
"Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada."
- Ricardo Reis
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A nave está tomada pelo silêncio e não se vê nenhum ser vivo. Os corredores vazios permanecem inescrutáveis, e o ar não acusa nenhum movimento. De repente, surge em uma tela até então apagada uma mensagem. Imediatamente os sete tripulantes da nave, que até então hibernavam, são acordados, e contentes começam a conversar, imaginando que, se a nave os acordou, é porque estão perto da terra, perto de casa. Mas a verdade é diferente: o computador que pilota a nave chama o capitão e avisa que eles desviaram da rota para atender a um chamado de origem desconhecida. Prontamente eles se dirigem até o planeta fonte do chamado, e ali descobrirão algo que nenhum (nenhum?) deles esperava...
Até suas cenas finais, O Planeta dos Macacos não passa de uma ficção-científica tradicional, ainda que muito bem executada. A sociedade humana é emulada (na sociedade símia) e criticada como na maioria das outras obras de ficção-científica padrão, enquanto uma história um tanto quanto familiar se desenrola sobre esse pano de fundo. Até que uma revelação final mostra que o que estávamos pensando até então era ingenuidade, perto da verdade que o filme coloca. Vejamos...
Alguns filmes se tornam famosos por terem uma história inovadora. Outros por terem personagens marcantes. Alguns filmes se tornam famosos porque tem uma estrutura diferente, um roteiro provocador, uma trilha sonora inesquecível, frases que ficam marcadas no imaginário popular. Alguns filmes se tornam famosos porque têm tudo isso – e muito mais. Esse é o caso de A Primeira Noite de um Homem, classicão preferido dos ianques, epítome e fonte de vários ícones do imaginário norte-americano, o 7º na lista de melhores filmes em inglês da AFI, 9º entre as comédias.
Hollywood é o paraíso dos gêneros. É bem claro que países onde o cinema depende muito do esforço pessoal de um diretor ou produtor não tem uma tradição de gêneros forte, mas antes filmes bem mais pessoais de artistas esforçados. Nos EUA, entretanto, fica a maior indústria de cinema do mundo, e portanto é natural que lá seja o lar de muitos dos gêneros mais ilustres da sétima arte.
Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot, Billy Wilder, 1959): Dois músicos desempregados presenciam um massacre e passam a ser perseguidos pela máfia. Para fugirem transvestem-se de mulher e vão para Miami junto a uma big band feminina. No fim, até homossexualismo (nonsense) é sugerido. Tudo isso numa comédia. Feita na década de 1950. Ninguém além do diretor nascido na Polônia Billy Wilder poderia ter feito algo desse tipo. O genial cineasta criou nesse filme a comédia considerada pela AFI a melhor de todos os tempos (ao menos entre os filmes americanos, tem cacife para isso) e, independente de listas ou coisas do gênero, um filme fantasticamente engraçado, além de contar com a sempre encantadora presença de Marilyn Monroe. Cheio de piadas dos mais diversos tipos, Quanto Mais Quente Melhor é uma aula de como fazer comédia sem se render aos clichês vigentes e ainda construir um filme cinematograficamente bem feito e poderoso.
O Franco-Atirador (The Deer Hunter, Michael Cimino, 1978): Os dramas em O Franco-Atirador são de pessoas assustadoramente banais. Não há heroísmos, não há crimes, somente desejo, medo e loucura. Os personagens são os americanos típicos dos anos 70: a geração pós-década-de-60 sentindo ainda as novidades do clima liberal mas vivendo sob a sombra do Vietnã. Esse filme é considerado o melhor sobre os traumas que a Guerra deixou na sociedade americana. Os amigos vão para a guerra, vivem seus horrores, mas ao voltar não conseguem viver suas vidas normalmente, situação assustadoramente atual com as dezenas de notícias, reportagens e filmes sobre o estresse pós-traumático do combatentes do Iraque. O Franco-Atirador mostra, com suas imagens limpas e contundentes, que a contagem de mortos de uma guerra é sempre muito maior do que aquela acusada nas estatísticas.
Hannah e Suas Irmãs (Hannah and Her Sisters, Woody Allen, 1986): Os filmes de Woody Allen são deliciosos, divertidos e adoráveis. Com simplicidade, humor e humanidade, o diretor transporta todo tipo de vivência e sonho humano para as telas, criando assim obras que são espelho da sociedade e dos seres humanos, que mostram seus defeitos, seus dramas, suas alegrias, sem nunca perder, no entanto, um certo sentimento indefinível de amor à vida. Nada de sair por aí pulando e gritando em transe, dizendo que a vida é maravilhosa. Com Allen, as coisas são mais sutis, mais delicadas. Hannah e Suas Irmãs é o maior exemplo disso: os personagens são cheios de defeitos, por vezes dissimulados, sofrem pra caramba, mas nós nos apaixonamos por eles e no fim as coisas dão certo de um jeito ou de outro. Irresistível e iluminadamente, Allen nos transporta de volta para o nosso mundo.
