quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Paris, Texas

O deserto padece, a poeira estagna, a águia sobrevoa as planícies áridas e, por fim, crava seus olhos em uma figura destoante: um homem, de barba grande, boné, e com um galão de água nas mãos. Ele caminha, sozinho, pelo deserto. Encontra um posto e, lá dentro, buscando por gelo para atenuar sua ardência, desmaia. Somos então apresentados a seu irmão, que se vê forçado a ir atrás dele. Pouco depois, descobrimos que o solitário errante é Travis, desaparecido há mais de quatro anos. Seu irmão, Walt, e a mulher, Anne, moram em Los Angeles, e criam o filho de oito anos de Travis – chamado Hunter – e de sua mulher, também desaparecida, Jane.

O longa é belíssimo. Sua fotografia é estonteante, de cortar o fôlego, e a música, composta por Ry Cooder, casa perfeitamente com o clima do filme. Até ajuda a construí-lo. Mas não só por isso. O diretor Wim Wenders, vivendo sua fase americana, nos entrega aqui um de seus melhores filmes. A beleza da história só aumenta à medida que o tempo corre.

No início um pouco arisco com o pai ausente, quase desconhecido, logo Hunter se aproxima de uma forma extrema de Travis. Amigos, os dois decidem ir atrás da mãe desaparecida, para se juntar a ela. Mas no fundo, Travis tem outros planos.

A cena em que ele se revela para Jane, e os dois se fundem pelo vidro que os separa, é de cortar o coração. Mesmo que as pessoas se esforcem em se unir, e a própria vida ajude, esta também conspira contra elas, usando os próprios defeitos deles como arma. No fim, resta-nos fazer uma escolha. Como sempre, o poder está em nossas mãos, mesmo nas menores coisas. As conseqüências, o futuro, não importam, só importa a ação. Só importa o sacrifício. Paris, Texas”, é uma maravilhosa parábola sobre o significado do amor humano.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Resenha: Admirável Mundo Novo

A distopia é um gênero crítico por excelência. Elas simplesmente não são escritas sem ter como referência problemas e características do nosso próprio mundo atual. É assim com “A Laranja Mecânica”, é assim com 1984”, é assim com “V de Vingança”, “Fahrenheit 451”, “Matrix”, e outros. E é assim, também, com um dos grandes clássicos do gênero, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, prolífico escritor inglês, neto do biólogo Thomas Huxley, o maior defensor das idéias de Darwin. Autor de obras como “Contraponto” e “Os Demônios de Loudun”, ficou célebre com este livro assustador e maravilhoso sobre as escolhas da humanidade e suas conseqüências.

O ano é 2540 d.C., mas para os personagens do livro é 632 d.F., ou seja, depois de Ford. Para eles, Henry Ford, criador das linhas de produção, foi o messias, e eles o invocam por meio do sinal de “T”, no peito, em referência ao célebre modelo do inventor. Nessa sociedade, todos vivem sob o imperativo da felicidade. São divididos em castas: os Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ípsilons. As duas primeiras são compostas de indivíduos únicos, mas as restantes passam por um processo que divide seus embriões e produz cerca de oitenta pessoas iguais. Tudo isso para que, trabalhando juntos, haja um sentido de identidade entre eles.

Mas não é só. Não há pais, mães ou relacionamentos duradouros. Os embriões são “montados” em linhas de produção, de acordo com sua casta. Desde o nascimento, são condicionados, seja por hipnopedia (repetição de frases durante o sono) ou outros métodos, a aceitarem a Morte e tratarem o Sexo como algo absolutamente trivial, para ser praticado sempre e com todos. Esse condicionamento os leva também a se sentirem totalmente satisfeitos com sua condição, seja a de pesquisador ou ascensorista. E se, porventura, algo de ruim acontecer, sempre é possível (e aconselhável), recorrer ao soma, droga alucinógena que traz de volta a felicidade.

No início, vemos Bernard Marx, personagem que passou por um trauma quando ainda era um embrião e se sente incomodado em sua posição. Mas consegue que Lenina Crowne, uma donzela assaz pneumática, vá com ele até a Reserva dos Selvagens, onde tribos de índios americanos ainda vivem como nos tempos antigos. Lá, encontram uma mulher Beta, que se perdeu na Reserva há muito tempo, e seu filho crescido. Interessado na fama que isso lhe trará, Bernard o leva para a “civilização”, coisa com que o jovem sempre sonhou, e veremos então o que acontece.

O livro é perturbador por fazer uma reflexão sobre o preço das coisas, e o que nos torna humanos. Para que não nos entristeçamos ou tenhamos que pensar coisas ruins, não há Arte. De modo análogo, a Ciência é suprimida. A única verdade que interessa é a dos Administradores Mundiais. Quem me conhece sabe que eu considero essas duas coisas a grande razão da vida humana. Ver uma sociedade sem essas coisas é como ver uma colônia de robôs. E de fato, são o que os seres desse futuro são: máquinas que reagem a estímulos.

Mas todos são felizes, não? De fato, a felicidade é algo fornecido pelo Estado e irrevogável. Mas em troca de quê? Isso me faz pensar em Cuba, a cujo governo oficial Fidel Castro recentemente renunciou. Uma medicina entre as melhores do mundo. Educação invejável. Garantia de emprego pelo resto da vida. Mas, por outro lado, não há liberdade de pensamento, de expressão. Não há arte no comunismo. Só o que importa é o que acontece, é a jornada do proletariado. Pode parecer algo demasiado subjetivo, vaporoso, comparado a ter saúde e educação, coisas concretas, essenciais. Mas, se sentimos aquele estranho revolver no estômago ao olharmos para esse “Mundo Novo” do livro, é porque de fato aquilo importa.

Shakespeare, a partir do momento em que o Selvagem entra em cena, pontua o livro. Ele é uma das expressões máximas da cultura ocidental. O nosso mundo é shakesperiano. Ele de certa forma criou o ser humano atual. Vê-lo em contraste com os robôs de plástico, todo uns iguais aos outros, é muito significativo. Como disse antes, a distopia é sempre uma alegoria de nossos tempos, um alerta. Olhar para o presente e ver coisas, se não tão assustadoras, assustadoras o suficiente, é motivo de um leve arrepio, de um certo mal-estar. Tenho medo do dia em que deixarmos de ser humanos em troca de casa, comida, e roupa lavada.


Oh maravilha! Como há aqui seres encantadores! Como é bela a humanidade! Oh! admirável mundo novo, que contém criaturas tais!”


P.S.: A melhor sentença do livro aparece na conversa entre o Selvagem e Mustafá Mond. “Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado. [...] Eu reclamo o direito de ser infeliz.” Creio não ser necessário dizer mais nada.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Defina Vida

"Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada."
Ricardo Reis/ Fernando Pessoa

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Acho extremamente redutivas as sentenças que tentam condensar a vida em uma mera relação de ser ou não alguma coisa. A vida é isso, a vida é aquilo. Sentenças como “a vida é feita de momentos” são válidas, mas são somente uma minúscula faceta de um todo praticamente infinito. A vida é uma coisa, perdoem a expressão, viva, ou seja, ela existe agora, está em movimento, ressurge e muda a cada instante. Desse modo, as verdades sobre a vida se acumulam e se sobrepõem.

Um exemplo disso são os ditados, famosas “pérolas da sabedoria popular” que, entretanto, são extremamente contraditórios. O que está mais correto: “melhor um pássaro na mão que dois voando” ou “quem não arrisca não petisca”? “Os olhos são as janelas da alma” não? Mas não está correto que “quem vê cara não vê coração”? E por aí vai, os exemplos se multiplicam. Isso não quer dizer que os ditados populares não têm valor, mas tentar reduzir a multiplicidade da vida a uma tabela de situações que se repetem chega a ser ridículo.

