação de Sexta excepcional por esse trecho fabuloso.
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“Na cidade (como notou Jacinto), nunca se olham, nem lembram os astros – por causa dos candeeiros de gás ou dos globos de eletricidade que os ofuscam. Por isso (como eu notei) nunca se entra nessa comunhão com o universo que é a única glória e única consolação da vida. Mas na serra, sem prédios disformes de seis andares, sem a fumaraça que tapa Deus, sem os cuidados que, como pedaços de chumbo, puxam a alma para o pós rasteiro – um Jacinto, um Zé Fernandes, livres, bem jantados, fumando nos poiais de uma janela, olham para os astros e os astros olham para eles. Uns, certamente, com olhos de sublime imobilidade ou de sublime indiferença. Mas outros curiosamente, ansiosamente, com uma luz que acena, uma luz que chama, como se tentassem, de tão longe, revelar os seus segredos, ou de tão longe compreender os nossos...
- Ó Jacinto, que estrela é esta, aqui, tão viva, sobre o beiral do telhado?
- Não sei... E aquela, Zé Fernandes, além, por cima do pinheiral?
- Não sei.
Não sabíamos. Eu por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Ele, porque na sua biblioteca possuía trezentos e oito tratados sobre astronomia, e o saber, assim acumulado, forma um monte que nunca se transpõe nem se desbasta. Mas que nos importava que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse Jacinto, outro Zé? Eles tão imensos, nós tão pequeninos, somos a obra da mesma vontade. E todos, Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande, constituímos modos diversos de um ser único, e as nossas diversidades esparsas somam na mesma compacta unidade. Moléculas do mesmo todo, governadas pela mesma lei, rolando para o mesmo fim... Do astro ao homem, do homem à flor do trevo, da flor do trevo ao mar sonoro – tudo é o mesmo corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum frêmito de vida, por menor, passa em uma fibra desse sublime corpo, que se não repercuta em todas, até às mais humildes, até às que parecem inertes e invitais. Quando um sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte: - e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro universo! Jacinto abateu rijamente a mão no rebordo da janela. Eu gritei:
- Acredita!... O sol tremeu.
E depois (como eu notei) devíamos considerar que, sobre cada um desses grãos de pó luminoso, existia uma criação, que incessantemente nasce, perece, renasce. Neste instante, outros Jacintos, outros Zés Fernandes, sentados às janelas de outras Tormes contemplam o céu noturno, e nele um pequenininho ponto de luz, que é a nossa possante terra por nós tanto sublimada. Não terão todos esta nossa forma, bem frágil, bem desconfortável, e (a não ser no Apolo do Vaticano, na Vênus de Milo e talvez na Princesa de Carman) singularmente feia e burlesca. Mas, horrendos ou de inefável beleza; colossais e de uma carne mais dura que o granito, ou leves como gases e ondulando na luz, todos eles são seres pensantes e têm consciência da vida – porque decerto cada mundo possui o seu Descartes, ou já o nosso Descartes os percorreu a todos com o seu método, a sua escura capa, a sua agudeza elegante, formulando a única certeza talvez certa, o grande Penso, logo existo. Portanto todos nós, habitantes dos mundos, às janelas dos nossos casarões, além nos Saturnos, ou aqui na nossa terrícula, constantemente perfazemos um ato sacrossanto que nos penetra e nos funde – que é sentirmos no pensamento o núcleo comum das nossas modalidades, e portanto realizarmos um momento, dentro da consciência, a unidade do universo! – Hem, Jacinto?...”
-A Cidade e as Serras, Eça de Queirós
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sexta-feira, 25 de setembro de 2009
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Na Biblioteca...
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Já publiquei algumas vezes aqui pedaços de coisas que escrevi ou que ainda não terminei. Mais uma vez, lá vamos nós. Mais um dos começos de romance que descansam no disco rígido à espera de que a procrastinação cesse de todo e a vontade sonhadora faça-se em vontade prática para dar à luz o feito ou desastre literário que ainda agora é nada mais que um retalho e uma idéia.
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Os degraus do Lugar Sagrado nos disseram as horas, quando perguntados, mas havia muita fumaça ali, pouco se via, e a bulha dos carros passando, como fundo para o silêncio de nós quatro, recortava aquela imagem de um carro do passado parado no meio fio, as portas recém-fechadas, Pauline receosa de continuar - ela tem medo, sempre teve, seus olhos abrem-se ao menos uma vez por dia de algum espanto ou receio, seus olhos lindos, imensos, tão grandes e tão adequados à sua face e à sua cabeça linda e incomum -, Andrei e Fischer junto dela, um de cada lado, as mãos deles paradas no ar prestes a agarrar os cotovelos da moça, e eu ali, também receoso, também com medo, indeciso sobre continuar subindo e talvez não mais retornar ou deixar-me levar pela aflição, pelo desejo de continuar ao lado dela, de não deixá-la, e no entanto eu já estou no primeiro degrau, não há mais volta, um tremor de terra, sentido parece somente por mim, badalam os sinos da Catedral, já não posso atrasar, não pode haver mais medo, viro e mecânico dou o primeiro passo, é uma longa subida, lembro da imagem dos mosteiros e dos templos nas montanhas, construções encravadas nos picos mais altos, enterradas na pedra e na neve, acessíveis somente pela Escadaria que parece não ter fim, aquela sucessão estreita e desencontrada de planos irregulares de rocha, nada convidativos, iguais em distância à que hoje me desafia, ainda que ao todo situadas no lado oposto dessa, imensa e ameaçadora, de degraus tão altos e tão largos que é preciso escalá-los, jogar os braços por cima deles e se arrastar impotente pelo mármore ocre, humilhar-se voluntariamente para poder atravessar os portais que lá em cima nos aguardam, um mera sombra aqui de baixo, uma sombra absoluta na chegada, lá, de onde não se pode mais olhar pra trás, somente em frente, somente afundar-se na sombra que desde aqui da base, desse recanto ensolarado e enevoado de mundo, já posso sentir.
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Para cada degrau, um enigma. Em minha pequenez observo no alto de cada degrau letras que não conheço, hieróglifos guardiões da senda que segue acima, o caminho críptico para o Portal e a Sombra, desvelado passo a passo, degrau por degrau, pela solução daqueles enigmas.