O cinema de Werner Herzog é um cinema de conflito, o conflito entre o indivíduo e o meio. Seus protagonistas são todos sonhadores, loucos, solitários. Talvez por isso ele goste tanto de filmar em locações e tenha feito tantos filmes com Klaus Kinski, o ator mais desvairado de todos.
Foto: Bruna Pimenta
A Lista de Schindler (Schindler’s List, 1993): Baseado no romance de Thomas Keneally sobre o empresário alemão que salvou milhares de judeus do holocausto, esse longa deu a Spielberg o Oscar e é considerado por muitos sua obra-prima. Longo, belo e dramático, o filme é uma daquelas obras quase unânimes, realmente únicas. Não chorar ou ao menos se emocionar em alguns momentos, especialmente no final, é sinal de que não se tem muito apreço pelo ser humano. A Lista de Schindler permanece como um dos filmes mais importantes sobre o Holocausto, embora nunca se possa falar em registros “definitivos” desse episódio negro da história da humanidade. O que se pode dizer é que, além de drama histórico tocante e humano, o filme é um grito, um apelo pela identificação com o sofrimento alheio e pela postura ativa em defesa da vida, pois aquele que salva uma vida, salva todo o mundo.
Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977): Diferente dos outros filmes dessa lista, Contatos não é a adaptação de um romance. Por isso, é um projeto mais pessoal de Spielberg, e apresenta algumas idéias muito caras ao diretor. Longas em que os alienígenas são seres amistosos, buscando comunicação, e não predadores interestelares sedentos de sangue, eram uma raridade, mas Contatos entrou para a história como um desses filmes. Spielberg põe em prática aqui suas especialidades: pessoas comuns em situações extraordinárias, dramas familiares, e a utilização consciente dos efeitos especiais, que servem somente de escada para o verdadeiro encanto do filme. À medida que Roy fica mais obcecado por sua visão, Claude Lacombe descobre mais coisas sobre os avistamentos de OVNI’s e Gillian chega mais perto de encontrar seu filho, a tensão cresce, até culminar no espetacular e emocionante final, uma dessas cenas atemporais e cheias de significado e magia que fazem a sétima arte valer a pena.
A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985): Apaixonante. Difícil definir de outra forma essa outra obra-prima de Spielberg, e também o filme que eu mais gostei desses três das Pílulas. Como disse o crítico Roger Ebert, “não existe uma cena que não reflita o amor dessas pessoas por este filme”, e de fato, cada frame do longa pulsa, tamanho o sentimento que diretor, roteiristas, elenco, e o compositor da trilha sonora, Quincy Jones, depositaram nesta obra. Baseado no romance epistolar de Alice Walker, A Cor Púrpura retrata a vida de uma pessoa que era definida por todos os adjetivos ligados ao “elo fraco” da sociedade. Como diz um personagem do filme, Celie, a protagonista, é “preta, pobre e mulher”, e portanto não tem como se dar bem na vida. As passagens em que o filme retrata a opressão contra quem possui essas características são uma denúncia contundente contra os malditos machistas e racistas, e se encaixariam perfeitamente em qualquer filme denúncia. Porém, esse não é o caso aqui, A Cor Púrpura é uma história de seres humanos, e não de massas rotuladas. Ao contrário do que o começo do filme pode dar a entender, o enredo não conta uma seqüência de tragédias, mas sim a vida de alguém que, embora sofra muito, persiste sempre. As cenas finais do longa - desde a ceia de Ação de Graças, passando pelo coro da igreja, até chegar ao reencontro – são todas catárticas, e dão aquele aperto no coração que só quem conhece muito bem a alma humana, como Spielberg, pode proporcionar.
Muito se discute sobre quais seriam os critérios universais para avaliar a Arte, e o cinema não escapa disso. Sempre se pergunta onde mora a qualidade artística, o que faz de um filme bom e de outro ruim, e por que o gosto subjetivo muitas vezes não tem nada a ver com essa avaliação. Alguns gostam também de procurar um objetivo para o cinema, de saber para que ele serve, se o propósito é divertir, emocionar, refletir, fazer pensar, ou simplesmente existir como objeto de, hmm... apreciação artística.