terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Joycoisas

"Joyce é o início, a travessia e o fim da literatura. Há mais conhecimento em um de seus capítulos do que na obra inteira da maioria dos escritores. Seus livros, aliás, são tanto o ponto de partida como o de chegada do conhecimento humano, dada sua abrangência e pluralidade. Entre os escritores, Joyce é Deus."
- Légio, Lobato. Crítica e Comentários à Produção Literária Humana, Vol. III. Paris, Trieste, Zurique. Editado por Papirus Guttenberg. p. 56

Acabei de reler "Um Retrato do Artista Quando Jovem", e agora estou relendo "Ulisses", para depois mergulhar de vez no "Finnegans Wake". Para comemorar, republico um texto que escrevi sobre Joyce, que acredito ser uma ótima apresentação dele para os leigos. Ei-lo:

"Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco."
-Um Retrato do Artista Quando Jovem

"Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, uma espelho e uma navalha de barba. Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã. Ele ergueu a tigela e entoou:
-Introibo ad altare Dei."
- Ulisses

"rollarriuanna e passa por Nossenhora d'Ohmen's, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por commódios corminhos recorrentes de vico ao de Howth Castelo Earredores."
-Finnegans Wake

Assim começam os três romances de James Joyce, obras-primas da literatura mundial, figurando entre os melhores livros de todos os tempos, obras realmente absolutas e revolucionárias saídas da mente de um gênio entre os gênios.

A primeira delas, "A Portrait of the Artist as a Young Man", é uma semi-autobiografia de Joyce. Conta a história de Stephen Dedalus, jovem irlandês que passa a infância no colégio tradicional jesuíta Conglowes. Essa primeira parte do livro é focada em mostrar suas raízes, e sua formação católica. Posteriormente, começam a surgir desejos e ambições nada santos na mente de Stephen, que se torna atormentado pela idéia de pecado e punição. Finalmente, ao fim do livro, Stephen entra na Universidade, contrariando sua suposta vocação para o sacerdócio, e abandona de vez as virtudes cristãs para se tornar um poeta quase pagão. "Retrato" pode ser descrito como uma grande sinfonia, visto que o som e o ritmo das palavras desempenha um papel fundamental no estilo narrativo.

Já "Ulysses" é considerado um dos três maiores livros da literatura mundial. Conta um dia, 16 de Junho de 1904, na vida de Dublin, o "centro da paralisia", como definiu Joyce quando do lançamento de sua coletânea de contos, "Dublinenses". Seu protagonista é o judeu e irlandês Leopold Bloom, o Poldy, junto a sua mulher, Molly Bloom, e ao próprio Stephen Dedalus de "Retrato". Na verdade, muitos personagens na obra de Joyce aparecem em vários livros, visto que eles abrangem um Universo até certo ponto real na Dublin do início do século XX. "Ulysses" é, antes de tudo, uma paródia da "Odisséia" de Homero, relacionando Bloom com Odisseu/Ulisses, Molly com Penélope e Stephen com Telêmaco, da obra grega. Seus 18 capítulos correspondem cada um a uma passagem da obra original, e tem elementos de ligação com a mesma. Nessa obra, considerada o tratado definitivo sobre as emoções humanas, Joyce emprega o fluxo de consciência, um monólogo interior dos personagens, caracterizado de acordo com o perfil psicológico de cada um. A profusão de estilos é outra coisa marcante neste livro, sendo que em alguns capítulos ele percorre desde os genêros jornalístico, épico, científico, etc., até as diversas fases da língua inglesa e mundial, começando nos oradores latinos e indo até as gírias da Dublin "atual". "Ulisses" é um colosso ao qual, como disse T.S. Elliot, "todos somos devedores, e nenhum de nós pode escapar".

E há Finnegans Wake.

Poderia me limitar a essa frase, tal qual Neil Gaiman com a Morte em Sandman, não me aventurando a explicar o inexplicável. Mas vou prosseguir ainda um pouco. "Finnegans Wake" é o "Livro dos livros", uma obra tão plural e aterradora que até hoje, mais de 50 anos após suas publicação, ela ainda não foi totalmente compreendida, e provavelmente, nunca será, pois "FW" foi concebido para ser um livro infinito: sua primeira frase tem início na última página, e sua última frase, portanto, termina na primeira página. Isso compõe um ciclo, que tem raízes na teoria na qual o livro fundamenta parte de sua idéia, de Giambattista Vico, que propunha a divisão da história em Caos- Idades dos Deuses - Idade dos Heróis - Idade dos Homens - Caos, num infinito ciclo de criação e destruição. Dando voz a essa idéia:
"riverrun, past Eve and Adam's, from swerve of shore to bend of bay, bring us, by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs./ A way a lone a last a loved a long the"
Ei-las: primeira e última frases, que constituem uma somente. Poderia ainda falar das palavras criadas a partir de trechos de mais de 65 línguas, de Finn MacCool e Tim Finnegan e dos muitos nomes de HCE e ALP e de Shem e Shaun e Tristrão e Isolda, mas a complexidade de Finnegans Wake/Finnicius Revém é tão desproporcional que não cabe em um texto. Prefiro então deixar essa pequena amostra para despertar a curiosidade dos mais afoitos, assim como a minha foi despertada.

Hic cubat edilis. Apud libertinam parvulam.

Finis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande texto , no sentido total da palavra , e isto você já sabe !

Quem sabe dia , em algum lugar do mundo ,percorrendo os tempo ,eu não tenha o aprazimento , a horizontaliedade de encarar uma obra do exclentissimo James Augustine Aloysius Joyce

adios muchacho!