quarta-feira, 17 de março de 2010

A Série - S01E13

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Quando Eles me convidaram para dirigir a Série eu já estava há muitos anos no que os meus inimigos chamam de ostracismo, mas na verdade era um período sabático. É engraçado, na verdade, ninguém dava muita bola pra mim na época, eu estava morando há dois anos num trailer cercado de arbustos secos e poeira, um verdadeiro Martin Epidimn em Bando de Forasteiros, vivendo de uns parcos direitos autorais pelas exibições dos meus filmes na TV e dos dinheiros que meus filhos mandavam de vez em quando.

Uma vez por mês, mais ou menos, eu recebia uma carta de um fã, geralmente uma longa digressão que dissecava os meus filmes um por um, decifrando os significados de cada fotograma. Durante muito tempo eu esperava ansioso por essas cartas, mas depois admito que adquiri certo enfado em relação a elas. Não porque elas tenham se tornado repetitivas, mas porque haviam perdido o brilho inicial. É como se meus espectadores houvessem se tornado mais técnicos e menos criativos, e não existe nada mais chato que alguém sem criatividade. Felizmente eu encontrei um ótimo uso para essas cartas sem brilho, de modo que seus aspectos materiais viraram cinzas, ou, na melhor das hipóteses, guimbas, se é que vocês me entendem (quando afirmei que meu trailer era cercado de arbustos secos... bem, não eram só arbustos que eu tinha plantados ali).

Apesar de tudo, vez ou outra aparecia uma carta com algum conteúdo interessante, sinal de que nem tudo está perdido (desconfio que os autores dessas digressões brilhantes sejam membros da minha tribo de enevoados). Essas, se não preservava integralmente, ao menos copiava os melhores trechos, trechos que guardo com muito carinho. Vejam esse sobre Marijuana dos Anjos.

“Parece-me evidente, sire, que a cena da possessão em ‘Marijuana’ é uma representação das teorias comunistas, e em especial da URSS, sendo invadidas por parasitas e corroída por dentro pelo demônio do capitalismo e do liberalismo. Isso fica patente quando vossa excelência das Artes mostra Mary sangrando, e alterna sua agonia com uma longa sequência de uma tela inicialmente tomada pela cor vermelha que, no entanto, vai se retraindo, enquanto imagens de uma águia e de homens gordos aparecem no espaço de somente alguns fotogramas, não ficando por mais que um segundo diante dos nossos olhos.”

Esse outro, que escreveu sobre Folhas de Erva, me trata por Tio, o que estranhei a princípio mas terminei por apreciar.

“Tio, seus filmes são maravilhosos eles são foda eles mexem com a cabeça da gente. Eu vi um pedaço de um uma noite a TV tava ligada eu tava chapado e vi aquele monte de imagens sinistras e nossa, quando eu descobri que filme era aquele quem tinha feito e tudo eu fui atrás o mais logo que eu pude e hoje eu já vi mais de cinco filmes de você. Eu adoro as cenas do seu filme os atores as cores as músicas eu adoro o jeito como você faz as coisas as cenas é tudo tão lindo tem uma que é a mais linda de todas e eu entendo tudo que ela diz ela diz tanta coisa é lindo. O filme acho que chama Folhas de Erva tem tanta poesia e uma parte o cara vai passando e cantando na rua você sabe qual que é e ele vai cantando baixinho mas as pessoas que tão na rua também percebem que ele ta cantando e aquilo meio que muda a vida delas e depois quando as pessoas se reúnem no campo para construir o monumento aquelas pessoas são as mesmas pessoas que ouviram o cara cantando na rua e é tão bonito ver aquilo chapado as pessoas cantando e se movendo e trabalhando e as cores é lindo Tio, é lindo tiozinho eu já vi cinco filmes de você e vou ver todos mas eu quero que você faça mais porque quando acabar eu vou ficar triste e mesmo podendo ver de novo eu quero ver mais filmes seus que você fez hoje porque eles são todos lindos, lindos.”

Por enquanto fiquemos com somente mais um.

“John B. (por que você usa esse nome, afinal?), eu adoro seus filmes, eles são para mim o ápice do cinema. Não tenho muito amigos que te conhecem mas os que te conhecem caçoam de mim por te admirar, eles dizem que seus filmes são involuntariamente engraçados, que são filmes B e até que seu nome é B, e eles dizem que seus filmes são puro trash. Mas eu sei que eles são do jeito que são porque você é desse jeito, e você melhor do que ninguém conseguiu se expressar nos seus filmes, você mais do que ninguém foi honesto e abriu a alma. Seus filmes são terror, comédia, psicodélicos, existencialistas, pura poesia é isso não é? Seus filmes são você em celulóide, é isso não é?”

Infelizmente, nunca tive condições de responder a essas cartas, o que deve ter deixado meus admiradores um pouco desapontados.
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2 comentários:

João G. Viana/Pudim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cristiano Contreiras disse...

Parabéns pelo ótimo blog!