
“Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.”
- Guimarães Rosa
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A influência do cinema ocidental em Kurosawa foi enorme, assim como é enorme a influência de Kurosawa no cinema ocidental. Dizer, porém, com veneno nos lábios, que “Kurosawa é o mais ocidental dos diretores japoneses” é ignorar a freqüência com que ele retratou os costumes e tradições do Japão, além de seus problemas, histórias, e afins. Kurosawa de maneira alguma deixou suas raízes pra trás, mas simplesmente reuniu uma gama maior de influências, juntando Shakespeare, Dostoievski e os westerns à sua bagagem cultural nipônica.
Akira Kurosawa, um dos deuses do cinema, foi um artista completo. Seus filmes eram compostos de maneira extremamente cuidadosa e detalhista, com influências de diversas outras artes. Pintura, teatro, literatura, música: todas se uniam, e eram postas em movimentos, para formar cada uma das obras-primas do mestre.
Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925): Carlitos aparece mais uma vez em um filme bastante alegre e engraçado, com um final feliz e cheio de cenas clássicas. A dança dos pãezinhos, o banquete de sapato, a alucinação do frango... ao mesmo tempo em que são terrivelmente engraçadas, essas cenas evidenciam o tema principal do longa: a miséria de uns em contraste com a ganância de outros. Duas versões foram lançadas: a primeira, de 1925, muda. A segunda, de 1942, reeditada e com trilha sonora.
O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940) : Contra a tirania e a favor da vida, Chaplin fez um filme visionário e ousado. Parodiando o nazismo e o fascismo numa época em que eles ainda não eram impopulares (havia simpatizantes mesmo em Hollywood), Charlie criou mais uma obra essencial e inesquecível. A cena em que o ditador dança com o globo terrestre é uma das mais tocantes que eu já vi no cinema, e o discurso final de Chaplin, nesse que foi o primeiro filme falado do diretor, simplesmente saltou da tela para a História, palavras antológicas e cada vez mais necessárias a medida que passa o tempo e muito do que ele acusou se torna cada vez mais presente.
O Garoto (The Kid, 1921): O “filme com um sorriso, e talvez uma lágrima”, O Garoto sintetiza a carreira e o modo de fazer filmes de Chaplin: um grande tino para a comédia aliado a uma profunda sensibilidade para o ser humano. Entretanto, apesar das antológicas cenas engraçadas, esse é talvez o filme mais triste de Chaplin. O filho recém-nascido do gênio morreu no início das filmagens, e isso afetou o tom do filme, que acabou cheio de cenas de uma beleza que dói. Jackie Coogan, o garoto, tornou-se a primeira celebridade juvenil do mundo, embora não tenha feito uma grande carreira após esse filme. Como o próprio Chaplin disse, ao receber seu Oscar honorário (e ser ovacionado por vários minutos), palavras são fúteis para descrever, então vejam O Garoto, e entendam do que eu estou falando.
Tempos Modernos (Modern Times, 1936): Filme de transição na carreira de Chaplin, meio mudo/meio falado, e também o último filme de Carlitos. Dez anos depois do advento do cinema falado, Chaplin ainda resistia, e faz um filme em que o som aparece somente em rádios, máquinas, efeitos sonoros e canções: Carlitos resiste bravamente, permanecendo mudo e enfrentando a modernidade com obstinação. A única vez em que ouvimos sua voz, vejam só, é quando ele canta uma música totalmente non-sense em um restaurante, situação em que o importa de fato, afinal, são seus gestos. Embora retrate uma luta de indivíduos contra uma espécie de sistema opressor, Chaplin insiste ainda assim em sua máxima, com a canção tema que se tornou clássica, Smile: “Smile though your heart is aching/ Smile even though its breaking”. Ouçamos seu conselho.
O cinema e o sonho, cedo ou tarde, acabam se encontrando. Os maiores cineastas de todos os tempos foram justamente aqueles que, longe de buscar um hiper-realismo, um naturalismo ou qualquer corrente do gênero (que têm seu valor, claro), souberam caminhar no terreno onírico sobre o qual o cinema se constrói. Buñuel, Fellini, Bergman, Tarkovsky... e Kurosawa, os cinco monstros sagrados do cinema, compartilham essa característica de explorar o misterioso, o insondável, de unir o sublime ao grotesco, o engraçado ao trágico, de fugir do gênero e abraçar a humanidade.
