.
Esculpir é um dos ofícios mais fascinantes que existem, a metáfora mais perfeita do ofício artístico. De modo geral há duas maneiras de encarar a arte. Uma delas é vê-la como criação, construção, como Proust construindo sua catedral de memórias ou quaisquer grandes autores criando seus mundos particulares que, por mais semelhantes ao mundo real sejam, lhe são próprios. A outra maneira é ver a arte como uma “filtragem” da realidade. Já falei sobre isso quando escrevi sobre a crítica, sobre como a crítica é um ponto de vista da obra de arte tal qual a obra de arte é um ponto de vista da Realidade. Mas não havia ainda encontrado uma metáfora que me concedesse tão perfeitamente a imagem do que consiste o lide artístico. Encontrei lendo o fabuloso livro de Andrei Tarkovsky, “Esculpir o Tempo”, onde a metáfora do escultor é usada, e aqui a reproduzo e expando. Esculpir consiste, pois, não em sobrepor elementos para criar um todo, mas em retirar do bloco concreto aquilo que não pertence à obra de arte. Seja mármore, gesso, ou granito, o elemento componente da escultura é várias vezes filtrado até atingir seu estado final, a perfeição ou ao menos o objetivo, o ponto em que se pára do escultor. Deus cria o mundo e nele coloca o mineral. O trabalhador vai até a mina e recorta um bloco de mármore ou o que quer que seja, o qual é levado até o artista. O escultor se vê então frente a frente com a impassibilidade ebúrnea da rocha, e com sua alma enxerga ali somente o futuro, somente o sublime que nasce do bruto. Começa então seu trabalho de artesão, o sentido de sacrifício da criação artística, pelo qual ele retira do bloco sólido tudo que é supérfluo, tudo o que não pertence à obra de arte. Assim também se pode dizer dos demais artistas, o pintor que retira cores do branco até encontrar o tom exato; o ator que retira o vazio do vazio e lhe imprime movimento e som; o poeta que retira a brancura da folha e o desespero do silêncio.
Construir ou filtrar? Qual é o verdadeiro processo de criação da arte?
.
sábado, 7 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário