Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera,
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida."
The Waste Land, T.S. Eliot (trad. Ivan Junqueira)
O quê? Ah, nada não.
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[...] Monami, deixando o banheiro azul (e não se esqueçam), encontrou-se só. A casa padecia silente, perturbada em sua meditação por um ruído constante e indefinível que parecia brotar das paredes, de seus mais profundos subterrâneos. Deu alguns passos cuidadosos. Seu rosto ainda latejava. Pegou-se então surpreso pelo contraste de uma fenda negra que malhava a parede adjacente à escada. O amarelo leve, marrom madeira, o cinza pele da escada e das paredes se perdia naquele buraco negro. Contemplando, ele. Segundo toc.
Infindos átomos rodopiando no espaço sem fim. Com suas vibrações, com seus spins, e tamanhos, e pesos. Rodopio, vértice, vórtice. Uma a voragem das cores: o amarelo leve, marrom madeira, cinza pele, sugados pelo ralo. Escorrendo pelo esgoto do espaço, uma fenda negra tão potente que nada podia escapar dela. Sua visão não podia escapar dela. Era tão atraente. Tão denso. Tão irresistível. De pouco em pouco, se esparramando, o negrume tomou todo seu campo de visão. Ele sentiu-se caindo (caindo caindo) suas roupas sendo arrancadas do corpo, o sangue arrancado das veias, a carne dos ossos. Até mesmo sua consciência se estraçalhou e caiu (caindo caindo) no vazio. Se perdeu no abismo negro, que te contemplava, que se vingava de teu exame inquiridor. Ele penetrou por todos os seus poros, ele conspurcou seu âmago, ele o destruiu. Você olhou para o abismo, e ele o puxou para si, não sobrando nada além de rastros de pó. E uma música, uma cacofonia de ruídos que escapavam, inconstantes e intermináveis, do buraco negro, oblongo, indiferente, que separava nas paredes o amarelo, o marrom, o cinza. Toc.
Caminhando pelo corredor escuro, perseguindo o barulho de movimento, e uma luz indefinida, talvez inexistente, flutuando no espaço hipotético. O negrume total foi gradativamente reduzido a uma cinzentês pálida, e a uma brancura mortiça. Luzes no teto, mas nenhum caminho para indicar. Somente o contínuo tectec tetec que suspirava. Da penumbra, então, veio um baque e um grito baixo. Novo baque. Silêncio. Silêncio? Silêncio aparente. Ruídos, concorrentes. O rosto latejando, os passos se alternando, e seguir
E portas. Em ziguezague pinguepongueando de lá pra cá em rápida sucessão. I II III IV V. Romanúmeros decoraclassificavam as tábuas
Nhé. Acordar. Grito. Baque. Pigarro. Olhar.
O Anfitriã saía do quarto VI, e o olhava com olhos sem expressão. Palavras quase pularam desarticuladas de seus lábios, mas um leve autocontrole a fez dizer:
“Abril é o mais cruel dos meses.
Como poderei cuidar de minhas reses?
Se o desalento, por vezes, dá vontade de chorar.
O melhor que se faz é se pôr a calar.”
Passou por ele com o carrinho. Cubos de algum material desconhecido o preenchiam. Todos sujos: alguns cheios de um caldo, outros vazios, outros destroçados. Caminhou de volta pelo corredor. Monami o seguiu. Assim, da brancura mortiça passaram à cinzentês pálida e ao negrume, onde parecia não haver teto chão ou paredes, somente o escuro, se estendendo por todos os lados. Enquanto estavam ali, Monami pensou ter ouvido a Anfitrião falar algo, baixinho, sussurrado. Não disse a eles ainda que você está aqui não se preocupe, não os visite ainda, você, você voltará. No instante seguinte, porém, o moço pensou ter sido só mesmo um engano causado pelo silêncio profundo, em cuja superfície se movia toda sorte de som. Sim, só um engano. Não, a Anfitrião não lhe parecia alguém que falaria sem rimar, deixando isso de lado. Mesmo que fosse na mais pesada das escuridões.
Um comentário:
http://sibillaliantasse.blogspot.com/search/label/Um%20Conto%20de%20Duas%20Pessoas
aoooow o/
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