Tentar definir a vida é cair no vazio, porque para cada sentença “sim”, há uma sentença “não”. A vida é feita de alegrias, mas também de tristezas. A vida é feita de conquistas, mas também de tropeços. Ela é feita de sonhos, e também de realidade. De espera, de gozo, de sofrimento. A vida é uma coisa tão grande porque são muitos os que vivem, e para cada novo “vivente” acrescentado à equação, mais complexa ela se torna. Todos tem sua verdade, que só serve para si mesmo e que é correta.

Voltando à nossa sentença inicial, dizer que “a vida é feita de momentos” é muito justo: são os momentos, as partes da vida editadas, que permanecem em nossa memória. Mas, por outro lado, o melhor da festa é esperar por ela, e ignorar a travessia, considerar só os inícios e os finais, é perder tudo que o viver nos oferece. O que importa não é o destino, mas a viagem.

Até porque a única verdade aparente sobre a vida é que ela é finita (daí o destino final de todos, a morte) e única. Por isso tantos disseram, com palavras diferentes, que só se vive uma vez: viver é desenhar sem borracha, a vida não tem rascunho, etc. Mas, ainda assim, estamos nos baseando somente no provado, no conhecido. É semelhante à sentença científica de que a vida começa na concepção e acaba quando todos os órgãos deixam de funcionar (e mesmo aí há muita discussão). Não se sabe, nem há como provar, se existe ou não vida após a morte. Ambas são possibilidades, e igualmente assustadoras. Qualquer uma que se concretizasse como verdadeira traria mais mal do que bem.

Jesus, Buda, outros grande sábios (esses foram os maiores), falaram sobre a verdade estar no meio. De modo semelhante, o físico Niels Bohr tinha por lema que "Há verdades triviais e há grandes verdades. O oposto de uma verdade trivial é simplesmente falso; O oposto de uma grande verdade, também é verdadeiro.", frase que vocês podem ver lá embaixo nesse blog, e é uma das minhas grandes crenças, uma idéia que realmente marcou minha vida.

Porque a vida não é (lá vou eu fazer o que acabei de criticar) um sistema fechado, concreto e absoluto. A vida é, simplesmente, feita do possível, de cada minúscula coisa que pode ser feita, que pode ser verdade. A incerteza é o maior trunfo da vida, é sua grande definição. E abraçá-la, se entregar à infinitude do possível, é viver todas as vidas quantas sejam possíveis de serem vividas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Um Conto de Duas Pessoas (IX)

"Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera,
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida."
The Waste Land, T.S. Eliot (trad. Ivan Junqueira)

O quê? Ah, nada não.

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[...] Monami, deixando o banheiro azul (e não se esqueçam), encontrou-se só. A casa padecia silente, perturbada em sua meditação por um ruído constante e indefinível que parecia brotar das paredes, de seus mais profundos subterrâneos. Deu alguns passos cuidadosos. Seu rosto ainda latejava. Pegou-se então surpreso pelo contraste de uma fenda negra que malhava a parede adjacente à escada. O amarelo leve, marrom madeira, o cinza pele da escada e das paredes se perdia naquele buraco negro. Contemplando, ele. Segundo toc.