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Já publiquei algumas vezes aqui pedaços de coisas que escrevi ou que ainda não terminei. Mais uma vez, lá vamos nós. Mais um dos começos de romance que descansam no disco rígido à espera de que a procrastinação cesse de todo e a vontade sonhadora faça-se em vontade prática para dar à luz o feito ou desastre literário que ainda agora é nada mais que um retalho e uma idéia.
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Os degraus do Lugar Sagrado nos disseram as horas, quando perguntados, mas havia muita fumaça ali, pouco se via, e a bulha dos carros passando, como fundo para o silêncio de nós quatro, recortava aquela imagem de um carro do passado parado no meio fio, as portas recém-fechadas, Pauline receosa de continuar - ela tem medo, sempre teve, seus olhos abrem-se ao menos uma vez por dia de algum espanto ou receio, seus olhos lindos, imensos, tão grandes e tão adequados à sua face e à sua cabeça linda e incomum -, Andrei e Fischer junto dela, um de cada lado, as mãos deles paradas no ar prestes a agarrar os cotovelos da moça, e eu ali, também receoso, também com medo, indeciso sobre continuar subindo e talvez não mais retornar ou deixar-me levar pela aflição, pelo desejo de continuar ao lado dela, de não deixá-la, e no entanto eu já estou no primeiro degrau, não há mais volta, um tremor de terra, sentido parece somente por mim, badalam os sinos da Catedral, já não posso atrasar, não pode haver mais medo, viro e mecânico dou o primeiro passo, é uma longa subida, lembro da imagem dos mosteiros e dos templos nas montanhas, construções encravadas nos picos mais altos, enterradas na pedra e na neve, acessíveis somente pela Escadaria que parece não ter fim, aquela sucessão estreita e desencontrada de planos irregulares de rocha, nada convidativos, iguais em distância à que hoje me desafia, ainda que ao todo situadas no lado oposto dessa, imensa e ameaçadora, de degraus tão altos e tão largos que é preciso escalá-los, jogar os braços por cima deles e se arrastar impotente pelo mármore ocre, humilhar-se voluntariamente para poder atravessar os portais que lá em cima nos aguardam, um mera sombra aqui de baixo, uma sombra absoluta na chegada, lá, de onde não se pode mais olhar pra trás, somente em frente, somente afundar-se na sombra que desde aqui da base, desse recanto ensolarado e enevoado de mundo, já posso sentir.
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Para cada degrau, um enigma. Em minha pequenez observo no alto de cada degrau letras que não conheço, hieróglifos guardiões da senda que segue acima, o caminho críptico para o Portal e a Sombra, desvelado passo a passo, degrau por degrau, pela solução daqueles enigmas.
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domingo, 8 de março de 2009
Citação de Sexta: Sombras elétricas

“Quando a derradeira e trêmula imagem de uma sequência de cenas se desvanecia e se fazia luz na sala, exibindo à multidão o campo das visões em forma de uma tela vazia, faltava até uma oportunidade para bater palmas. Não estava presente ninguém que se pudesse aplaudir e admirar, graças à arte por ele demonstrada. Os artistas que se haviam reunido para dar o espetáculo que o público acabava de desfrutar, fazia muito que se tinham dispersado. O que se vira eram apenas as sombras das suas façanhas, milhões de imagens, brevíssimos instantâneos, em que se dissecara a sua atividade durante o processo fotográfico, para que fosse possível restituí-la ao elemento do tempo, cada vez que se quisesse, num curso tremeluzente de tanta rapidez. O silêncio da assistência após o fim da ilusão tinha qualquer coisa de inerte e repugnante. As mãos jaziam impotentes em face do nada. As pessoas esfregavam os olhos, miravam fixamente o ar, tinham vergonha da claridade e desejavam voltar à escuridão, para tornarem a contemplar, para novamente verem, como se desenrolavam, transplantadas para tempo fresco e arrebicadas pela música, aquelas cenas pertencentes a um outro tempo.”
- Thomas Mann, A Montanha Mágica
* O capítulo de hoje do Tratado Universalizante da Xurepa não será publicado por problemas técnicos. Mas semana que vem ele entra na sexta-feira, normalmente.
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segunda-feira, 2 de março de 2009
Grandes Desfechos de Livros 5 (de 5)
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Nas últimas 4 semanas, coloquei aqui no blog os trechos finais de quatro grandes livros. Cada um tinha algo de peculiar e único, que se relacionava com sua maneira de ser. Dois eram conclusivos. O de O Barão nas Árvores fazia uma recapitulação sentimental dos acontecimentos narrados e da própria narração dos acontecimentos. O de Grande Sertão: Veredas, por sua vez, era conclusivo no sentido em que respondia, de uma maneira profunda e de múltiplos significados, a questão que o romance se colocava. Os outros dois finais eram, ao contrário desses, escandalosamente abertos. O de Finnegans Wake terminava numa frase e se ligava, como que por mágica, ao início do livro, enquanto o de O Castelo também terminava numa frase, mas não se ligava a nada, somente nos deixava, sozinhos, frente ao desconhecido.
Já o final que escolhi para finalizar essa lista é ainda mais singular. De uma certa maneira, ele une a recapitulação, a conclusão e a abertura para criar um dos desfechos mais enigmáticos de toda a literatura. Como eu já havia alertado no início da lista, e como fica claro pela proposta dela, são os finais dos livros, o que é bem diferente dos começos, e esses finais, embora não estraguem em geral, a experiência da leitura, podem ser prejudiciais para alguns, dependendo da opinião de cada um.
No caso de O Arco-Íris da Gravidade, o último final (ao menos dessa edição da lista), o último trecho do livro é tão rico e exemplar que pode, sim, revelar algumas coisas. Eu mesmo evitei lê-lo, e só o fiz após ter lido o livro todo. No entanto, o final está tão intrinsicamente ligado ao resto do livro que lê-lo para apreciar sua forma não estraga, de fato, em nada o prazer da leitura, mas antes cria uma expectativa ainda maior a medida que as páginas se sucedem.
