sexta-feira, 2 de abril de 2010

Todo Dia, XVII - Poesia

.
genealogia amorosa

Primeira vez:
Atrapalhado despertar de sensações.
Não lembro direito, agora,
Como foi a primeira vez que me apaixonei.
Lembro dela: seu rosto, suas palavras, suas idéias;
Mas foi tudo ilusão: a conheci na rede,
Nunca a vi pessoalmente.
O rosto era uma imagem, as palavras digitadas, idéias vaporosas.
Tínhamos amigos em comum, conversávamos em grandes chats,
E também a sós, nós dois, cada qual sozinho atrás da tela.
Lembro-me do sobrenome dela,
Que eu, tão insistentemente, juntava ao meu.
Um dia, me declarei: torrentes de palavras.
Mas ela não queria nada, claro, com alguém tão distante.

Segunda vez:
Amiga de amigos, amiga minha depois.
Estudamos na mesma escola, mas só a descobri após conversarmos,
Longamente, pelo Messenger ao computador.
Nos víamos raramente, tête-à-tête, e eu sempre ficava envergonhado.
Desabafei com amigos e amigos e amigos,
E a história se espalhou. Chegou até ela,
Que não disse nada. Convenceram-me a declarar-me,
E acabar com o sofrimento.
Virando-me pra dentro, coloquei-me à sua frente,
E disse, entrecortadas, as tais palavras.
“Eu gosto de você, mas como amigo.” – é claro,
Por isso eu já esperava.
Restaram-me os três textos que escrevi inspirado pela paixão,
E a lágrima que não consegui derramar.

Terceira vez:
Mal a vi ao vivo, um vulto sempre imaginado.
Enquanto pensava me envolver,
As longas conversas na rede,
Ela permanecia fria, até mesmo sem amizade.
Enquanto vivia essa paixão, escrevi muito,
Frutos de sonhos e da imaginação.
Mudei de estratégia: declarar-se é do passado.
Chamei-a pra sair, uma, duas, três vezes.
E ela aceitou todas.
Mas sempre, no dia anterior, surgia algo que nos impedia de encontrarmo-nos,
E ela vinha me contar, tranqüila, mal disfarçando
A desculpa que eu sentia ali.
Desisti, mandei tudo pro espaço, se ela não quer fazer o que...
(Mas doeu.)

Pensei que a fonte dos meus fracassos
Era fundar a paixão na ilusão de conversas virtuais:
Parei, quase totalmente, de conversar pelo computador,
E parei também de me apaixonar.
Terá sido uma proteção que o meu coração levantou
Para defender-se dos assaltos da negação?

Não, aconteceu de novo.
Nada de internet, só ao vivo, mas ainda mais fraco que das outras vezes.
Não escrevi, tampouco, nada sobre esse amor,
Nenhum registro ou desabafo.
Minha paixão deixou de se erguer sobre a ilusão virtual,
Ou a imaginação dos escritos, e passou a erguer-se,
Mal se equilibrando, sobre a existência efêmera das palavras ditas
E dos encontros temporais.

Não recebi, ainda, o não,
Mas ela parece se afastar na direção de outro alguém;
E enquanto vejo isso penso
Se meu destino será mesmo a solidão,
Ter a companhia amarga das esperanças e dos sonhos,
Enquanto ao meu redor seres vivos se unem e separam,
Aproximam-se e distanciam-se, vêm e vão.

E por fim penso ainda, antes de abandonar-me no colchão,
Se essas minhas paixões não foram outra coisa,
Um desejo só mal concebido,
Um apego excessivo,
Uma necessidade ainda não suprida,
E enquanto o último espasmo de dor me atravessa o coração,
Conclusão dramática de uma nova paixão,
Decido, sucinto:
Amor é obsessão.

(Mas agora já passou,
E essa última estrofe parece tão ridícula...)
.

Um comentário:

a virgulab disse...

que lindo, tuminha :)