Infindos átomos rodopiando no espaço sem fim. Com suas vibrações, com seus spins, e tamanhos, e pesos. Rodopio, vértice, vórtice. Uma a voragem das cores: o amarelo leve, marrom madeira, cinza pele, sugados pelo ralo. Escorrendo pelo esgoto do espaço, uma fenda negra tão potente que nada podia escapar dela. Sua visão não podia escapar dela. Era tão atraente. Tão denso. Tão irresistível. De pouco em pouco, se esparramando, o negrume tomou todo seu campo de visão. Ele sentiu-se caindo (caindo caindo) suas roupas sendo arrancadas do corpo, o sangue arrancado das veias, a carne dos ossos. Até mesmo sua consciência se estraçalhou e caiu (caindo caindo) no vazio. Se perdeu no abismo negro, que te contemplava, que se vingava de teu exame inquiridor. Ele penetrou por todos os seus poros, ele conspurcou seu âmago, ele o destruiu. Você olhou para o abismo, e ele o puxou para si, não sobrando nada além de rastros de pó. E uma música, uma cacofonia de ruídos que escapavam, inconstantes e intermináveis, do buraco negro, oblongo, indiferente, que separava nas paredes o amarelo, o marrom, o cinza. Toc.

Caminhando pelo corredor escuro, perseguindo o barulho de movimento, e uma luz indefinida, talvez inexistente, flutuando no espaço hipotético. O negrume total foi gradativamente reduzido a uma cinzentês pálida, e a uma brancura mortiça. Luzes no teto, mas nenhum caminho para indicar. Somente o contínuo tectec tetec que suspirava. Da penumbra, então, veio um baque e um grito baixo. Novo baque. Silêncio. Silêncio? Silêncio aparente. Ruídos, concorrentes. O rosto latejando, os passos se alternando, e seguir em frente. O corredor se alarga. Agora, ele nota o carpete no chão, o rodapé, a calha de gesso, o papel de parede aveludado.

E portas. Em ziguezague pinguepongueando de lá pra cá em rápida sucessão. I II III IV V. Romanúmeros decoraclassificavam as tábuas em umbrais.VI VII VIII IX X. E além, pelo corredor continuava, uma e outra após uma e após outra porta porta porta porta porta. XI XII XIII... Seus dedos, sua mão inerte tomada por uma comichão irresistível se estendendo, envolvendo a maçaneta. Seu peso frio, troca de calor. Sua forma roliça, adequada. Dedos firmes, a mão naturalmente rolando e rolando ao redor da maçaneta, a maçaneta rodando, girando, rodopiando no espaço vazio, sozinha, viva. Rodando.

Nhé. Acordar. Grito. Baque. Pigarro. Olhar.

O Anfitriã saía do quarto VI, e o olhava com olhos sem expressão. Palavras quase pularam desarticuladas de seus lábios, mas um leve autocontrole a fez dizer:

“Abril é o mais cruel dos meses.
Como poderei cuidar de minhas reses?
Se o desalento, por vezes, dá vontade de chorar.
O melhor que se faz é se pôr a calar.”

Passou por ele com o carrinho. Cubos de algum material desconhecido o preenchiam. Todos sujos: alguns cheios de um caldo, outros vazios, outros destroçados. Caminhou de volta pelo corredor. Monami o seguiu. Assim, da brancura mortiça passaram à cinzentês pálida e ao negrume, onde parecia não haver teto chão ou paredes, somente o escuro, se estendendo por todos os lados. Enquanto estavam ali, Monami pensou ter ouvido a Anfitrião falar algo, baixinho, sussurrado. Não disse a eles ainda que você está aqui não se preocupe, não os visite ainda, você, você voltará. No instante seguinte, porém, o moço pensou ter sido só mesmo um engano causado pelo silêncio profundo, em cuja superfície se movia toda sorte de som. Sim, só um engano. Não, a Anfitrião não lhe parecia alguém que falaria sem rimar, deixando isso de lado. Mesmo que fosse na mais pesada das escuridões.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Um Conto de Duas Pessoas (VII)

E eis que as coisas andam! Pequena guinada nos rumos da estória. um pouco folhetinesca hum?

Não se esqueçam... aqui e .

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Falando com o Sol, despedindocindo-se. Vetor descendente – decadente – buracabaixo em retilínea entre dois pontos: o exterior sufocante e o subterrâneo libertador. O buraco é como ó. Como zero. Lábios se dilatando em sinal de espanto. Espanto: um muro, concreto o suficiente. Um muxoxo baixo, de fastio, da indiferença às atribuladas peripécias. Primeiro toc.