Dito isso, podemos prosseguir ao que o torna único, e bem, devo confessar que fico um pouco sem palavras. Embora seja o número cinco - esse número é só para efeito de organização, e não de hierarquia -, posso dizer que é o meu final preferido de livro. Na última divisão apresentada por Pynchon, os trechos ganham títulos, imensamente significativos, e o carrossel deflagrado por tempo e espaço pelo Foguete culmina numa ascensão além do zero, antes de começar a cair, após o Brennschluss, e por fim encontra seu fim em uma explosão silenciosa sobre um velho cinema. Lançando mão de técnica, ritmo, significado e precisão espantosos, Pynchon coroa sua obra-prima com esse final que, a cada vez que eu leio, me causa mais assombro. Acompanhem a bolinha.
___________________________
"Queda
As palmas rítmicas ressoam entre estas paredes, duras e luzidias como carvão: É ho-ra! Co-me-ça! É ho-ra! Co-me-ça! A tela é uma página pálida estendida ante nossos olhos, alva e calma. O filme está partido, ou então queimou a lâmpada do projetor. Era difícil até para nós, velhos fãs que sempre vivemos no cinema (não é?), saber o que aconteceu antes de a escuridão enlaçar a sala. A última imagem era imediata demais para ser registrada pelo olhar de quem quer que fosse. Talvez uma figura humana, sonhando com um fim de tarde em cada grande capital luminoso o bastante para lhe dizer que ele jamais morrerá, indo à rua para fazer um desejo diante da primeira estrela. Mas não era uma estrela, estava caindo, um luminoso anjo da morte. E na extensão terrível da tela, cada vez mais escura, alguma coisa persiste, um filme que aprendemos a não ver... agora é o close de um rosto, um rosto que todos conhecemos –
E é bem nesse ponto, este quadro escuro e mudo, que a ponta do Foguete, caindo a um quilômetro e meio por segundo, absoluta e eternamente sem som, alcança seu último imensurável intervalo acima do telhado deste velho cinema, o último delta-t.
Há tempo, se este conforto lhe parece necessário, de tocar a pessoa a seu lado, ou de pôr a mão entre as suas próprias pernas frias... ou, se é preciso cantar, eis uma canção que Eles jamais ensinaram a ninguém, um hino de William Slothrop, há séculos esquecido e jamais reeditado, para ser cantado com a melodia simples e agradável de uma ária da época. Acompanhe a bolinha:
É a Mão que faz o tempo andar,
Ainda que em tua Ampulheta se esvaia a areia,
‘Té que a luz que abateu as Torres altas
Chegue à Alma Preterida derradeira...
‘Té que os Viandantes durmam à beira
De toda vida desta Zona estropiada
Com um rosto em cada encosta de monte,
E uma Alma em cada pedra da estrada...
Agora todo mundo – "
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Sua vez! Veja o resto do Top e contribua, dizendo quais os finais mais marcantes para você.
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Nas últimas 4 semanas, coloquei aqui no blog os trechos finais de quatro grandes livros. Cada um tinha algo de peculiar e único, que se relacionava com sua maneira de ser. Dois eram conclusivos. O de O Barão nas Árvores fazia uma recapitulação sentimental dos acontecimentos narrados e da própria narração dos acontecimentos. O de Grande Sertão: Veredas, por sua vez, era conclusivo no sentido em que respondia, de uma maneira profunda e de múltiplos significados, a questão que o romance se colocava. Os outros dois finais eram, ao contrário desses, escandalosamente abertos. O de Finnegans Wake terminava numa frase e se ligava, como que por mágica, ao início do livro, enquanto o de O Castelo também terminava numa frase, mas não se ligava a nada, somente nos deixava, sozinhos, frente ao desconhecido.
Já o final que escolhi para finalizar essa lista é ainda mais singular. De uma certa maneira, ele une a recapitulação, a conclusão e a abertura para criar um dos desfechos mais enigmáticos de toda a literatura. Como eu já havia alertado no início da lista, e como fica claro pela proposta dela, são os finais dos livros, o que é bem diferente dos começos, e esses finais, embora não estraguem em geral, a experiência da leitura, podem ser prejudiciais para alguns, dependendo da opinião de cada um.
No caso de O Arco-Íris da Gravidade, o último final (ao menos dessa edição da lista), o último trecho do livro é tão rico e exemplar que pode, sim, revelar algumas coisas. Eu mesmo evitei lê-lo, e só o fiz após ter lido o livro todo. No entanto, o final está tão intrinsicamente ligado ao resto do livro que lê-lo para apreciar sua forma não estraga, de fato, em nada o prazer da leitura, mas antes cria uma expectativa ainda maior a medida que as páginas se sucedem.
Dito isso, podemos prosseguir ao que o torna único, e bem, devo confessar que fico um pouco sem palavras. Embora seja o número cinco - esse número é só para efeito de organização, e não de hierarquia -, posso dizer que é o meu final preferido de livro. Na última divisão apresentada por Pynchon, os trechos ganham títulos, imensamente significativos, e o carrossel deflagrado por tempo e espaço pelo Foguete culmina numa ascensão além do zero, antes de começar a cair, após o Brennschluss, e por fim encontra seu fim em uma explosão silenciosa sobre um velho cinema. Lançando mão de técnica, ritmo, significado e precisão espantosos, Pynchon coroa sua obra-prima com esse final que, a cada vez que eu leio, me causa mais assombro. Acompanhem a bolinha.
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"Queda
As palmas rítmicas ressoam entre estas paredes, duras e luzidias como carvão: É ho-ra! Co-me-ça! É ho-ra! Co-me-ça! A tela é uma página pálida estendida ante nossos olhos, alva e calma. O filme está partido, ou então queimou a lâmpada do projetor. Era difícil até para nós, velhos fãs que sempre vivemos no cinema (não é?), saber o que aconteceu antes de a escuridão enlaçar a sala. A última imagem era imediata demais para ser registrada pelo olhar de quem quer que fosse. Talvez uma figura humana, sonhando com um fim de tarde em cada grande capital luminoso o bastante para lhe dizer que ele jamais morrerá, indo à rua para fazer um desejo diante da primeira estrela. Mas não era uma estrela, estava caindo, um luminoso anjo da morte. E na extensão terrível da tela, cada vez mais escura, alguma coisa persiste, um filme que aprendemos a não ver... agora é o close de um rosto, um rosto que todos conhecemos –
E é bem nesse ponto, este quadro escuro e mudo, que a ponta do Foguete, caindo a um quilômetro e meio por segundo, absoluta e eternamente sem som, alcança seu último imensurável intervalo acima do telhado deste velho cinema, o último delta-t.
