quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Roda #5 - Panorama do Vale de Legium, parte 3







por Lobato Légio

O velho Toleimã está sete palmos abaixo do chão. Em tempos antigos, devastou muitas terras. Agora, já não destrói mais. Postava-se imponente acima de todas as terras e só o que os moradores de tais plagas faziam era observar seu assombro, espantados, olhos arregalados para o colosso que até o céu se erguia. Ali, entre eles, nascera o Semeador de Ventos, uma criança amaldiçoada, filha do grito e da fuga, adotada pelos aldeões sem consciência de que deixavam o destino entrar pela porta. Quando cresceu, plantou mudas de vento, e uma vez por ano, fazia a Colheita. Tempestades varriam todos os rincões, empurrando o povo daquela terra para um lado e para o outro até o exílio. Em um determinado ano, quando o sol foi especialmente quente, e a água especialmente boa, os pés de ventos deram uma safra especialmente portentosa. Nascia o velho Toleimã.

O furacão colossal assombrou os vales por anos sem conta, tornando nômades os sedentários e desérticas as plantações. Quando estava simplesmente transformando as coisas em destroços, jogava-as para o céu, e fazia as vezes de mensageiro. Levava as mensagens-gentes do sertão sem fim até a terra de Oz e além, nos Orientes longínquos. Agarrados em sua cauda iam bruxas, cangaceiros e deuses imortais. Só os que ficavam agarrados ao chão eram as gentes do povo, com os dedos sangrando de enfiá-los em fendas e em rochas para não ser espedaçado pelo vento.

Com o tempo, passaram a aceitar o velho Toleimã como parte da natureza, uma entidade tão absoluta e cuja presença era tão inerente ao estado das coisas quando o céu ou o chão. Assim que ele se tornou parte óbvia do mundo, começaram a fazer para ele canções e poemas, que o descreviam, louvavam e amaldiçoavam, e inventaram para ele espíritos e deuses, para os quais poderiam rezar a fim de que a tempestade fosse embora.

Tendo adquirido, por meio de seus fustigados, uma consciência metafísica, o velho Toleimã passou a dirigi-la para seus atos, e para as justificativas deles, e percebeu que nada do que fizera até então fazia sentido. Tomado por uma necessidade primal de encontrar seu criador, passou a buscar o Semeador de Ventos, e acabou por encontrá-lo, muito tempo depois, sozinho em sua cabana.

Devido ao seu tamanho e força, o velho Toleimã arremessou, inadvertidamente, a cabana do Semeador para o céu, e o velho ceifador de tempestades desapareceu entre as estrelas. Triste, desse modo, por ter sumido com seu criador, o colosso de vento começou a arrefecer.

Pouco tempo se passou, alguns anos somente de rondas no deserto, e o antigo deus furacão acabou sendo engolido pelo chão, desaparecendo na poeira que um dia transtornara.

Triste e solitário, assim morreu o Velho Toleimã.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...

Primoroso!
Vou guardar a história de Toleimã para sempre