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Emanações percorrem o espaço vazio entre a tela e o sofá. O que há entre a Tela e o Sofá é isso, um espaço vazio, um vácuo contido numa Bolha apoiada no chão de taco, e entra ela e o chão um tapete. Quatro paredes definem o aposento, quatro paredes irregulares dotadas cada uma de seu próprio buraco. Uma delas tem a janela, a tela por fora dela, a veneziana deixando entrar somente rastros de luz. A outra tem o corredor, aquele retângulo cavado na parede sem porta que o complete, do chão ao teto rasgando a monotonia. À sua frente, atraindo toda a atenção com seu característico brilho que chia, a Tela. O quarto buraco são seus olhos.
Mas espere, o que é isso? A transmissão foi interrompida, o chuvisco tomou conta da Tela. Riscos de preto cinza e branco apareceram onde antes havia 65 mil cores, e a suave eufonia do palavrório que saltava da Tela foi substituída pelo ruído de uma víbora soltando levemente o ar por entre os extremos de sua língua bifurcada. Você é tomado por um leve desespero. Levanta-se de imediato e dá um passo em direção à Tela, mas o que o que você não esperava é que a Bolha estaria à sua frente. Você dá um passo e de repente o ar se torna mais espesso, fica difícil de respirar, mas seu passo foi muito largo, seu corpo inteiro já está dentro da Bolha, talvez o tornozelo direito tenha escapado, você leva as mãos ao pescoço GASP soluça buscando algum ar ao seu redor, estende o braço esquerdo com violência, numa última tentativa de tocar a Tela, e choca-se contra a parede à sua frente, já fora da Bolha que o sufocava. A Tela continua tomada pelo chuvisco. Você contrai as sobrancelhas, perplexo, e bate de leve, com carinho, do lado do aparelho. Por um instante o chuvisco torna-se mais intenso, e então um cinza chumbo com um som grave insuportável, e então uma pálida reprodução das imagens que até há pouco chegavam aos seus olhos. Indeciso, você deixa sua mão suspensa por ar por longos segundos, perguntando-se se deve ou não bater de novo. Mas sua ânsia pelas imagens é muito grande, maior que seu carinho pela Tela, e então você deixa seu braço descer e atingir o retângulo brilhoso, dessa vez com mais força que na anterior. Um chiado agudo atinge seus ouvidos, a cor e o movimento voltam a aparecer diante de seus olhos. Suspirando, você se deixa dar um passo para trás, e seu corpo atravessa a Bolha como se não houvesse nada ali, indo cair surdo no sofá atrás dele.
Atrás da Tela, você sabe, há um longo cabo. Esse cabo atravessa 35 metros de concreto para chegar ao topo do seu prédio, e se conecta como tantos outros às antenas que acima da Cidade se elevam, impávidas e opacas contra o céu quase-azul. Elas recebem as Emanações que viajam pelo ar, semelhantes às que atravessam a Bolha para alcançar seus olhos. Partem de lugares distantes, de pilares de aço inacreditavelmente altos, pontilhados de grandes gamelas receptoras-emissoras, fatias de uma esfera que não existe. As Emanações viajam pelo ar, sim, elas saltam suicidas de suas Alturas imponderáveis e um segundo antes de se esborracharem para sempre contra o chão indiferente elevam-se de novo e singram pelo espaço cavalgando com o vento. É isso, finalmente entendi. As imagens da Tela, elas vêm com o vento. Vêm com o vento e são abraçadas pelas antenas e deslizam suaves pelo cabo até explodirem exultantes na Tela que se liga. Mas escute, o que é isso? As Emanações murmuram. Se você chegar sua cabeça para perto da Tela, vai ouvir. A princípio parece um chiado, mas logo os sons confusos começam a tomar um contorno definido, e você pode entender o que elas dizem. Ouça, agora, as palavras das Emanações, ouça e compreenda seu verdadeiro sentido. Elas trazem notícias para você, notícias de muito longe, que vieram levadas pelo vento. Os ventos da mudança estão chegando.
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(Estréia em dezembro)
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