Há tempo, se este conforto lhe parece necessário, de tocar a pessoa a seu lado, ou de pôr a mão entre as suas próprias pernas frias... ou, se é preciso cantar, eis uma canção que Eles jamais ensinaram a ninguém, um hino de William Slothrop, há séculos esquecido e jamais reeditado, para ser cantado com a melodia simples e agradável de uma ária da época. Acompanhe a bolinha:
É a Mão que faz o tempo andar,
Ainda que em tua Ampulheta se esvaia a areia,
‘Té que a luz que abateu as Torres altas
Chegue à Alma Preterida derradeira...
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Com um rosto em cada encosta de monte,
E uma Alma em cada pedra da estrada...
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Grandes Desfechos de Livros 4 (de 5)
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Se ficaram incomodados com o final-que-se-recusa-a-sê-lo de Finnegans Wake, certamente o desfecho de O Castelo, de Franz Kafka, há de ser ainda mais assustador. Isso por que esse foi um dos romances que o autor tcheco deixou para a posteridade - na verdade ele não deixou, e sim mandou queimá-los, mas o amigo Max Brod fez questão de contrariá-lo - sem ter terminado. Ainda assim, O Castelo, tal como O Processo, outra de suas obras inacabadas, figura entre as obras-primas do escritor, símbolo de seu estilo, seus temas e suas preocupações.
K. o personagem principal, é um agrimensor que, contratado para trabalhar em um castelo, não consegue sequer entrar lá, ficando à mercê de outros personagens que têm contato com os donos do castelo, e acaba passando o livro todo em uma aldeia próxima. As interpretações do livro são diversas, e não nos aprofundaremos nesse tema. Entretanto, é muito significativo que o livro termine no meio de uma frase, sem que nenhum dos problemas de K. tenha encontrado solução, sem que nenhum resquício de resposta tenha sido deslumbrado. Ironicamente, o romance-inacabado de Kafka é a forma perfeita para os temas que lhe são peculiares, das coisas inescrutáveis, do absurdo, da escuridão além. Por mais que, no fim da vida, Kafka não quisesse, de forma alguma, entregar ao mundo uma obra inacabada, essa "falha" suposta acaba sendo uma das características mais marcantes da obra, um desfecho infinitamente misterioso, infinitamente perturbador, e infinitamente simbólico de tudo o que Kafka explorou.
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O Castelo, de Franz Kafka. Tradução de Modesto Carone.
“A sala na cabana de Gerstacker estava iluminada fracamente só pela chama do fogão e por um toco de vela, sob cuja luz alguém, inclinado num nicho debaixo das traves do teto, que ali se projetavam oblíquas, lia um livro. Era a mãe de Gerstacker. Ela estendeu a K. a mão trêmula e o mandou sentar-se ao seu lado; falava com esforço, era preciso se esforçar para entendê-la, mas o que ela disse”
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Se ficaram incomodados com o final-que-se-recusa-a-sê-lo de Finnegans Wake, certamente o desfecho de O Castelo, de Franz Kafka, há de ser ainda mais assustador. Isso por que esse foi um dos romances que o autor tcheco deixou para a posteridade - na verdade ele não deixou, e sim mandou queimá-los, mas o amigo Max Brod fez questão de contrariá-lo - sem ter terminado. Ainda assim, O Castelo, tal como O Processo, outra de suas obras inacabadas, figura entre as obras-primas do escritor, símbolo de seu estilo, seus temas e suas preocupações.
K. o personagem principal, é um agrimensor que, contratado para trabalhar em um castelo, não consegue sequer entrar lá, ficando à mercê de outros personagens que têm contato com os donos do castelo, e acaba passando o livro todo em uma aldeia próxima. As interpretações do livro são diversas, e não nos aprofundaremos nesse tema. Entretanto, é muito significativo que o livro termine no meio de uma frase, sem que nenhum dos problemas de K. tenha encontrado solução, sem que nenhum resquício de resposta tenha sido deslumbrado. Ironicamente, o romance-inacabado de Kafka é a forma perfeita para os temas que lhe são peculiares, das coisas inescrutáveis, do absurdo, da escuridão além. Por mais que, no fim da vida, Kafka não quisesse, de forma alguma, entregar ao mundo uma obra inacabada, essa "falha" suposta acaba sendo uma das características mais marcantes da obra, um desfecho infinitamente misterioso, infinitamente perturbador, e infinitamente simbólico de tudo o que Kafka explorou.
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O Castelo, de Franz Kafka. Tradução de Modesto Carone.
“A sala na cabana de Gerstacker estava iluminada fracamente só pela chama do fogão e por um toco de vela, sob cuja luz alguém, inclinado num nicho debaixo das traves do teto, que ali se projetavam oblíquas, lia um livro. Era a mãe de Gerstacker. Ela estendeu a K. a mão trêmula e o mandou sentar-se ao seu lado; falava com esforço, era preciso se esforçar para entendê-la, mas o que ela disse”
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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Grandes Desfechos de Livros 2 (de 5)
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Dando sequência à lista de melhor desfechos de romances, vem hoje o ubíquo Joyce. Ao contrário do final da semana passada, recapitulador e conclusivo, o final de hoje é de uma natureza bem diferente, único, eu diria. Finnegans Wake, como já tratei aqui no blog, é um romance singular, então nada mais adequado que seu final ser singular também.
Acontece que, nesse colossal labirinto ainda por ser desvendado, a última frase de suas linhas é nada menos que o começo da primeira frase do livro. Ou, em outras palavras: a última frase termina na primeira página, e a primeira frase começa na última página. Joyce, assim, dá ao livro um aspecto circular, interminável, perfeitamente adequado às idéias do filósofo Giambattista Vico, das quais Joyce tirou um pouco da estrutura do romance.
