.
Aconteceu uma coisa muito estranha com o Kurt. Desde que ele chegou aqui ele mudou muito, eu sei, mas tá tudo piorando. No começo ele estava alegre, animado, cumprimentava as pessoas, mas depois foi se tornando mais apático, mais distante. Quando os ensaios começaram ele se animou de novo, todo mundo que conseguia ver o John B. orientando os atores, seja o Kurt e a Samantha, ou alguma cena dele com o Roy, dizia que ele estava muito bem, que tinha realmente conseguido captar o personagem. Mas antes dos ensaios e depois dos ensaios ele se fechava de novo, ficava trancado no trailer, e algumas vezes ia para casa e não voltava no dia seguinte.
Ultimamente, até a interpretação dele tinha degenerado. Ele não se esforçava mais por interpretar, somente lia o roteiro sempre do mesmo jeito, sempre do jeito como se lê da primeira vez, pra passar, como se em cada ensaio ele estivesse conhecendo tudo desde o começo. Ficava sentado na sua cadeira, de óculos escuros, declamando mecanicamente suas falas, para o desespero da Samantha, a perplexidade do Roy e da Tina e a completa indiferença do John B.
Ontem, ele deu um ultimato aos outros, a nós todos talvez, o Martin Madusky apareceu no estúdio e ele disse que queria começar a gravar, não importa o que acontecesse, ele disse que queria as câmeras ligadas no dia seguinte e que se não fosse isso ele não sabia do que seria capaz. Hoje ele chegou ao estúdio e todos estavam reunidos no lugar onde os ensaios acontecem, o Roy e a Samantha olharam para ele enquanto ele se aproximava, o John B. tava conversando com o Charlie, e o Madusky não estava lá. Quando ele chegou até eles, olhou ao redor e perguntou: “Cadê as câmeras?” Os outros só ficaram olhando para ele, meio sem jeito. Ele repetiu: “Cadê as câmeras?” O Roy tentou falar com ele, “Kurt”, mas era só o que ele precisava pra estourar de vez –
“Não, porra, cadê as câmeras, cadê a porra das câmeras?” – ele disse gritando, rangendo os dentes – “Eu não quero continuar repisando essas mesmas falas, eu não quero continuar reprisando essas mesmas cenas, não, porra, eu quero viver” – voava saliva de sua boca enquanto ele falava – “eu preciso disso, onde estão as câmeras, se não têm câmeras onde é que eu vou ser alguém, porra, onde, onde estão as câmeras” – ele gesticulava amplamente com os braços, caminhando nervosamente em direção a cada um de nós – “eu quero as câmeras agora, eu preciso, eu preciso das câmeras” – ele disse, parando, os olhos esbugalhados, olhando fixamente para mim – “eu quero VIVER!” – gritou, sua voz ficando aguda, e parou de falar. Mas nenhum de nós sabia o que responder para ele.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Live and let die...
“eu preciso disso, onde estão as câmeras, se não têm câmeras onde é que eu vou ser alguém, porra, onde, onde estão as câmeras"
saudade de vc meu amigo Tuma, querido, muito querido. uma boa semana pra vc. Inspirador.
Adriana Yamamoto
Postar um comentário