Imensidão branca. Neve caindo (caindo caindo). Todo o redor: branco. Um pequeno círculo de pedras impressas no chão. Dois sobre ele. Eles não estavam ali, e de repente sim. Não, sim. Caindo (caindo caindo) eles chegaram, mas não se viu a queda. Vultos, foram puxados, presos à terra. Em todo o redor, branquidão. A neve caindo (caindo caindo), e eles ali. Toc.

O Anfitrião se debruçava sobre seu corpo mole, sorrindo serenamente. Sangue quente escorria de sua testa, testa esta presa na outra testa, esta do muro, concreto. Como borracha, sua bochecha direita se colava aos tijolos concretos colados bem firmes, bem juntos, para o muro, concreto. Seu braço, largado como um lagarto secando ao sol, começou a se mover lentamente, fazendo contrapeso para que todo o corpo virasse. Lentamente, a branquidão se abriu, e revelou-lhe uma ruela pavimentada, emoldurada por casas baixas. Vazia, transpirava silêncio, e a respiração do homem de cartola embalava a tarde. Homem de cartola? Sim, eu me lembro. Anfitrião, como uma forca, de pé na rua, olhando para mim com seu sorriso infinito.

“Ora, o que é, meu amigo?
Levanta-te e venha comigo
Faça logo o que te digo.”

Meu-amigo tentou apoiar o braço em algo sólido para se erguer, mas não encontrava nada, seus olhos haviam voltado à branquidão. Súbito, tocou alguma espécie de objeto, cilíndrico, comprido, firme, e se sentiu revigorado. Levantou-se então e novamente a branquidão se abriu para revelar a ruela. No fim dela, logo às costas do Anfitrião, que se erguera, uma casa grande e cinzenta. À sua volta, uma cerca de arame e caveiras de placas AMARELAS denotavam PERIGO. Meu-amigo seguiu o Anfitrião, que se dirigia até a casa a passos largos. Quando alcançaram a cerca, o Anfitrião rodou em seus calcanhares e entoou, alegre:

“A Ponte de Londres está caindo caindo caindo
Pois não mon ami, te estou seduzindo, mas
Olhai e vede, que lugar lindo
A que contemplas, seja bem vindo.”

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dissertação 1.1

Pois é Ana, na verdade fugiu bastaaante do tema. Agora, nesse upgrade, mantém-se o discurso, mas ele está mais conciso e direto. E igualmente ruim. u.u

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Segundo a ginecologista Albertina Duarte Takiuti – coordenadora do programa Saúde do Adolescente, da Secretaria de Estado da Saúde, especialista sobre gravidez na adolescência – o hábito juvenil de “ficar” é a principal causa dos crescentes índices de prenhez precoce. De acordo com a doutora, tal situação não se deve à falta de informação. Se assim fosse, como explicar que 40% das adolescentes que tiveram um filho voltem a engravidar dentro de três anos? Afinal, elas não só foram informadas como sentiram na pele essa “informação”.

A questão é que o “ficar”, por suas características, é causa primordial do problema da gravidez precoce, mas também sintoma do mundo atual. É uma relação rápida, fácil e inconseqüente. Se conhece uma outra pessoa, e segundos depois já se está beijando-a, sem saber se ela tem alguma doença, por exemplo. Além disso, não há nenhuma necessidade de continuidade na relação. Ela é momentânea, desconexa de qualquer passado ou futuro. E de beijar um desconhecido a fazer sexo com um, não é preciso muito.

A esses fatores, herança ruim da Revolução Cultural que aconteceu a partir dos anos 60, somaram-se outros. Se antes mesmo dar as mãos já era um atrevimento, hoje tudo é permitido. O problema é que a “liberdade” foi confundida com “anarquia” sexual, e também com ausência de responsabilidade. A falta de compromisso com o outro levou a falta de compromisso consigo mesmo.