Além disso, como é marcante no escritor, que fez isso tanto em Ulisses quanto neste Finnegans Wake, o romance termina numa torrente, um fluxo de consciência feminino, e nesse caso, literalmente um rio caudaloso desaguando no mar. ALP, Anna Lívia Plurabelle, o espírito do Liffey, a consciência feminina do ser humano, do mundo, de todo o universo, flui nas páginas entre nossos dedos, e por fim une suas águas às de seu pai, o mar, desintegrando-se e dando lugar a um novo começo que se personifica em sua filha, e na primeira linha do romance, que volta a fluir, reiniciando o ciclo. De deixar boquiaberto qualquer um não?
No Brasil, o título foi traduzido como Finnicius Revém pelos irmãos Campos, que também traduziram alguns trechos em seu Panaroma de Finnegans Wake. Anos depois, o gaúcho Donaldo Schüler tomaria para si a tarefa de traduzir o livro integralmente, tarefa que executou de forma sublime. Deixo aqui, portanto, as últimas linhas do Finnicius Revém, a "versão brasileira", de Donaldo Schüler, para a odisséia lingüística, simbólica, filosófica e artística de Joyce.
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Finnegans Wake, de James Joyce. Tradução de Donaldo Schüler.
“Estou de partida. Que amargo fim! Sorrateiramente partirei antes que acordem. Não vão me ver. Nem saber. Nem recordar-me. E é velha e velha é triste e velha é triste e exausta volto a ti, velhegélido pai, velhegélido indômito pai, meu velhegélido indômito, patético pai, até a mara vista da mera forma dele, as miolhas e miolhas dele, monotonando, me ressalgam, me ressacam e me arremesso, meu início, em teus braços. Eisque seelevam! Salvem-me desses tríveis dentes! Dos más uno dos homomentos mais. Só. Avelaval. Minhas folhas derivam de mim. Todas. Só esta me resta. Paro e porto comigo. Pra remembrança de. Lff! Suave esta manhã, tanto, a nossa. Sim. Leva-me contigo, papito, como quando quedos percorremos a feira dos brinquedos! Se eu o visse baixar sobre mim sob suas alvestendidas asas como que vindo de Arkângelos, penso que pensa findaria a seus pés, húmil, dúbil, débil, laudante. Sim, tá em tempo. Cá estamos. Início. Passamos pastagens, basculhem o bosque a. Vvôo! Gaivvota. Gaivvootas. Apelos do pai. Já vvou, pai. Eis o fim. Nós então. Finn, revém! Toma. Serenamente, remememora-me! Té que thausentes. Lps. As chaves a. Cá tens! A via a lenta a leve a leta a long a”
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Dando sequência à lista de melhor desfechos de romances, vem hoje o ubíquo Joyce. Ao contrário do final da semana passada, recapitulador e conclusivo, o final de hoje é de uma natureza bem diferente, único, eu diria. Finnegans Wake, como já tratei aqui no blog, é um romance singular, então nada mais adequado que seu final ser singular também.
Acontece que, nesse colossal labirinto ainda por ser desvendado, a última frase de suas linhas é nada menos que o começo da primeira frase do livro. Ou, em outras palavras: a última frase termina na primeira página, e a primeira frase começa na última página. Joyce, assim, dá ao livro um aspecto circular, interminável, perfeitamente adequado às idéias do filósofo Giambattista Vico, das quais Joyce tirou um pouco da estrutura do romance.
Além disso, como é marcante no escritor, que fez isso tanto em Ulisses quanto neste Finnegans Wake, o romance termina numa torrente, um fluxo de consciência feminino, e nesse caso, literalmente um rio caudaloso desaguando no mar. ALP, Anna Lívia Plurabelle, o espírito do Liffey, a consciência feminina do ser humano, do mundo, de todo o universo, flui nas páginas entre nossos dedos, e por fim une suas águas às de seu pai, o mar, desintegrando-se e dando lugar a um novo começo que se personifica em sua filha, e na primeira linha do romance, que volta a fluir, reiniciando o ciclo. De deixar boquiaberto qualquer um não?
No Brasil, o título foi traduzido como Finnicius Revém pelos irmãos Campos, que também traduziram alguns trechos em seu Panaroma de Finnegans Wake. Anos depois, o gaúcho Donaldo Schüler tomaria para si a tarefa de traduzir o livro integralmente, tarefa que executou de forma sublime. Deixo aqui, portanto, as últimas linhas do Finnicius Revém, a "versão brasileira", de Donaldo Schüler, para a odisséia lingüística, simbólica, filosófica e artística de Joyce.
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Finnegans Wake, de James Joyce. Tradução de Donaldo Schüler.
“Estou de partida. Que amargo fim! Sorrateiramente partirei antes que acordem. Não vão me ver. Nem saber. Nem recordar-me. E é velha e velha é triste e velha é triste e exausta volto a ti, velhegélido pai, velhegélido indômito pai, meu velhegélido indômito, patético pai, até a mara vista da mera forma dele, as miolhas e miolhas dele, monotonando, me ressalgam, me ressacam e me arremesso, meu início, em teus braços. Eisque seelevam! Salvem-me desses tríveis dentes! Dos más uno dos homomentos mais. Só. Avelaval. Minhas folhas derivam de mim. Todas. Só esta me resta. Paro e porto comigo. Pra remembrança de. Lff! Suave esta manhã, tanto, a nossa. Sim. Leva-me contigo, papito, como quando quedos percorremos a feira dos brinquedos! Se eu o visse baixar sobre mim sob suas alvestendidas asas como que vindo de Arkângelos, penso que pensa findaria a seus pés, húmil, dúbil, débil, laudante. Sim, tá em tempo. Cá estamos. Início. Passamos pastagens, basculhem o bosque a. Vvôo! Gaivvota. Gaivvootas. Apelos do pai. Já vvou, pai. Eis o fim. Nós então. Finn, revém! Toma. Serenamente, remememora-me! Té que thausentes. Lps. As chaves a. Cá tens! A via a lenta a leve a leta a long a”
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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Grandes Desfechos de Livros 1 (de 5)
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Em Novembro passado, fiz um top semanal com cinco dos Inícios de Livros que eu mais gostava. Agora, tomo o lado oposto, fazendo uma lista com cinco dos melhores finais de livros (romances) para mim. Com certeza, colocar o final de um livro em uma lista é bem diferente de colocar o começo, mas eu adoro desfechos de livros e acredito que, tendo um destino como os que eu colocarei nesse top, a viagem torna-se ainda mais agradável. E além do mais, não é um último parágrafo que vai estragar nada de uma história.