A obra prima de um gênio pop. Assim eu defino este filme de Quentin Tarantino, segundo de uma série de longas explosivos que deixaram a marca do cineasta na história do cinema. Tarantino, como diretor e roteirista, introduziu no cinema um aspecto autoral bizarro, composto de uma colagem de referências culturais populares. Assim, tornou-se diferente tanto dos cineastas autorais, que carregam um sentimento de mundo próprio – pois o dele é composto por fragmentos dos filmes e séries a que assistia quando trabalhava como balconista de uma locadora – quanto dos de estúdio – pois sua visão é única e particular.
O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972): O primeiro filme da trilogia é também o melhor. Não desmerecendo os outros dois, que são também obras-primas, mas a primeira parte da saga dos Corleone apresenta um equilíbrio interno ideal. Nada sobra nem falta no longa: ele é, no sentido mais pleno da palavra, perfeito. Desde as atuações, com Marlon Brando insuperável, Al Pacino extraordinário e o resto do elenco também sublime, passando pela ambientação – referência para todos os filmes de época posteriores -, pela música – composta por Nino Rota e magistralmente conduzida por Carmine Coppola – e chegando enfim ao próprio enredo do filme, adaptado brilhantemente do ótimo romance de Mario Puzo, tudo se encaixa: O Poderoso Chefão é um símbolo, da união entre o cinema de estúdio e o autoral, do embate entre a ambição e a honra e nossos sentimentos, de tudo que a sétima arte pode dizer...
O Poderoso Chefão, parte II (The Godfather, part II, 1974): Após a primeira parte ter ganho o Oscar de melhor filme, Coppola nos brinda com mais um ganhador da estatueta, uma nova obra-prima que continua a saga de Michael, embora com um enfoque claramente diferente. Mais longo e lento que o filme anterior, a parte II tem tons mais dramáticos, que seguem em dois caminhos: em primeiro lugar, o do preço que Michael começa a pagar por seu poder e ambição, e em segundo, o da comparação entre ele e Vito, seu pai, que também ascendeu como chefão da máfia. O filme tece de forma brilhante e paciente essas relações, mostrando cenas simples mas significativas da vida de Vito quando era jovem, e de tudo que ele fez para se firmar, ao mesmo tempo em que acompanha Michael por seu inferno pessoal de encarar traições e separações dentro de sua família e se safar da Lei e de seus inimigos que o perseguem. O rosto sombrio e acabado de Al Pacino expressa perfeitamente essa situação. A cena final do filme, em especial, tem uma força raras vezes vista, que sai tanto da situação mostrada em si quanto da expressão que o fantástico ator mantém no rosto.
O Poderoso Chefão, parte III (The Godfather, part III, 1990): Feita muitos anos depois das outras duas, essa terceira parte acabou não agradando tanto, embora seja um final épico e digno para a saga. A atuação de Sofia Coppola como filha de Michael de fato atrapalha, mas o próprio Al Pacino, Talia Shire e o estreante (na saga Corleone) Andy Garcia mantêm o nível. Dessa vez, Michael busca a redenção, pois percebe o que a busca pelo poder lhe causou, e está cada vez mais obstinado em legalizar suas operações. Sair do jogo, porém, não é fácil, e ele vai descobrir isso da pior maneira possível. De certa forma, a mensagem de Coppola é um pouco pessimista: mesmo para se salvar, Michael é obrigado a recorrer aos velhos métodos, e depois dele sempre haverá outros para continuar a fazer o que ele fez. Entretanto, a redenção para o indivíduo é possível, e a cena final dessa saga, de Michael velho, fraco e abatido, lembrando-se de seus amores e enfim morrendo, traz para a vida amargurada desse “padrinho” um pouco de poesia e graça, e termina de forma formidável, e insuportavelmente triste, essa que foi uma das maiores histórias já contadas no cinema.