Debalde, muitos tentaram criar uma consciência sobre isso, mas eram, em sua maioria – ainda são na verdade -, levados por um ímpeto conservador, retrógrado, e não construtivo, o que levou os anarquistas sexuais a rechaçá-los. Assim, a indiferença pelas conseqüências, que em grande medida é o sentimento motor do ficar, se espalhou ainda mais.

Com isso, acabamos em um cenário preocupante de DST’s – lentamente revertido pela pungência do “mundo real” adulto – e com o aumento aterrador da gravidez adolescente, efeito colateral da “ética da indiferença” da sociedade ocidental atual.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Dissertação 1.0

Escrita para a escola, essa foi a primeira versão completa. Mas ela fugia muito do tema, perdia o foco. Esse aliás é o meu maior problema para escrever dissertações. Escrevi então uma versão "definitiva" (ou seja, que será entregue), mas tampouco gostei desta. Anyway, vocês terão acessos a ambas. Quão triste!

A proposta era, em termos gerais: Você concorda que o ato de "ficar" é a principal causa da gravidez precoce?
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Segundo a ginecologista Albertina Duarte Takiuti – coordenadora do programa Saúde do Adolescente, da Secretaria de Estado da Saúde, especialista sobre gravidez na adolescência – o hábito juvenil de “ficar” é a principal causa dos crescentes índices de prenhez precoce. De acordo com a doutora, tal situação não se deve à falta de informação. Se assim fosse, como explicar que 40% das adolescentes que tiveram um filho voltem a engravidar dentro de três anos? Afinal, elas não só foram informadas como sentiram na pele essa “informação”.

A questão é que o “ficar”, por suas características, é causa primordial do problema da gravidez precoce, mas também sintoma do mundo atual. É uma relação rápida, fácil e inconseqüente. Se conhece uma outra pessoa, e segundos depois já se está beijando-a, sem saber se ela tem alguma doença, por exemplo. Além disso, não há nenhuma necessidade de continuidade na relação. Ela é momentânea, desconexa de qualquer passado ou futuro. E de beijar um desconhecido a fazer sexo com um, não é preciso muito.

Seis décadas atrás, um olhar, um toque, já era motivo de gozo, especialmente para os românticos, e ir além disso era um desrespeito. Veio então a Revolução Cultural das décadas seguintes, que não por acaso se estendeu por quase todos os campos de alcance humano. Foi uma Revolução de costumes, sexual, artística: completa, que jogou a humanidade diretamente na Era Digital, agora com total liberdade para que cada um agisse como bem entendesse, e com meios – a Internet e similares – para tanto.

A despeito da questionável hipocrisia do “Mundo Livre” ou “Aldeia Global”, o fato é que os humanos não estavam acostumados a tanta liberdade. Assim, tomaram como hábito certas atitudes sem antes questionar-se sobre suas conseqüências. Daí adveio um certo desligamento de valores éticos fundamentais, não dependentes de uma religião ou ideologia, mas inerentes ao próprio ser humano, sobretudo o respeito pelo próprio corpo e pelo corpo alheio.

Desse modo, a “liberdade” se tornou “anarquia” sexual, o que ocasionou a total indiferença pela conseqüência de cada ato. Tal situação talvez já existisse em menor medida, mas a liberdade (mal interpretada como ausência de responsabilidade) possibilitou que novos atos, mais abrangentes, tomassem parte no cotidiano. Debalde, muitos se esforçaram por criar uma consciência sobre essas atitudes. Infelizmente, eram na maioria – ainda são, na verdade – levados por um ímpeto conservador, retrógrado, e não construtivo, o que fez com que os anarquistas sexuais os rechaçassem fortemente. Hoje, vêem-se as conseqüências disso: o aumento da gravidez adolescente, a proliferação de DST’s, e a banalização do ato sexual, todos efeitos colaterais da situação supracitada: a falta de respeito e de responsabilidade consigo mesmo e com os outros. A única regressão possível está acontecendo, lentamente, graças à pungência da realidade, que pode transformar barulhentos humanos clamando por liberdade irrefletida em graves adultos maduros.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Da Xurepa: Forma