Para começar a lista, um final clássico, do tipo conclusivo. Um dos livros da trilogia Os nossos antepassados, O Barão nas Árvores, que já foi analisado por esse blog, tem um enredo interessante: o barão Cosme Chuvasco de Rondó, após discutir com a família, sobe em uma árvore e de lá não desce nunca mais - mesmo. Entremeando o livro, narrado pelo irmão de Cosme, há várias passagens digressivas, sobre as florestas, as pessoas, o estado antigo das coisas...
É uma característica comum da trilogia de Italo Calvino: gente que presenciou de perto os acontecimentos narrados lembrando e contando algo que faz parte de sua própria história, embora os narradores não sejam os personagens principais. É uma trilogia que, embora engraçada, divertida e aventuresca, é sobretudo melancólica, um painel pitoresco e delicado de uma Europa durante a Idade Média até o fim do século XVIII, uma Europa que se perdeu. Assim, nada mais adequado para encerrar um livro (ou a trilogia) do que um parágrafo como o que posto a seguir.
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O Barão nas Árvores, de Italo Calvino. Tradução de Nilson Moulin.
“Penúmbria não existe mais. Olhando para o céu vazio, pergunto-me se terá existido algum dia. Aquele recorte de galhos e folhas, bifurcações, copas, miúdo e sem fim, e o céu apenas em clarões irregulares e retalhos, talvez existisse só porque ali passava meu irmão com seu leve passo de abelheiro, era um bordado feito no nada que se assemelha a esse fio de tinta, que deixei escorrer por páginas e páginas, cheio de riscos, de indecisões, de borrões nervosos, de manchas, de lacunas, que por vezes se debulha em grandes pevides claros, por vezes se adensa em sinais minúsculos como sementes puntiformes, ora se contorce sobre si mesmo, ora se bifurca, ora une montes de frases com contornos de folhas ou de nuvens, e depois se interrompe, e depois recomeça a recontorcer-se, e corre e corre e floresce e envolve um último cacho insensato de palavras idéias sonhos e acaba.”
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Em Novembro passado, fiz um top semanal com cinco dos Inícios de Livros que eu mais gostava. Agora, tomo o lado oposto, fazendo uma lista com cinco dos melhores finais de livros (romances) para mim. Com certeza, colocar o final de um livro em uma lista é bem diferente de colocar o começo, mas eu adoro desfechos de livros e acredito que, tendo um destino como os que eu colocarei nesse top, a viagem torna-se ainda mais agradável. E além do mais, não é um último parágrafo que vai estragar nada de uma história.
Para começar a lista, um final clássico, do tipo conclusivo. Um dos livros da trilogia Os nossos antepassados, O Barão nas Árvores, que já foi analisado por esse blog, tem um enredo interessante: o barão Cosme Chuvasco de Rondó, após discutir com a família, sobe em uma árvore e de lá não desce nunca mais - mesmo. Entremeando o livro, narrado pelo irmão de Cosme, há várias passagens digressivas, sobre as florestas, as pessoas, o estado antigo das coisas...
É uma característica comum da trilogia de Italo Calvino: gente que presenciou de perto os acontecimentos narrados lembrando e contando algo que faz parte de sua própria história, embora os narradores não sejam os personagens principais. É uma trilogia que, embora engraçada, divertida e aventuresca, é sobretudo melancólica, um painel pitoresco e delicado de uma Europa durante a Idade Média até o fim do século XVIII, uma Europa que se perdeu. Assim, nada mais adequado para encerrar um livro (ou a trilogia) do que um parágrafo como o que posto a seguir.
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O Barão nas Árvores, de Italo Calvino. Tradução de Nilson Moulin.
“Penúmbria não existe mais. Olhando para o céu vazio, pergunto-me se terá existido algum dia. Aquele recorte de galhos e folhas, bifurcações, copas, miúdo e sem fim, e o céu apenas em clarões irregulares e retalhos, talvez existisse só porque ali passava meu irmão com seu leve passo de abelheiro, era um bordado feito no nada que se assemelha a esse fio de tinta, que deixei escorrer por páginas e páginas, cheio de riscos, de indecisões, de borrões nervosos, de manchas, de lacunas, que por vezes se debulha em grandes pevides claros, por vezes se adensa em sinais minúsculos como sementes puntiformes, ora se contorce sobre si mesmo, ora se bifurca, ora une montes de frases com contornos de folhas ou de nuvens, e depois se interrompe, e depois recomeça a recontorcer-se, e corre e corre e floresce e envolve um último cacho insensato de palavras idéias sonhos e acaba.”
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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 5 (de 5)
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Para terminar essa série com grandes inícios de livros (meus preferidos), um tesouro nacional. Aproveitando que comemoramos esse ano o centenário do grande Machado de Assis, que este está sendo constantemente lembrado e que amanhã, 9 de Dezembro, estréia a minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, baseada no ilustre Dom Casmurro, o último (ao menos por enquanto) grande início de livro é também o grande início da carreira de romancista genial de Machado.
Embora já tivesse escrito outros romances, eram todos românticos e, no contexto de sua obra, menores. Foi somente com Memórias Póstumas de Brás Cubas que Joaquim Maria alcançou o tom e o estilo que o consagrariam: realista, irônico, metalingüístico, digressivo. Desde o início, o romance já mostra a que veio: é um livro de memórias, mas contado do além-túmulo, e ainda se dá ao luxo de fazer comparações sobre "si próprio" num tom adoravelmente casual.
Para quem acha que o Brasil não foi a pátria de nenhum grande gênio, indispensável.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.”
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Para terminar essa série com grandes inícios de livros (meus preferidos), um tesouro nacional. Aproveitando que comemoramos esse ano o centenário do grande Machado de Assis, que este está sendo constantemente lembrado e que amanhã, 9 de Dezembro, estréia a minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, baseada no ilustre Dom Casmurro, o último (ao menos por enquanto) grande início de livro é também o grande início da carreira de romancista genial de Machado.
