quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A Série - S01E02

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O pançudo do Madusky chegou atrasado outra vez. Estávamos eu, John B. e o Charlie da iluminação conversando sobre o cenário. John disse que tinha avisado o Madusky sobre a reunião, ele disse que sim. Mas a porra do pançudo não pode chegar no horário nem uma vez. Ele tem uma necessidade quase psicótica de aparecer quando todo mundo já perdeu a paciência, com a cara gorda inchada debaixo daquela barba espessa, com os cabelos oleosos desgrenhados, com as olheiras e os olhos apertados escondidos atrás de um wayfarer preto enorme.

Maldito. Ele está sempre com a mesma roupa. Uma calça jeans preta tão apertada que quase divide as suas bolas, estilo pata-de-camelo masculina. Uma camisa preta larga por cima da pança. E cobrindo tudo um sobretudo preto de couro ou de alguma outra coisa com ar de velho. Ele chega com as mãos nos bolsos e aquele passo arrastado, a cara insondável de paisagem, de quem faz um esforço imenso pra evitar qualquer expressão. Eu interpelo ele tentando tirar alguma nem que seja falsa justificativa por aquele atraso mas ele não diz nada, só fica me “olhando”, me encarando com as lentes pretas dos óculos. O John fica visivelmente constrangido, contorcendo os músculos do rosto em expressões estranhas, mas não diz nada. Como se nada tivesse acontecido, o Madusky fala:

- O John me falou que você tinha tido algumas idéia para o cenário. É isso?

Respiro fundo pra não voar pra cima dele e tento ser profissional, organizando na cabeça o que eu tinha pra falar antes de realmente começar a falar qualquer coisa.

- É, é isso. Eu vi aqui... no roteiro do episódio piloto as indicações de cenário e... fiz um resumo dos lugares em que a história se passa.

Ele não reage, fica parado, sem expressão, me “olhando”. Maldito, maldito. Eu continuo.

- Acho interessante isso pra gente poder otimizar a utilização dos cenários. Como esse episódio é principalmente urbano e passado nas ruas, à noite, só controlando a iluminação e reaproveitando algumas coisas que a gente já tem no estúdio dá pra economizar muito...

Agora ele fala.

- OK, isso não é comigo. Os produtores é que vão te dizer sobre recursos disponíveis, e aí você pensa no que fazer com eles, é o seu trabalho. Mas eu e o John queremos fazer esse episódio homenageando o cinema noir, então acho bom ter cenários referenciais, que remetam facilmente a esse universo sem que a gente tenha de forçar muito o estilo. Becos, ruas decadentes, você sabe.

E aconteceu de novo... ele mudou de assunto e escolheu pra falar qualquer coisa que tivesse na cabeça, desprezando completamente o que os outros, o que eu tinha falado como coisas sem importância, que não tinham nada a ver com ele. Eu quase mordo a língua eu respiro bem forte como eu queria quebrar a daquele safado eu digo entre os dentes

“Certo”

e ele se vai, acenando com a cabeça para o John, sem nem falar nada comigo ou com o Charlie, ainda naquele passo arrastado, ainda com as mãos nos bolsos, o rabo do sobretudo e o cabelo indo pra lá e pra cá à medida que ele anda naquele ritmo inconstante, balançando a bunda, tão típico dele.

Maldito.
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4 comentários:

Juka disse...
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Juka disse...

odeio o tanto de emoções que as coisas que você escreve me fazem sentir. mas é um ódio bom, sabe? não sei explicar, mas fico com ódio de mim mesma por sentir tudo isso. tento me convencer de que 'é só um texto, se liga, menina'... por fim, sempre acabo percebendo que 'não, não é só um texto.' e a conclusão é que 'textos do Tuma não são só textos.' Como você consegue fazer isso comigo?
Pra acabar, só consigo pensar em uma coisa agora: 'MALDITO'
-acho que se encontro uma figura com essa descrição na rua, com o sobretudo e a pança e tudo o mais, chamo de maldito sem nem pensar duas vezes, posso? ahueaheuah

tenho autorização para imprimir a série e encaderná-la? quero muito!

Tuma disse...

Claaaro que pode... só cuidado pra não gastar muita tinta! =D

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.