quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Série - S01E19

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A lâmpada vermelha do semáforo apagou-se, dando lugar rapidamente ao verde brilhante e surpreendendo Martin Madusky, que, tendo acabado de parar em frente ao sinal, imaginava esperar por muito tempo a permissão de prosseguir. Um tanto quanto atabalhoadamente, Martin engatou a primeira marcha e acelerou, fazendo cantar os pneus do seu pequeno carro de duas portas. John B. não esboçou reação ao movimento repentino do automóvel, mas inclinou-se para fechar o vidro quando um caminhão passou ao lado deles soltando fumaça.

- Eu tenho uma teoria..., ele disse, recostando-se de novo no banco - há dois tipos de fumaça no mundo, fumaça boa e fumaça ruim. A fumaça boa é aquela que acalma a mente, que a descontrai, que tira dela as amarras e permite vôos suaves, tornando tudo mais claro. A fumaça ruim é o contrário disso, ela deixa a gente nervoso, impaciente, confuso.

- Erhm, respondeu Martin.

O Autor tinha saído de sua casa no subúrbio perto das oito horas da manhã, e logo voltara para dentro a fim de pegar seu sobretudo mais quente, sentindo o ar frio ao abrir a porta. Mas em menos de meia hora o tempo virara, e agora ele dirigia um carro pequeno demais para ele, preso no trânsito e nas garras do sol forte. Levara pelo menos vinte minutos para chegar ao terreno onde John B. deixava seu trailer. O Autor o encontrou na frente do alambrado, de colete, boné e óculos escuros, terminando de fumar um cigarro e jogando a guimba no chão. John B. entrou no carro e percorreram todo o caminho praticamente em silêncio, com ocasionais comentários do Diretor pontuados por sutis exclamações de concordância por parte do Autor.

Alguém que observasse atentamente a relação dos dois desde que haviam se conhecido, após o convite a John B. para dirigir a Série, perceberia, com alguma dificuldade, uma sutil mudança na maneira como um tratava o outro. Mas poucas observações revelariam tanto como a dos momentos em que os dois se colocavam juntos diante dEles, supremamente unidos, como nós todos, em oposição aos que estão do Outro Lado. E hoje se encaminhavam para um desses momentos.

Estavam indo decidir o empecilho que travara as gravações da Série por tanto tempo, o Problema fundamental que impedia as idéias dos dois de virarem realidade: a Série precisava de um nome e, até que decidissem qual seria, Eles não permitiriam que fosse gasto um rolo sequer de película. O problema começou pequeno. No dia em que as gravações iriam começar Eles mandaram um bilhete avisando que a Série precisava de um título, e que até que ele fosse decidido não haveria gravações. Madusky imaginou que Eles consideravam o título uma garantia de que a Série viria a existir, e não queriam comprometer o orçamento antes de ter essa garantia, mas não entendia porque eles só haviam tocado no assunto quando as gravações estavam prestes a começar e tanto já fora decidido. Mas a confusão de Martin só aumentaria à medida que o tempo passasse e a Série permanecesse sem título, permanecesse paralisada, e Eles permanecessem em silêncio, sem se manifestar sobre como o título seria escolhido. Essa pergunta atormentava Martin, que todas as noites rabiscava em um caderno possíveis títulos para sua história. Ele tentou entrar em contato com Little Punk e Doo-Doom, mas não encontrou nenhum deles. Tentou enviar recados para Eles, mas não encontrou mensageiros. Numa madrugada, sem conseguir dormir, chegara a ir até a Sede da Emissora para tentar de alguma maneira perguntar a Eles sobre o nome, mas o portões estavam fechados e eram altos demais para que ele passasse por cima. Martin esperou durante vários minutos à frente da Sede, mas começou a chover e ele foi embora.

A mesma Sede se apresentou, bela e terrível, quando o carro que agozinando comportava Madusky e B. virou a esquina da Thalberg com a Goebbels, e o pequeno automóvel continuou, dessa vez sem hesitação ou engasgos, até a portaria da NGP.

A Sede ficava no final da Goebbels, ou melhor, a Goebbels levava até a Sede. Os prédios baixos de escritórios seguiam, homogêneos, até um determinado ponto da rua, e depois davam lugar a uma sebe alta delimitada, em relação à calçada, por uma grade de ferro opaca. Os arbustos de folhas escuras se estendiam dos dois lados da rua, acompanhando as grades. Só cediam espaço para dois pequenos trechos de grade livre, que deixavam entrever um grande pátio de estacionamento e limitavam a portaria à esquerda e à direita. Acima dos portões lia-se a sigla enigmática, NGP. Não havia porteiro à vista, somente uma guarita com vidros pretos, embaixo dos quais emergia da parede um alto-falante. Uma voz metálica perguntou quem eram eles, e Martin respondeu dizendo que eram o Autor e o Diretor da Série. “Que série?”, perguntou o alto-falante, mas Martin não soube responder. Segundos depois, os portões se abriram, e, novamente atabalhoado, Martin engatou a primeira marcha e acelerou, cantando pneu, para dentro da Emissora.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.