Embora já tivesse escrito outros romances, eram todos românticos e, no contexto de sua obra, menores. Foi somente com Memórias Póstumas de Brás Cubas que Joaquim Maria alcançou o tom e o estilo que o consagrariam: realista, irônico, metalingüístico, digressivo. Desde o início, o romance já mostra a que veio: é um livro de memórias, mas contado do além-túmulo, e ainda se dá ao luxo de fazer comparações sobre "si próprio" num tom adoravelmente casual.
Para quem acha que o Brasil não foi a pátria de nenhum grande gênio, indispensável.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.”
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 4 (de 5)
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Um início perfeito para um livro sem fim. O Homem Sem Qualidades, obra prima inacabada do alemão Robert Musil, é apresentada num tom delicioso, uma mistura um pouco irônica do positivismo do fim do século XIX/começo do XX, das correntes ideológicas nacionalistas que se fortaleciam e do estilo literário do autor.
O capítulo I, "Do qual singularmente nada se depreende", é exatamente assim: uma apresentação rigorosa e divertida do que virá pela frente. Descrevendo de uma forma original e completa as condições do dia em que a narrativa começa, Musil nos brinda com uma parágrafo nada menos que extraordinário.
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Um Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth.
"I - Do qual singularmente nada se depreende
Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendencia de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, a variação do brilho da Lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d'água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913."
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Um início perfeito para um livro sem fim. O Homem Sem Qualidades, obra prima inacabada do alemão Robert Musil, é apresentada num tom delicioso, uma mistura um pouco irônica do positivismo do fim do século XIX/começo do XX, das correntes ideológicas nacionalistas que se fortaleciam e do estilo literário do autor.
O capítulo I, "Do qual singularmente nada se depreende", é exatamente assim: uma apresentação rigorosa e divertida do que virá pela frente. Descrevendo de uma forma original e completa as condições do dia em que a narrativa começa, Musil nos brinda com uma parágrafo nada menos que extraordinário.
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Um Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth.
"I - Do qual singularmente nada se depreende
Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendencia de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, a variação do brilho da Lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d'água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913."
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segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 3 (de 5)
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Quaisquer que sejam as crenças e convicções de alguém, a Bíblia tem para essa pessoa ao menos um valor: o literário. Seja você ateu ou crente, panteísta ou monoteísta, a Bíblia (e os livros sagrados em geral) possui grande valor pelo menos enquanto literatura.
No meu caso, sou apaixonado pelo Eclesiastes, um dos livros poéticos e sapienciais da Bíblia. Nesse livro, atribuído a Salomão, há uma belíssima e valorosa reflexão sobre o valor da vida, do conhecimento, e das coisas que fazemos aqui no mundo.
Vou colocar somente o primeiro capítulo, mas recomendo a leitura do livro inteiro que, por sinal, é bem curto. Espero que mesmo aqueles que não tem nunhuma proximidade com a fé judaico-cristã possam identificar o valor desse livro e aproveitar o que ele oferece.
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Bíblia - Tradução Ecumênica - Eclesiastes, 1
"1. Palavras do Eclesisastes, filho de David, rei em Jerusalém
2. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
3. Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?
4. Uma geração passa, outra vem, e a terra permanece sempre.
5. O sol se levanta, o sol se põe, procurando o lugar de onde se erguerá de novo.
6. O vento vai para o sul e vira para o norte, gira, gira e vai embora, sempre retoma o seu curso, o vento.
7. Os rios todos correm para o mar e o mar nunca fica cheio; para o lugar onde correm os rios, para lá retornam.
8. Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las; o olho não se sacia do que vê, o ouvido não se enche do que ouve.
9. O que foi é o que será, o que se fez é o que se fará: nada de novo sob o sol!
10. Se algo existe de que se possa dizer: "Vede, isto é novo!", - já existe desde os séculos que houve antes de nós.
11. Dos tempos antigos não resta lembrança, e quanto aos frutos que virão, também deles não restará lembrança para os que vierem depois.
12. Eu, o Eclesiastes, fui rei sobre Israel, em Jerusalém.
13. Tomei a peito investigar e sondar, mediante a sabedoria, tudo o que se faz sob o sol. Tarefa ingrata essa, que Deus entregou aos filhos de Adão, para nela se aplicarem.
14. Vi todas as obras que se fazem sob o sol: pois bem, é tudo vaidade e perseguir vento.
15. O que está torto não se pode endireitar, o que falta não pode ser calculado.
16. Eu disse a mim mesmo: "Eis que fiz crescer e progredir a sabedoria mais que todos os que, antes de mim, reinaram sobre Jerusalém". Experimentei muita sabedoria e ciência,
17. apliquei o coração a conhecer a sabedoria, e a conhecer os desvarios e as loucuras, e concluí que isso também é perseguir vento.
18. Pois em muita sabedoria há muita aflição; quem aumenta o saber aumenta a dor."
Outra tradução: Bíblia Ave Maria
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Quaisquer que sejam as crenças e convicções de alguém, a Bíblia tem para essa pessoa ao menos um valor: o literário. Seja você ateu ou crente, panteísta ou monoteísta, a Bíblia (e os livros sagrados em geral) possui grande valor pelo menos enquanto literatura.
No meu caso, sou apaixonado pelo Eclesiastes, um dos livros poéticos e sapienciais da Bíblia. Nesse livro, atribuído a Salomão, há uma belíssima e valorosa reflexão sobre o valor da vida, do conhecimento, e das coisas que fazemos aqui no mundo.
Vou colocar somente o primeiro capítulo, mas recomendo a leitura do livro inteiro que, por sinal, é bem curto. Espero que mesmo aqueles que não tem nunhuma proximidade com a fé judaico-cristã possam identificar o valor desse livro e aproveitar o que ele oferece.
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Bíblia - Tradução Ecumênica - Eclesiastes, 1
"1. Palavras do Eclesisastes, filho de David, rei em Jerusalém
2. Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
3. Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?