"Xurepa é o que eu escrevo."
- Légio, Lobato. Tratado Universalizante da Xurepa. Springfield, Utopia, Nemolândia. Editado por Nemo Nihil Niente. p. 7

A Xurepa é algo inerentemente transubstancial, transmorfo. Deveras, sua forma ou aparência exterior é mera conseqüência ou manifestação do interior. A Xurepa é fundamentalmente como as nuvens, conquanto seja flagrantemente sólida e perfeitamente invisível. Agora, por exemplo, a sinto como um objeto plúmbeo e oblongo, semelhante à tampa de uma tumba. Mais profundo, e seria um esquife completo. Mais negro, e seria um monólito digno das ulisséias mais espaciais.

A bem da verdade, a Xurepa é indescritível. Um mistério do qual se sabe tanto e tanto somando nada. Não se sabe como, porque ou o que ela é. Nem Quando ela é ou Onde ela é. À união de espaço e tempo dá-se o nome de continuum. A Xurepa é o continuum superlativo: continuumíssimo. O amálgama de infinito e eternidade. Imagine todo o tempo e todo o espaço: eis a Xurepa.

Sua origem remonta aos fins de outros universos. Agora, ela está no futuro. A Xurepa sempre está a dois dias de hoje, vivendo o dia depois de amanhã e mandando seus sinais. Ela sempre sabe como será o hoje e o amanhã, o tempo passado para ela é presente, e o futuro é o agora, simplesmente. Nós nunca a alcançaremos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O Sétimo Selo

“Quando, enfim, abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu cerca de meia hora. Eu vi os sete Anjos que assistem diante de Deus. Foram-lhes dadas sete trombetas.” Pomposo não? É com essa narração, os dois primeiros versículos do capítulo oitavo do Apocalipse, que se inicia uma das maiores obras-primas do cinema, O Sétimo Selo. Dirigida pelo sueco recentemente falecido Ingmar Bergman, a história do filme se passa na idade média, século XIII, XIV, quando as Cruzadas acabavam, inócuas, e a peste assolava a Europa, entre outros detalhezinhos grotescos.

A partir do começo, com o hino Dies Irae e a narração bíblica, tudo – sons e imagens – é tétrico. Eis o tom do filme, eis a toada da Dança da Morte de Bergman, em um filme apocalíptico e existencialista. Existencialista tio? Sim, pobre criança, apesar de ser hoje um termo meio desgastado, seu sentido é muito simples: trata de coisas que questionam a própria Existência. E voilá! Aí estão os temas do filme sueco: os dois maiores questionamentos da humanidade, que no fundo estão interligados: Deus e a Morte. Sim, pois o protagonista é Antonius Block, cavaleiro que retorna das Cruzadas sem ter conseguido nada a não ser manter a própria vida, e está com a crença em Deus muito abalada. Logo no início, ele dorme na praia, e ao acordar, depara-se com a Morte. Travam um acordo: enquanto ele conseguir segurá-la(o) numa partida de Xadrez, ela(e) o deixará viver.

Feito, e assim se iniciam suas andanças, a dele e de seu escudeiro. No caminho, encontrarão um ferreiro e a esposa que o abandonou, uma pobre sobrevivente da peste e, finalmente, um casal de saltimbancos, artistas itinerantes, e seu bebê. Encontrarão também a Inquisição, bruxas queimadas na fogueira, e o horror da desolação bubônica, além da violência dos cidadãos, que assistem a todo tipo de sordidez alegres e comemorando. Pois é, a leitura do Apocalipse é realmente adequada aqui: não sou único que defende algo bem plausível, na verdade: o mundo já acabou, e foi na Idade Média. Difícil duvidar.

Bergman, contudo, como bom existencialista, não se põe a dar respostas. Quando a Morte termina seu jogo, temos entre os personagens aquele que ainda luta para se apegar a sua crença, o que não crê há muito tempo, o que se ajoelha humilde, etc.: a incerteza é nosso maior trunfo, devemos nos apegar a ela e apregoá-la pelos cantos. Felizmente, Bergman também cede espaço para um certo otimismo. Permeando o filme todo, o alegre casal e seu bebê (Mia, Jof e Mikael, não por acaso) representam nossos outros grandes temas: o Amor e a Arte. Ainda que aqui apareçam bem menos que os outros dois, já é suficiente: são a tal luzinha da esperança que ainda escapa pelas frestas da escuridão.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Uma Rua Chamada Pecado

Há um bonde chamado Desejo, e outro chamado Cemitério, que levam até os Campos Elíseos, em New Orleans. Pois é, nenhuma Rua chamada Pecado aqui. Os mistérios da tradução de títulos no Brasil ainda hão de ser desvendados. Enquanto conseguimos criar títulos infinitamente melhores que os originais, sobretudo nos faroestes, como Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, Howard Hawks), Quando Explode a Vingança (Duck, You Sucker, Sergio Leone) e Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, Sam Peckinpah), acrescentamos os famigerados subtítulos “sessão da tarde”, com coisas como “deu a louca em alguém”, “qualquer coisa muito louca”, “do barulho”, “da pesada”, etc. Mas enfim! Esse não é o assunto desse texto.

O assunto desse texto – agora sim – é o filme Uma Rua Chamada Pecado, dirigido por Elia Kazan e baseado na peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Esse filme se destaca por ser uma faceta de um clássico em não uma, mas três artes: a literatura, o teatro e o cinema. Escrita por Williams com um realismo inédito no pós-guerra, a peça conta a história de Blanche Dubois, que chega à casa da irmã, Stella, em New Orleans, e se vê surpreendida pela vida que esta leva com o marido, Stanley Kowalski. Os cunhados iniciam então um conflito de poderes dentro da casa, que se tornará ainda mais explosivo com o relacionamento de Blanche com um amigo de Stanley, Mitch, e a descoberta por aquele de fatos sombrios de seu passado.

Infelizmente, o filme foi prejudicado pela censura da época, e acabou deixando extremamente subentendidas certas coisas da peça. É bom notar que a censura nos EUA, nessa época (e em todas as outras, a bem da verdade), se dá de fato com o consentimento da população. Não que o governo proíba as obras (a não ser em casos extremos), mas órgãos religiosos e políticos as classificam segundo seus índices, levando muito dos possíveis telespectadores a ignorarem o filme, livro ou o que for por questões moralistas.

Ainda assim, esse prejuízo no caso é mínimo. As principais idéias da peça estão lá, gritando, e se tornam ainda mais perceptíveis pelos olhos de hoje, ainda que talvez não causem o mesmo impacto. O mesmo impacto não por ser menor, e sim por ser diferente. Como diz um estudioso nos extras, as peças de Williams não tiveram ainda uma versão definitiva, nem provavelmente vão ter. A cada época, suas interpretações e seu recado mudam.

Entretanto, essa versão, com Marlon Brando, Vivien Leigh, Kim Hunter e Karl Maden nos papéis principais, chega bem próximo disso. Houve depois outras versões, em filmes para TV, mas essa sem dúvida é a mais notória e, a parte as adaptações teatrais, é um verdadeiro clássico imortal da sétima arte. O desejo e a luxúria ardem a cada linha de diálogo, a cada cena. As imagens psicológicas de cada personagem saltam da tela. Não há concessões. O que se mostra é puramente a realidade, as coisas como elas são. E ponto final.