4. Uma geração passa, outra vem, e a terra permanece sempre.
5. O sol se levanta, o sol se põe, procurando o lugar de onde se erguerá de novo.
6. O vento vai para o sul e vira para o norte, gira, gira e vai embora, sempre retoma o seu curso, o vento.
7. Os rios todos correm para o mar e o mar nunca fica cheio; para o lugar onde correm os rios, para lá retornam.
8. Todas as palavras estão gastas, não se consegue mais dizê-las; o olho não se sacia do que vê, o ouvido não se enche do que ouve.
9. O que foi é o que será, o que se fez é o que se fará: nada de novo sob o sol!
10. Se algo existe de que se possa dizer: "Vede, isto é novo!", - já existe desde os séculos que houve antes de nós.
11. Dos tempos antigos não resta lembrança, e quanto aos frutos que virão, também deles não restará lembrança para os que vierem depois.
12. Eu, o Eclesiastes, fui rei sobre Israel, em Jerusalém.
13. Tomei a peito investigar e sondar, mediante a sabedoria, tudo o que se faz sob o sol. Tarefa ingrata essa, que Deus entregou aos filhos de Adão, para nela se aplicarem.
14. Vi todas as obras que se fazem sob o sol: pois bem, é tudo vaidade e perseguir vento.
15. O que está torto não se pode endireitar, o que falta não pode ser calculado.
16. Eu disse a mim mesmo: "Eis que fiz crescer e progredir a sabedoria mais que todos os que, antes de mim, reinaram sobre Jerusalém". Experimentei muita sabedoria e ciência,
17. apliquei o coração a conhecer a sabedoria, e a conhecer os desvarios e as loucuras, e concluí que isso também é perseguir vento.
18. Pois em muita sabedoria há muita aflição; quem aumenta o saber aumenta a dor."
Outra tradução: Bíblia Ave Maria
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 2 (de 5)
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Continuando a lista dos inícios de livros que eu mais gosto, falo hoje sobre um livro do qual já falei aqui, na primeira resenha de livro publicada por esse blog. Trata-se de Um Retrato do Artista Quando Jovem, primeira obra-prima do irlandês James Joyce.
Esse parágrafo inicial é um símbolo da obra de Joyce: traz coisas clássicas/do passado e as rearranja de uma maneira incrivelmente moderna e à frente de seu tempo, por um lado, e é um tipo de fluxo de consciência, por outro. O parágrafo prenuncia, também, todo o estilo narrativo do livro: ao usar uma sintaxe de pensamento infantil, Joyce representa perfeitamente a consciência de uma criança. E essa sintaxe, durante o livro, irá mudar, evoluir, para representar as diferentes fases da consciência do personagem principal, matéria básica e essencial para um romance de formação como o que o Retrato é.
Enjoy.
__________
Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.
"Era uma vez e uma vez muito bonita mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco.
Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo."
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Continuando a lista dos inícios de livros que eu mais gosto, falo hoje sobre um livro do qual já falei aqui, na primeira resenha de livro publicada por esse blog. Trata-se de Um Retrato do Artista Quando Jovem, primeira obra-prima do irlandês James Joyce.
Esse parágrafo inicial é um símbolo da obra de Joyce: traz coisas clássicas/do passado e as rearranja de uma maneira incrivelmente moderna e à frente de seu tempo, por um lado, e é um tipo de fluxo de consciência, por outro. O parágrafo prenuncia, também, todo o estilo narrativo do livro: ao usar uma sintaxe de pensamento infantil, Joyce representa perfeitamente a consciência de uma criança. E essa sintaxe, durante o livro, irá mudar, evoluir, para representar as diferentes fases da consciência do personagem principal, matéria básica e essencial para um romance de formação como o que o Retrato é.
Enjoy.
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Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.
"Era uma vez e uma vez muito bonita mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco.
Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo."
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segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Grandes Inícios de Livros 1 (de 5)
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A partir de hoje, postarei trechos iniciais de livros (pode ser uma frase, um parágrafo, ou mais) dos quais gosto muito. A idéia é, depois disso, fazer também uma reunião com os melhores desfechos. Os trechos serão postados um por semana, às segundas, sempre com uma informação sobre o livro do qual foi retirado.
Hoje, começamos com o primeiro capítulo (bem curto, por sinal) de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov, da qual já tratei aqui. Nabokov foi um mestre do estilo, e, mesmo sendo russo, aprendeu o inglês e tornou-se um dos maiores estilistas da língua, estando no mesmo nível de muitos estilistas clássicos e legitimamente ingleses.
Obviamente, e ainda mais com livros muito calcados no estilo, muito se perde na tradução. Contudo, não postarei os trechos originais aqui, para manter a lista mais acessível. Só que é fácil de achar na internet o texto original, então procurem. E nesse caso, especialmente, temos a sorte de contar com um tradutor como Jorio Dauster para Nabokov, um verdadeiro artista da transcriação.
Aproveitem, então, o trecho, e, também peço, procurem ler o romance todo. É espetacular!
_________________
Lolita, de Vladimir Nabokov. Tradução de Jorio Dauster. Parte 1, Capítulo 1:
“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins –os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.”
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A partir de hoje, postarei trechos iniciais de livros (pode ser uma frase, um parágrafo, ou mais) dos quais gosto muito. A idéia é, depois disso, fazer também uma reunião com os melhores desfechos. Os trechos serão postados um por semana, às segundas, sempre com uma informação sobre o livro do qual foi retirado.
Hoje, começamos com o primeiro capítulo (bem curto, por sinal) de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov, da qual já tratei aqui. Nabokov foi um mestre do estilo, e, mesmo sendo russo, aprendeu o inglês e tornou-se um dos maiores estilistas da língua, estando no mesmo nível de muitos estilistas clássicos e legitimamente ingleses.
Obviamente, e ainda mais com livros muito calcados no estilo, muito se perde na tradução. Contudo, não postarei os trechos originais aqui, para manter a lista mais acessível. Só que é fácil de achar na internet o texto original, então procurem. E nesse caso, especialmente, temos a sorte de contar com um tradutor como Jorio Dauster para Nabokov, um verdadeiro artista da transcriação.
Aproveitem, então, o trecho, e, também peço, procurem ler o romance todo. É espetacular!
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Lolita, de Vladimir Nabokov. Tradução de Jorio Dauster. Parte 1, Capítulo 1:
“Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor que um assassino para exibir um estilo floreado.
Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins –os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos.”
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